O meu pai, embora não tivesse completado o curso primário, gostava muito de ler. Em casa havia uma estante escura com as portas de correr, onde ele guardava várias coleções de autores diversos. Não tinha muitas posses, mas comprava todas as coleções de livros que vendiam na nossa porta. Minh...Continuar leitura
O meu pai, embora não tivesse completado o curso primário, gostava muito de ler. Em casa havia uma estante escura com as portas de correr, onde ele guardava várias coleções de autores diversos. Não tinha muitas posses, mas comprava todas as coleções de livros que vendiam na nossa porta. Minha mãe dizia que ele não sabia dizer não, mas na verdade, ele lia bastante.
Eu brincava com os livros, fazia pilhas, fazia casinha, pontes e carrinhos. Tinha muita vontade de saber o que tinha ali dentro mas meu pai não tinha facilidade para dizer a uma menina de 5 ou 6 anos, o que tinha num livro de Malba Tahan.
- Quando você for para a escola vai poder ler.
Bem, o negócio era esperar a primeira série, já que nem escola infantil tinha naquela época, não no interior de São Paulo, onde vivíamos. Mas uma coisa era certa, eu ainda ia ler aqueles livros.
Quando chegou o tão esperado dia, não me lembro da roupa ou da lancheira, como a maioria das pessoas com as quais eu converso, mas me lembro que eu fui até a estante e peguei um dos livros para levar para a escola. Escolhi o vermelho em meio aos azuis, beges, amarelados, marrons.
Quando ia saindo meu pai gritou:
- Pode guardar esse livro que aí tem “besteiras”, não é para criança.
Não tive dúvidas, corri e troquei pelo azul. Como não fui repreendida novamente, lá fui eu para o meu primeiro dia de aula, na Escola Estadual “Luís Crisóstomo de Oliveira”.
Me lembro de uma fila que demorou para começar a andar, de uma diretora enorme que andou pelo meio das filas com cara de brava, me lembro do cheiro de verniz das carteiras, me lembro principalmente, que voltei decepcionada para casa pois não conseguia ler nem mesmo o título do livro azul.
Em tempo, o livro vermelho era um Jorge Amado e o azul era um Machado de Assis. Mais tarde descobri que um dia de aula era pouco mas senti firmeza na evolução e acabei lendo todas aquelas coleções de livros, inclusive a do Jorge Amado.
Helenice Andrade Nogueira (POIE)
EMEF “Marcílio Dias”Recolher