(depoimento de Elizabeth Verdegay Hernandes Breseghelli)
Sempre escrevi. De início eram cartas para os amigos. Usávamos os correios, naquela época. Alguns respondiam, outros não. Já sabia que as respostas às cartas não viriam, mas me agradava informá-los sobre o que estava ocorrendo. Depo...Continuar leitura
(depoimento de Elizabeth Verdegay Hernandes Breseghelli)
Sempre escrevi. De início eram cartas para os amigos. Usávamos os correios, naquela época. Alguns respondiam, outros não. Já sabia que as respostas às cartas não viriam, mas me agradava informá-los sobre o que estava ocorrendo. Depois de um tempo, passei a escrever para mim mesma.
Sobre a chuva, sobre o vento, e os anos foram passando. Todas as dúvidas, as certezas estavam ali naquelas cartas. Muitos anos, muitas cartas...
As pessoas com quem convivia, sempre era um prazer escrever sobre elas. Minha interpretação para mim mesma de toda uma vida...
Neta mais velha de uma família de imigrantes espanhóis, anarquistas, ouvia atrás das portas todas aquelas histórias que até hoje nem sei se eram reais ou fruto de minha própria imaginação. Noites ao som das guitarras e das castanholas, roupas coloridas, sapateados, vozes e o cheiro da comida gostosa de minha avó Maria.
Visitar minha avó era como ir para o futuro. Ela morava na rua da Moóca, tinha telefone e até ônibus elétrico na porta. Eu morava na vila Carrão. Lá não tinha nada. Eram opostos. Eu adorava visitá-la. Não sei por que, mas eu passava muito tempo por lá. Meu avô tinha uma loja chamada Eletrorádio Mooca. Vendia toca-discos, discos, agulhas para toca-discos e todo o tipo de material elétrico. Armários com muitas gavetas em que minha prima Miriam e eu brincávamos quando a loja fechava.
Meus tios eram jovens e lá viviam. Meu pai era o terceiro de 8 filhos. A casa fervia de animação, de conversas, de risos. Espanhóis que falavam alto como todos os espanhóis.
Nem sei como um dia tudo se acabou. Meu avô morreu, minha avó escorregou e quebrou a bacia e as festas ficaram na memória.
Eram 8 os filhos, meus tios. Tinha uma tia a Libertad. Era uma mulher amarga, não ria, ouvi que em algum momento da vida havia tido uma desilusão e assim ficou. Fechava as janelas, não gostava de visitas. Os filhos, meus tios, moravam em outras casas. Minha avó ficou
na casa, com minha tia Libertad e meu tio Helio. Meu tio Amor ficou também, até se casar. As lembranças se misturam, minha avó ficou doente, morreu logo depois. Libertad morreu, a casa se desfez mas as lembranças permaneceram.
(História enviada em maio de 2010)Recolher