Desde crianças, sempre moramos em A.E.Carvalho, bairro da Zona Leste de São Paulo. Nossa casa foi comprada com muito sacrifício pelos nossos pais quando o bairro apenas nascia, acerca de quarenta anos atrás. Havia muito verde ao redor de nós e até uma grande seringueira em frente de nossa cas...Continuar leitura
Desde crianças, sempre moramos em A.E.Carvalho, bairro da Zona Leste de São Paulo. Nossa casa foi comprada com muito sacrifício pelos nossos pais quando o bairro apenas
nascia, acerca de quarenta anos atrás. Havia muito verde ao redor de nós e até uma grande seringueira em frente de nossa casa. Muitas tardes brincamos sob sua sombra.
Sempre fomos uma família muito simples. Só nos finais de semana víamos o meu pai, porque ele saia de casa para o trabalho muito cedo e só voltava quando já estávamos dormindo. Mamãe, uma excelente costureira, trabalhava numa oficina de costura, para ajudar o papai.
Nossa avó materna morava conosco e cuidava de nós, até que a mamãe pudesse parar de trabalhar fora.
À noitinha, antes de dormirmos, nossa avó nos contava histórias que chamava “histórias de trancoso”. Nelas havia sempre princesas, príncipes e crianças como nós, pobrezinhas financeiramente falando. Os irmãos eram amigos e tudo terminava bem quando as crianças eram obedientes. As histórias só podiam ser contadas à noitinha, porque vovó dizia que quem contava histórias de dia “criava rabo de cotia”. Não entendíamos direito, mas esperávamos pelo anoitecer.
Quando faltava a energia elétrica, depois do banho e do jantar, além das histórias brincávamos com a vovó de adivinhas, até
que o sono viesse e dormíssemos.
Quando chegou a época da escola, já não tínhamos tanto tempo para as brincadeiras, ainda assim, muitas vezes brincávamos de de esconde-esconde, de adivinhações, de “escolinha” ... ( eu era a professora, meus irmãos os alunos) e outras brincadeiras próprias de crianças.
Não havia como comprar brinquedos mais sofisticados, pois o dinheiro só dava para o que era realmente necessário em nossa casa. Mamãe explicava-nos os porquês e dentro da nossa inocência procurávamos entender sem reclamar.
Quando estava próximo o Natal lembro-me da mamãe dizendo: “Crianças, a mamãe fará uma roupa nova para cada um, mas infelizmente não poderemos ainda, comprar as bonecas e a bicicleta que vocês tanto desejam, mas tenham paciência, logo logo este dia vai chegar.” Éramos três filhos naquela época – Elzinha, Fernando e eu, a mais velha. Entendíamos quando ela nos falava, porque víamos o quanto trabalhavam para que nada nos faltasse. Cresceríamos e aí sim, trabalharíamos e compraríamos os brinquedos que nunca tínhamos podido ter.
O tempo foi passando, eu já estava na escola, nossa situação financeira melhorou. Mamãe agora trabalhava somente em casa, costurando para fora, por encomenda, e finalmente o grande dia chegou.
Aquele Natal foi inesquecível. Minha irmã Elzinha e eu ganhamos enfim, nossa primeira boneca. Eram lindas: uma moreninha e outra bem branquinha, a primeira com cabelos pretos; a outra loirinha, que era a minha. Já o meu irmão conseguiu enfim sua bicicleta.
Ele estava com apenas quatro anos. Era uma bicicleta pequenina com rodinhas atrás, que o papai disse que tiraria quando ele aprendesse a andar somente em duas rodas. Que coisa maravilhosa Nem conseguíamos dormir de tanta felicidade.
O tempo passou, crescemos. Um a um fomos realizando nossos sonhos mais antigos. Papai e vovó há muito já não estão entre nós, restou-nos nossa mãe, graças a Deus. Sou a única solteira e moro com ela. Nosso bairro mudou muito, minha casa e o entorno dela também, apesar de ser a mesma casa da nossa infância, mas nenhum de nós esqueceu daqueles dias e de tudo que vivemos. Sempre que nos reunimos em casa, lembramo-nos com carinho daqueles doces dias.
Foi um tempo maravilhoso, que me trás muitas saudades e uma gratidão imensa, ao nosso grande Deus: por ser quem sou, por ter a família maravilhosa que tenho, por me permitir ser hoje realizada e feliz apesar das tantas situações avessas que enfrentamos em nosso dia a dia.Recolher