P/1 – Luiz, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Luiz Felipe Lima e Silva, 6 de setembro de 1985.
P/1 – Nasceu em São Paulo?
R – Nasci em Niterói, Rio de Janeiro.
P/1 – Seus pais são de Niterói?
R – Meus pais são do Rio, meu pai é de Níterói ...Continuar leitura
P/1 – Luiz, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Luiz Felipe Lima e Silva, 6 de setembro de 1985.
P/1 – Nasceu em São Paulo?
R – Nasci em Niterói, Rio de Janeiro.
P/1 – Seus pais são de Niterói?
R – Meus pais são do Rio, meu pai é de Níterói e minha mãe é de São Gonçalo, que é uma cidade vizinha.
P/1 – E seus avós também são do Rio?
R – Sim, meus avós também.
P/1 – Materno e paterno?
R – Paterno, materno, toda minha família hoje ainda mora no Rio de Janeiro, com exceção mesmo dos meus pais e de um primo que fez família aqui em São Paulo.
P/1 – E bisavós, você sabe?
R – Também são do Rio de Janeiro.
P/1 – Você não tem, assim, descendente português, espanhol, de fora?
R – Eu tenho, mas eu considero como distante, porque eu tive pouquíssimo contato com meus bisavós. Tem uma parte de Portugal, mas a gente nunca explorou, porque eu nunca tive muito contato com meus bisavós.
P/1 – E com seus avós, você teve?
R – Com meus avós eu tive. Meus avós por parte mãe ainda são vivos, só faleceu meu avô por parte de pai, a minha avó também, por parte de pai também continua viva.
P/1 – O que seus avós maternos faziam?
R – Meu avô materno ele trabalhava no ramo de construção. Então, naquela época ele era mestre de obra, fez algumas casas no Rio de Janeiro e depois de um certo tempo viveu grande parte da vida de renda de imóveis. No caso de São Gonçalo, na época, 1940, eles ainda estavam crescendo muito, então eles conseguiram montar muitas casas. Então, durante muitos anos, até hoje na verdade, uma boa parte da minha família, por parte de mãe, ainda vive dessa renda de imóveis no Rio.
P/1 – E o seu avô paterno?
R – Meu avô paterno ele era coronel da polícia do Exército. Ele acabou se aposentando super cedo, com pouco mais de 60 anos já estava aposentado, e acabou falecendo tempos depois de câncer, já tem em torno de uns 17 anos que ele faleceu, eu tinha 11 na época. A minha avó ela mora também no Rio de Janeiro, não trabalhava por conta da profissão do meu avô, que era coronel, eles chegaram a se separar, mas ela nunca precisou trabalhar, então era realmente do lar, realmente uma doméstica.
P/1 – E seu pai? O que é que ele fazia ou faz?
R – Meu pai ele se formou em Farmácia. Ele começou a atuar em um laboratório no Rio de Janeiro, ele foi transferido para São Paulo quando eu tinha quatro anos, aí viemos eu, ele e a minha mãe. No caso ele veio primeiro, um ano depois eu vim com a minha mãe e a gente trouxe toda a mudança da casa do Rio de Janeiro para São Paulo. Foi quando a gente começou a viver em São Paulo, no final de 89, começo de 1990. E aí ele sempre trabalhou também na indústria farmacêutica, por conta da formação dele e até hoje...
P/1 – Como é o nome dele?
R – Warley de Souza e Silva. E até hoje ele continua ainda atuante na indústria farmacêutica.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe, ela ficou muito tempo sem trabalhar por conta do relacionamento com meu pai. Como a gente veio para São Paulo, minha mãe optou por virar uma moça do lar, muito para cuidar de mim, porque eu estava longe da família, longe dos meus parentes, então, para dar uma atenção a mim naquele momento de formação, minha mãe durante muitos anos minha mãe ficou em casa. Quando eles se separaram, que é quando eu tinha por volta de uns 13 anos, a minha mãe seguiu a carreira de enfermeira, ela se formou e seguiu a carreira de enfermeira e hoje ela trabalha como enfermeira. Às vezes ela dá aula, às vezes ela cuida de idoso, mas tudo relacionado.
P/1 – Você é filho único?
R – Sim, sou filho único de pai e de mãe.
P/1 – Vamos voltar, você lembra da sua infância no Rio de Janeiro até quatro anos? Ou você não tem lembrança?
R – Até os quatro se eu lembrar é mentira, eu lembro de flashes.
P/1 – O que é que você lembra?
R – Eu lembro muito de eu brincando com meus primos. Lá no Rio, como meu avô tinha essa coisa dos imóveis, a gente morava como se fosse um apartamento, eram dois andares, só que no térreo moravam três famílias e na casa de cima moravam mais duas. Então, morava meu tio com dois filhos embaixo, minha tia, que tinha dois filhos mais velhos, que eu não participei tanto, e tinha uma casa que a gente ficava lá toda vez que a gente ia para o Rio de Janeiro, quando a gente foi morar em São Paulo a casa continuou lá. Então, todas as férias e praticamente todos os feriados até meus 12 anos, que foi antes da separação dos meus pais, eu ia para o Rio de Janeiro. Eu tenho bastante lembrança de lá, na verdade. Eu tenho muita lembrança com dois primos, um primo e uma prima que são irmãos, e assim eu fazia de tudo com eles, desde jogar bola com ele, interagir com ela. Então, se ela quisesse brincar de casinha eu brincava, porque eu era filho único, então, brincar de casinha com a minha prima era legal, porque era uma interação com uma outra criança. Eu era muito sozinho em São Paulo, então eu adorava ir para lá, porque era o momento que eu brincava com meus primos. E lá eu aprendi um monte de coisa, vivendo com eles nessas férias.
P/1 – Você sabe como seu pai e sua mãe se conheceram?
R – Então, eles tinham uma galera em comum. Minha mãe é gêmea com a minha tia e ela é a mais nova. Então, ela tinha dois irmãos mais velhos e uma irmã mais velha, então, eles tinham uma galera muito grande, esse pessoal, e aí a galera de igreja, também eram frequentadores assíduos de igreja, então era uma galera que meio que sempre se encontrava. E aí, amigo, se eu não tiver enganado, eu acho que meu pai conhecia o meu tio, e aí por intermédio dele, na época acabaram conhecendo minha mãe, namoraram acho que uns dois anos, aí casaram, em um mês a minha mãe engravidou, então, mal tiveram tempo para curtir o casamento mesmo, um mês depois ela já estava grávida de mim.
P/1 – E da mudança para São Paulo você lembra?
R – Eu lembro da mudança em si, do caminhão, do estamos indo para São Paulo. A viagem eu até lembro um pouco, foi uma coisa que marcou, mas eu tenho poucos momentos, dentro dessa transição eu lembro muito mais assim, do momento da qual a gente estava mudando e do local para onde a gente foi mudar.
P/1 – Para onde vocês mudaram?
R – A gente mudou primeiro para Interlagos, numa travessa próxima à Avenida Interlagos, ali Interlagos, Nossa Senhora do Sabará, ali para perto. Ali eu tenho minhas primeiras lembranças mesmo de São Paulo, naquele prédio. Minhas primeiras lembranças, assim, minha janela ficava para um lado onde o pessoal jogava bola, então, o pessoal começava a jogar bola: “Luiz Felipe, desce aí!” aí eu pequenininho, seis, sete anos, isso me marcou. O pessoal olhava ali, eu olhava na janela: “Desce aí, vamos jogar bola,” e eu ficava ali jogando bola. E eu podia na época, mesmo sendo muito pequeno, porque minha mãe conseguia ficar me olhando da janela. Ali, acho que foram minhas primeiras lembranças em São Paulo mesmo.
P/1 – Como é que era esse apartamento?
R – É um condomínio de um prédio só, um único prédio, se não me engano eu morava no quarto andar. Eu lembro que tinha dois meninos que eram mais velhos, na época eu tinha oito, eles deviam ter 12, o que já era bem diferente, e tinha mais um menino que era mais ou menos da minha idade. Então, éramos nós quatro, a gente que sempre brincava junto.
P/1 – Quais eram as brincadeiras, além de bola?
R – Eu lembro que eu andava muito de bicicleta, mesmo o condomínio sendo pequeno eu ficava dando volta de um lado para o outro, eu ficava passando sempre nos mesmos lugares. E o cantinho que a gente jogava futebol, dali as minhas maiores lembranças.
P/1 – E você entrou na escola com quantos anos?
R – Eu comecei a estudar na verdade no Rio de Janeiro, em torno de dois, três anos. Cheguei a estudar lá em duas escolas, aí eu vim para São Paulo. A primeira escola que eu estudei em São Paulo se chamava Exato, que era lá em Interlagos também. Depois eu mudei para mais umas duas escolas, onde eu acabei me formando depois.
P/1 – Você morou nesse lugar em Interlagos até quantos anos?
R – Morei até meus oito para nove anos.
P/1 – E o que é que você mais gostava na escola nesse período?
R – Ali eu ainda tinha uma certa dificuldade de fazer amizade, eu era muito introspectivo, eu era muito fechadão. Então, eu gostava de atividades de grupo, tudo que era atividade de grupo onde a gente tinha que todo mundo tinha que participar, mas não precisasse ficar amigo, eu gostava, então, na nossa época era pique bandeira, uma queimada, eu adorava jogar queimada, entendeu? Porque eu não precisava fazer amizade, eu precisava interagir, aquela ali era a forma de interagir, então gostava. Sempre gostei muito de futebol, então, no intervalo a gente jogava muito futebol, agora tem quadra, na época não tinha nem quadra lá. Então, tudo o que era de coletivo eu achava mais fácil, se fosse uma coisa de dupla, para mim já era um pouco mais difícil, por exemplo, jogar um vôlei para mim era muito difícil, porque você tem que estar mais em sintonia com o seu parceiro. Então foi difícil para mim durante um certo tempo, depois foi mais tranquilo.
P/1 – E na sua casa como é que era? Quem exercia a autoridade seu pai ou sua mãe?
R – Quem exercia mais autoridade era meu pai, mas eu acho que sempre foi muito tranquilo, eu era introspectivo e tímido, hoje estou bem melhor com relação a isso. Minha mãe me controlava muito bem, foram pouquíssimas as situações que minha mãe precisou usar do ‘vou ligar para o seu pai’ ‘vou falar para ele,’ porque a gente se entendia super bem. Eu não acho que eu dava muito trabalho, eu era muito curioso, às vezes eu quebrava uma coisa ou outra por curiosidade, aí era quando minha mãe falava: “Você vai ver com o seu pai,” eu tentava falar: “Mas foi sem querer,” sem querer não adianta às vezes.
P/1 – Ela contava história? Como é que era a convivência com ela? Fala um pouco dela.
R – Minha mãe é uma parceirona, minha mãe é super tranquila. Na época ela meio que sempre defendia tudo o que eu queria fazer e entrava nos conflitos com meu pai, só que ela nunca insistiu muito. Então: “Ah mãe, quero fazer judô” “Ok, vou falar com o seu pai,” eu ia lá e conseguia fazer o judô, aí dava um tempo: “Ah mãe, não quer mais judô, quero, sei lá, fazer um karatê,” ela: “Tá bom, vamos lá fazer o karatê,” então, a minha mãe me incentivou muito a tudo, mas acho que ela podia ter segurado aquela situação: “Não, você queria judô, não queria? Então agora você vai ficar no judô pelo menos mais um pouco,” entendeu? Para mim algumas coisas eram muito fáceis, quero, não quero mais, vamos para o outro, isso aqui não mais. Enquanto outras era muito difícil, por exemplo, meu pai me incentivava muito nos estudos com jogos, eu adorava jogos interativos, assim, para eu ficar sozinho, claro, mas tinha aquele Jogo da Vida, que é um jogo que você precisa de outras pessoas, eu detestava o Jogo da Vida. Então, meu pai me comprava com jogos se eu tirasse boas notas e o quanto antes eu passava de ano, antes ele me dava os jogos, era um consenso entre a gente. Mas algumas coisas eu não gostava, eu tinha um pouco de dificuldade essa coisa do grupo.
P/1 – Você estava falando da sua mãe, que depois no fim você se entendia com ela. Ela era de contar histórias? Que relação você tinha com ela?
R – Tive muito mais relação com ela até do que com meu pai, porque meu pai trabalhava muito pelo fato de ter sido transferido para São Paulo, então eu passava grande parte dos meus dias com a minha mãe. Tanto que as viagens que a gente fazia para o Rio de Janeiro, 80% das vezes eu estava com ela viajando. Sempre estava com ela, para tudo o que eu precisava fazer, desde ir para o colégio, buscar, levar para algum lugar, shopping, qualquer coisa, era tudo com a minha mãe. Minha história de infância é basicamente toda com ela: “Mãe quero isso” “Toma” “Mãe, quero aquilo” “Toma,” porque eu era o filho único, sempre fui filho único, criado longe da família, então, de certa forma, fui mimado. E aí eu ia para o Rio de Janeiro com saudades dos meus primos, lá eu também era mimado, porque lá eu era o primo turista, eu era o primo paulista, para falar a verdade, louco para que todo mundo me chamasse de carioca, porque eu não era paulista, eu era na verdade carioca. Então, a minha relação com a minha mãe sempre foi muito boa.
P/1 – Como é que era Interlagos nessa época?
R – Eu tenho algumas recordações de Interlagos. Eu tenho uma grande recordação de Interlagos da minha época do colégio, que eu fiquei lá até os nove anos, porque eu estudava praticamente atravessando a rua do autódromo, então, quando tinha quinta e sexta-feira, que era dia de treino livre antes da classificação no sábado, a gente não tinha aula, porque não tinha condição, o barulho dos motores era tão alto que a gente não conseguia ter aula, então, isso é uma coisa que me marcou por estar ali perto, tudo. De onde a gente morava a gente também escutava vestígio das corridas, então, eu lembro muito de Interlagos, mesmo assim, além de brincar com a minha galerinha, eu lembro muito dessa coisa do autódromo. A gente está falando, mais ou menos, de 93, 95, ainda era época do Senna, então, a gente falava muito sobre isso, sobre Fórmula 1, e eu estava do lado do autódromo de Interlagos que era uma das etapas da Fórmula 1, que no caso do Brasil. São recordações que eu tenho de Interlagos, de morar lá, só que eu fiquei lá só quatro anos, então, saí de lá muito novo ainda.
P/1 – E por que vocês mudaram de casa?
R – Na verdade foi por imóvel. O meu pai veio para São Paulo primeiramente para Interlagos para morar num apartamento alugado, com a ajuda da empresa e tudo o mais. Quatro anos depois ele se estabilizou em São Paulo a ponto de que a gente adquiriu um outro imóvel. Quando a gente adquiriu esse outro imóvel ele ainda estava terminando de ser construído num condomínio, seriam oito prédios, aí eu teria mais interatividade com crianças, porque até então eu morava numa única torre, tinha só uma torre onde eu morava, então meus pais queriam que eu me enturmasse com outras crianças e tudo o mais, que na época também era uma dificuldade, então com meus nove anos eu mudei de apartamento. Aí como era um pouco mais afastado de Interlagos eu acabei mudando de escola também. E mudando de escola, de certa forma, minha vida deu uma grande guinada nessa parte da timidez, de ser introspectivo, porque nesse colégio eu cheguei a sair, mas eu voltei para o mesmo colégio depois, foi onde eu me formei. Então eu entrei no colégio na terceira série e me formei no terceiro colegial, então a mesma galera. É uma turma que eu cresci, que eu me formei com eles e que eu encontro até hoje. Eu tenho um apelido de terceira série, que é Godô, que me acompanha até hoje, tem os que me conhecem como Luiz Felipe e tem os que me conhecem como Godô.
P/1 – Por que Godô?
R – Godô. Eu ia muito para o Rio e eu sempre voltava de férias, feriado, muito moreno, porque criança fica no sol o dia inteiro, eu branquinho voltava muito moreno, mas muito moreno mesmo. E na época, mais orelhudo do que eu já sou hoje e com os olhos verdes. E aí eu mudei do colégio, no segundo dia de aula uma menina olhou para mim, começou a rir e falou: “Ah, você é a cara do Godofredo,” quem é o Godofredo? Tem um personagem de um desenho brasileiro, que é o Castelo Rá-Tim-Bum, que é um bichinho que vive no esgoto junto com um outro personagem chamado Mau, então o Godofredo e o Mau. E o Godofredo, pelo menos é o inteligente da dupla, o Godofredo ele é bem marronzinho, com uma orelha bem grande e com os olhos bem claros. E aí, todo mundo na sala começou a rir, eu fiquei bravo, porque eu tinha esse problema de lidar com coisas de grupo, eu fiquei bravo, todo mundo começou a chamar e praticamente instantaneamente pegou o apelido. Levou um tempo para eu me acostumar, porque na verdade era Godofredo o apelido, ele era bem feio, e com os anos acabou reduzindo, virou Godô, Godis, então tem muita gente que me conhece assim, e é um apelido que eu levo com o maior carinho, na época o diretor do colégio não sabia meu nome, mas me chamava de Godô. Então, o que me ajudou, na verdade, o apelido? Eu era muito fechado, muito intrínseco, o apelido me ajudou a dar uma visibilidade, então, em pouco tempo, de certa forma, me tornei um popular. Para mim foi mais fácil lidar com isso, que em algum momento você virou um popular, do que ir perdendo a timidez, foi uma coisa natural. Então, as pessoas começavam a falar Godô, Godô, Godô e pegou, e aí todo mundo acabou me conhecendo desse jeito, isso foi uma coisa que no colégio me ajudou muito, o lance do apelido. Então, ganhar um apelido para mim foi meio que divisor de águas, parecia que eu era uma outra pessoa, eu não era o Luiz Felipe, eu era o Godô, então para mim foi muito bom ganhar o apelido. Assim como mudar para nova escola, são as pessoas que eu continuo vendo até hoje, tem padrinho, tem madrinha de casamento que é do pessoal do colégio, entendeu? Foi muito bom.
P/1 – E quando você virou corintiano?
R – Eu realmente me assumi corintiano quando teve a eliminação do Corinthians pelo Palmeiras na Libertadores.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu tinha 14.
P/1 – Antes você torcia para qual time? Seu pai?
R – O meu pai é flamenguista. Meu pai me contava as histórias dele de ir para o Maracanã, final de Taça Guanabara, de deixar de ir em festa de 15 anos de paquera dele, porque ele queria ir para final da Taça Guanabara, final da Taça Rio. Meu pai viu o Zico jogar no Maracanã, então, era uma fase de ouro, tinha a geral, meu pai ficava naquela bagunça toda. Então, eu cresci, na verdade, sendo flamenguista, mesmo vindo para São Paulo. Com cinco anos, eu tenho ainda foto comemorando com camisa do Flamengo, bem pequeno, influência dos pais e tudo o mais. Quando eu vim para São Paulo eu mantive essa coisa, todo mundo perguntava: “O que você é?” “Eu sou Flamengo. Sou Flamengo, sou Flamengo.” E aí, anos depois um vizinho queria começar a influenciar, que ele era são-paulino, comprou um uniformezinho do São Paulo para eu usar “usa aí”. E meu pai muito camarada naquela época: “Põe filho,” as cores eram parecidas, porque o Flamengo, querendo ou não, é rubro negro, que seria um preto e vermelho, mas tem uma pitadinha branca, e o São Paulo é o tricolor, então, são cores parecidas, eu tentei usar, tentei usar, eu usava aquilo e: “Pai, não gosto, está me incomodando, não quero ser são-paulino, não quero” “Não filho, mas é legal” “Mas eu não quero, eu não quero, eu não quero.” Muito engraçado, mas não batia a minha identidade com a do São Paulo. E eu via alguns corintianos sofrendo e aquele sofrimento começou a querer também fazer parte de mim, e quando eu chorei muito por causa da eliminação do Corinthians naquela Libertadores, eu realmente percebi que eu era corintiano. Minha mãe falava: “Você está chorando por isso? Que bobagem,” eu: “Mãe, mas o Corinthians perdeu.” E eu chorava, chorava e nem eu compreendia plenamente aquilo. Aí depois de um tempo o próprio corintiano conseguiu assimilar aquela coisa do: “Corintiano, maloqueiro e sofredor graças a Deus.” E aí é uma questão, realmente, de identificação.
P/1 – Não teve alguém que te influenciou você a ser corintiano?
R – Não. Existiam os quatros times de São Paulo naquela época. O São Paulo, a gente falava que era o time elitizado, que todo mundo que tinha dentes na boca torcia para o São Paulo, o Corinthians era o time do povo, da massa, o Palmeiras nunca tive nada contra, mas nunca foi um time que me apeteceu para nada, essa coisa dos descendentes de italiano eu nunca me liguei muito, e na minha época o Santos também não era muito falado, porque o Santos ficou muito adormecido, né? Teve a época do Pelé e aí, 50 anos depois quase, veio uma segunda geração, meninos da vila, ninguém falava muito do Santos. Quem era santista na época é porque o pai era santista e ele também era santista, tentaram me incentivar para o São Paulo não deu. Então eu tinha duas opções de certa forma, ou era Palmeiras, ou era Corinthians, naquele momento também se falava pouco do Palmeiras, eu tinha ouvido falar muito pouco do Palmeiras, mesmo sendo a época da Parmalat, não sei o que, e eu acabei me identificando, enveredando para o que menos eu achei que fosse. Então, particularmente, eu acho que ou eu seria santista ou corintiano, como meus pais não eram santistas, acabei virando corintiano. (risos)
P/1 – Você lembra desse jogo que o Corinthians foi eliminado?
R – Lembro.
P/1 – Como é que foi?
R – O jogo foi tenso, um super jogo. O jogo foi para os pênaltis, o Corinthians nunca tinha chegado tão longe naquele campeonato, e o momento mais curioso foi que foi o último pênalti, então o Palmeiras tinha batido os cinco primeiros e o Corinthians estava na sua quinta batida, se fizesse pênalti continuariam cobrando pênaltis. E aí era o melhor batedor do Corinthians, porque era o Marcelinho Carioca, e do outro lado a gente tinha o Marcos. Quando o Marcos defendeu aquela cobrança de pênalti, na verdade, dali para frente ele virou o São Marcos, até então ele não era São, dali para frente santificaram o cara no Palmeiras. E o Marcelinho, ele só não foi crucificado, porque ele era o maior jogador, assim, o maior jogador que eu vi jogar no meu clube foi o Marcelinho Carioca, foi o cara que ganhou tudo, ganhou muitos títulos, ele tinha uma identificação enorme. Então era muito improvável, era como se você falasse que o Zico perdeu um pênalti, que o Pelé perdeu um pênalti, para mim aquilo ali era improvável. Foi mais difícil aceitar que ele perdeu o pênalti do que a gente perdeu aquela partida, entendeu? E também tem alguns poréns, o Corinthians nunca tinha sido um campeão internacional, nunca tinha ganhado nenhum campeonato internacional, e esse era um campeonato internacional. Levou alguns anos para o Corinthians realmente conquistar um campeonato de expressão como esse. Então, foi um baque, aquilo dali eu acho que é uma das derrotas mais marcantes da história do Corinthians, foi esse jogo.
P/1 – E aí nesse novo apartamento em que bairro que ficava?
R – A gente se mudou para o Jardim São Luís, que é próximo ali ao começo da Giovanni Gronchi, que a gente já começa a chamar ali de Morumbi.
P/1 – E foi onde você ficou até?
R – Eu morei ali com meus pais até eles se separaram, então até os 13. Aí eu voltei para morar com o meu pai, eu basicamente morei ali até casar. No bairro ali eu morei até basicamente casar, que já foi com 27 anos.
P/1 – E por que seus pais se separaram?
R – Bom, meus pais se separaram na verdade por casos extraconjugais. Meu pai trabalhava demais, viajava demais, teve seus casos extraconjugais. A minha mãe ficava sozinha, e ficava sozinha, e também teve seus casos extraconjugais. E eu acho que eles até prolongaram o casamento um pouco mais em função de mim, pelo fato de eu ser o único filho, longe da família, em outro estado. Eu acho que eles prolongaram um pouco por minha causa, mas foi uma situação, digamos, até inevitável entre eles.
P/1 – Como é que foi para você a separação?
R – Para mim, no começo, foi um pouco difícil, por quê? Porque a gente volta para 1999, foi quando eles realmente se separaram. Naquela época qual foi a condição? Meu pai tinha uma outra mulher e minha mãe também tinha uma outra mulher. Essa foi a primeira dificuldade, o aceitar o homossexualismo na minha família naquele momento, a gente não está falando de 2009, está falando de 99. Naquele tempo era muito mais preconceito, as pessoas eram muito mais homofóbicas, era muito mais difícil de você ver e aceitar situações como essa. Então, com 13 para 14 anos foi difícil aceitar esse baque, minha mãe vive com uma outra pessoa, minha mãe escolheu também uma outra mulher, essa foi a primeira dificuldade. Eu não fui morar com a minha mãe, eu fui morar com meu pai.
P/1 – Você que escolheu?
R – Eu que escolhi, por quê? Porque naquele momento ainda é uma ferida muito grande para mim. Então, morar com meu pai e não ter meu pai tanto por perto era mais fácil do que aceitar aquela pessoa que sempre foi a minha parceira uma vida inteira escolhendo viver com uma outra pessoa, uma outra mulher, naquela situação. Só que isso não durou muito tempo. Um ano depois eu caí na real, tipo, não importa, porque foi um conflito interno muito difícil, para quem eu ia falar isso? Com quem eu ia conversar sobre isso? Eu não tinha, com meu pai? O traído da história? Difícil, né? Acho que para ele também foi difícil se recuperar dessa situação toda. Com quem eu falava? Eu não falava, então, foi difícil aceitar um pouco dessa situação. Quando eu caí na real, mais ou menos um ano e meio, com uns 15 anos eu caí na real: “Pô meu, é minha mãe, não importa as escolhas dela, cara. Eu amo a minha mãe, é a minha mãe, eu quero ficar ao lado da minha mãe, dane-se a outra pessoa. Se a outra pessoa não me quiser, dane-se ela também. Eu quero ficar do lado da minha mãe.” E aí a gente restabelece tudo o que a gente teve, de vínculo, por uma infância inteira. Pô, minha parceira, né? E ajudou muito a gente, foi divisor de águas para essa situação. Aí, anos depois eu cheguei a morar com ela também, para tentar...
P/1 – Depois de um ano? Quanto tempo depois você voltou a morar com a sua mãe? Não entendi.
R – Com a minha mãe, eu comecei a morar com meu pai eu tinha 14.
P/1 – Você ficou um ano com seu pai?
R – Não, eu voltei para morar com a minha mãe eu tinha 18.
P/1 – Ah, então dos 13 aos 18 você ficou com seu pai?
R – Dos 13 aos 18 eu fiquei com meu pai.
P/1 – E como é que foi o convívio com ele?
R – Foi difícil. Porque meu pai ele trabalhava demais, então, quando meu pai vinha para casa, ele me cobrava demais. E foi um momento muito delicado, porque foi a adolescência, foi o auge da adolescência e início de uma vida adulta, e eu precisava muito de uma referência, pai mesmo. Eu vivendo com conflitos que eu tinha com relação a minha mãe eu precisava muito mais do meu pai presente, na minha opinião. Não tive, porque meu pai tinha uma outra pessoa e ele queria dar assistência para essa outra pessoa. Chegou um momento, digamos dos 16 aos 18 anos, que o meu contato com meu pai era, ele me deixava no colégio às oito da manhã e eu via meu pai às dez horas da noite, por quê? Porque ele saía do trabalho e ia para casa dela, de segunda à sexta-feira.
P/1 – Ah, ela não morava com vocês? Morava só você e seu pai?
R – Nunca moramos. E de sexta-feira ele ia ficar na casa dela e eu ficava o final de semana sozinho. Então, com 17 anos eu já passava vários finais de semana do ano sozinho. Foi bom e foi ruim, fiz muita coisa legal, mas também fiz muita coisa errada, eu tinha uma liberdade muito grande. Eu podia, por exemplo, ter estudado muito mais, se seu fosse focado, mas em algum momento eu não fui focado, eu estudei menos do que eu poderia, por exemplo. Qual era o problema com meu pai? Meu pai achava que bancar algumas situações era suficiente, quando eu precisava, às vezes, de um pulso de pai mesmo. Então, quando a gente ia conversar, a gente entrava em conflito, isso era constante, a gente não conseguia conversar plenamente, porque chegou num momento que ele mal me conhecia e eu também mal o conhecia, porque a gente não conseguia mais conversar tanto. Ele tentou me envolver na família dessa outra pessoa, só que a questão são as aceitações, eu já estava muito melhor naquela situação de aceitar pessoas, aceitar convívios, aceitar situações de grupos, só que o outro lado também precisava me aceitar. Se o outro lado não te aceita com plenitude fica difícil, porque ela tinha dois filhos um pouco mais velhos do que eu, a gente poderia ter sido grandes amigos, não deu, mas não foi por falta de esforço da minha parte, entendeu?
P/1 – E você convivia com a sua mãe? Você via ela nesse período?
R – Via. Só que a minha mãe, como ela nunca precisou trabalhar e se separou do meu pai e precisou trabalhar muito, então a minha mãe tinha uma vida muito puxada, minha mãe tinha dois serviços públicos, plantão. Então eu conseguia ver minha mãe, minha mãe tinha seis folgas por mês, então eu via ela uma vez por mês e já era muito, porque ela trabalhava demais, era difícil ter tempo para conseguir ver minha mãe. A partir do momento que ela se viu divorciada, ela se viu tendo que correr atrás do tempo que ela ficou sem trabalhar e tudo o mais. Então, a minha mãe até hoje na verdade a gente se fala, não demais também, não tenho contato direto, todos os dias com a minha mãe, porque desde que ela se separou do meu pai ela sempre foi uma pessoa muito ocupada. Então, às vezes é possível: “Oi mãe, tudo bem? Então tá. Beijo, tchau,” acabou, está ótimo isso. A gente acabou fazendo com que isso fosse suficiente para nós, mas a gente está sempre se vendo ou se falando.
P/1 – E o que você fazia como adolescente? Quais eram os programas? Você disse que fez algumas coisas erradas.
R – O que eu fiz até os 16 anos, dos oito aos 16, foi jogar bola, isso foi uma constante na minha vida, porque esporte é uma coisa que eu sempre gostei. É o que eu falei, lá atrás quando eu era menor esporte em grupo para mim era muito mais fácil, então joguei bola. Com 16 anos meu pai parou de me incentivar, querendo que eu ficasse só estudando, ainda tentei ainda um ano virar um profissional, porque eu até que jogava bem, mas sem o apoio de casa acabou que não deu certo. Acho que o que eu fiz de errado foram algumas escolhas, como eu não tinha um pai por perto eu comecei a fumar, comecei a fumar muito novo, eu tinha 14 anos eu já fumava cigarro, com 16 anos eu comecei a beber um pouco mais, com 17 anos eu fumava maconha. Então, algumas situações, eu acho que elas se agravaram no período de separação dos meus pais, é onde eu falei, eu precisava de um pulso de pai e eu, particularmente, não tive, eu me via muito livre, entendeu? Esse é o problema de às vezes você ter muita liberdade. Ok, eu já era um cavalo que conseguia cavalgar sozinho, mas não tinha ninguém para puxar uma rédea de vez em quando, eu simplesmente corria livre, então eu fazia minhas escolhas. É difícil você ter 17 anos e administrar uma vida meio badalação, eu não tinha nem 18 ainda e eu já era uma vida de badalação. Era aquela coisa de fumar, eu bebo, eu fumo maconha, sou uma pessoa descolada, foi difícil isso para mim. Mas acho que muito é pelo que a gente viveu, foram escolhas.
P/1 – Mas você tinha programa de turma? Passear pela cidade? O que vocês faziam?
R – A gente saía e se reunia muito na casa das pessoas. Então, uma, duas vezes por semana a gente fingia que ia fazer trabalho em grupo na casa de alguém, não saía trabalho nenhum, a gente ficava batendo papo o dia inteiro e jogando, isso é uma coisa que a gente fazia bastante, se reunia com a galera. Parque a gente não era uma galera muito de parque não, a gente era uma galera mais de vamos assistir um filme, vamos jogar um videogame, minha galera era mais dessa, não era muito do parque não.
P/1 – E você tinha alguma coisa assim, quero me formar em tal coisa, quero estudar, quero ser tal coisa. Você tinha isso?
R – Não tinha. Demorei muito para ter, na verdade, porque eu pesquisava muito, mas eu não me aprofundava em nada, entendeu? Até o momento que eu tive um pouco da pressão do meu pai, que é quando realmente precisou ele: “Não, você vai fazer,” e eu negociava um cursinho para ter mais um ano para escolher direito e ele: “Não, você vai escolher aí e vai fazer faculdade,” aí eu escolhi com 17 anos fazer Jornalismo, fiz três anos, aí eu parei o jornalismo.
P/1 – Onde você fez?
R – Eu fiz na Anhembi Morumbi. Parei porque eu não me via atuando na área, gostava de algumas coisas, mas não me via aprofundado nas profissões que Jornalismo poderia me dar, assessoria, jornalismo esportivo, nada disso me causava uma plenitude e eu acabei saindo. Acho que era uma cabeça muito confusa, para falar a verdade, eu vivi dos 17 aos 21, um problema muito sério de enxaqueca. Eu ia para aula, eu chegava na aula tinha meia hora de aula, às vezes eu tinha que voltar para casa, porque eu não aguentava. Eu tive muitas crises, três vezes ao dia, de apagar todas as luzes, de fechar tudo. Isso ajudou um pouco a piorar a questão de beber um pouco, às vezes era uma válvula de escape, por exemplo. Dos meus 17 aos 21 eu vivi muito conturbado essa coisa de profissão, não levei a sério do jeito que eu achei que precisava. O melhor momento realmente profissional para mim começa a partir dos 22, que é quando eu paro de tentar o Jornalismo e entro em Administração. A Administração mudou até a minha cabeça, de ver, pensar o que é uma empresa, o que é uma corporação, o que é você como indivíduo inserido nessa corporação, dali as coisas mudaram, eu peguei realmente o rumo. Me formei nisso, atuei em multinacional, muito por conta dos meus pais atuei no mercado farmacêutico. Minha esposa hoje também é do mercado farmacêutico. Atuei uns cinco anos nisso até que eu saí para ter meu próprio negócio, então, hoje eu tenho meu próprio negócio.
P/1 – Vamos voltar. E no colégio, o que você gostava? Quais eram as matérias que você gostava? Algum professor que tenha te marcado?
R – Alguns professores me marcaram, cada um pelo seu porém, mas eu gostava muito de Matemática, Matemática e História acho que eram minhas matérias favoritas. Eu lembro que teve um professor de Matemática que era demais, que é o Gerson, que o apelido dele era Xampola. Ele era, na verdade, o Forrest Gump do colégio, ele era o contador de histórias, e todo mundo adorava o cara. Então, imagina você estar aprendendo uma coisa super difícil de Matemática de repente o cara para começa a dar risada: “Sabe do que eu estou rindo? Porque eu lembrei de uma história, pode guardar o caderno, agora a gente vai falar de história.” Então o cara, ele fazia você querer aprender, porque a aula dele era muito mágica. E aí eu lembro das histórias dele, da história dele do porque ele era o Xampola. A gente descobriu que o apelido dele era Xampola “Por que Xampola?” E ele não contava “Eu vou contar o porque de Xampola”. Aí ele contou que naqueles colégios militares, então, ele era da classe pobre, tinha a classe rica que ia para casa no final de semana e deixava tudo trancado. E ele era mestre em abrir cadeado, ele abriu um cadeado, pegou um xampu e ficou usando o xampu a semana inteira, e ele percebeu que o pessoal estava se afastando dele. “Pô, o que tá acontecendo, está todo mundo indo para longe?” aí ele descobriu que era o xampu, que na verdade era um amaciante que chamava Ola, aí ficou o apelido dele, Xampola. (risos) Ele era demais, pelas histórias, me marcou muito pelas histórias. Mas Matemática, com certeza, acho que era o que eu mais gostava no colégio.
P/1 – E por que você resolveu trocar por Administração?
R – Muito porque eu não me via atuando em Jornalismo. Na verdade, eu entrei para fazer Administração, porque eu queria o curso de Comércio Exterior, só que para fazer Comércio Exterior eu tinha que fazer três anos básico de Administração. “Ah está bom, então vamos lá fazer esses três anos,” nesses três anos de Administração, na verdade, eu descobri que eu não queria fazer Comércio Exterior, eu queria fazer Marketing, aí eu me especializei em Marketing. Mas a Administração, na verdade, acho que me ajudou muito para me direcionar, pô legal, a Administração é simples, te dá uma abrangência legal, mas acho que ele me centrou, isso que foi muito legal. Pô realmente, nesse momento eu quero trabalhar com escritório, quero trabalhar com essas coisas, aí eu fui fechando as minhas opções. Acho que foi, na verdade, uma coisa que me ajudou muito a me direcionar mesmo.
P/1 – E qual foi o seu primeiro emprego? Ou estágio.
R – Meu primeiro emprego. A primeira coisa que eu lembro de trabalho, de troca mesmo, foi feira. Tinha um grande amigo meu de adolescência que o tio dele era feirante. E eu lembro que a gente queria, um desses momentos foi: “Putz, queremos muito ir no show do Charlie Brown Júnior,” que ia ter no final de semana, só que a gente não tinha dinheiro, aí o tio falou: “Ah, trabalha para mim dois dias que eu dou o dinheiro para vocês irem para o show, cada um compra sua entrada, ida e volta e para vocês tomarem alguma coisa,” nossa, super negócio, dois dias? Super negócio. Aí trabalhamos uma quinta inteira, uma sexta-feira inteira, rimos muito porque na época eu tinha 16 anos, então para mim não era um trabalho, era uma diversão, para falar a verdade.
Então esse foi o meu primeiro trabalho.
P/1 – O que vocês fizeram?
R – Feirante, trabalhar na feira de: “E aí, moça, o que você quer? Vai levar? Mulher bonita não paga, também não leva, mas leva eu,” feirante.
P/1 – Era barraca do quê?
R – Era de verduras, tinha verdura, legumes. O mais difícil, na verdade, era acordar quatro horas da manhã, também quatro horas da tarde a gente estava em casa já. Acordar às quatro horas da manhã era complicado, ainda bem que foram só dois dias. Essa foi minha primeira grande experiência profissional, porque até na verdade meus 18 anos meu pai não me deixou trabalhar, isso foi uma imposição dele. Algumas vezes que eu disse que queria, meu pai falava que era besteira, que era balela, que ele preferia me manter para ficar em casa. Eu fui trabalhar, quando na verdade eu saí de casa aos 18 anos, por conflito com meu pai, saí de casa, fui morar com a minha mãe. Menos de um ano depois a minha mãe me botou para fora, fui morar de favor na casa de um amigo.
P/1 – Por que ela te pôs para fora?
R – Por conta da influência com a outra pessoa, atrito.
P/1 – Da mulher dela.
R – Mulher dela. Na época estava minha mãe e ela, as três filhas dela, que o pai já tinha expulsado as três e foram morar com a mãe, e eu cheguei por último, então eram cinco mulheres e eu. Eu sempre era o elo fraco, só que eu era o cara que fazia tudo legal, entendeu? Mutirão da limpeza, vamos limpar tudo, vamos limpar tudo. Eu era a única pessoa que limpava banheiro, porque nenhuma delas limpava banheiro, então foi na verdade uma coisa meio injusta, entendeu? Nesse momento, eu descobri duas novas atividades na minha vida, 18 anos, uma delas foi trabalhar em bar, eu trabalhei como bartender durante cinco anos quase, dos meus 17 aos 23 eu fiquei fazendo isso.
P/1 – Como você começou a fazer isso?
R – Quando minha mãe me expulsou da casa eu fui morar de favor com um amigo. Eu, ele e a mãe dele, de infância, esse meu amigo que o tio era feirante, o mesmo amigo, Ramon, para ficar mais fácil. Eu fui morar com o Ramon, o Ramon ele já trabalhava como bartender, aí ele me chamou: “Ô, tem um bico aqui, quer fazer?” “Pô cara, estou precisando, vamos aí. O que tiver eu vou fazer.” Para 18 anos eu ganhei um dinheiro em um dia de trabalho que cresceu os olhos, para trabalhar à noite, conhecendo gente, conhecendo mulheres, 18 anos, pegando um monte de gatinha, nossa, estou dentro, ganhando para isso? Estou dentro, e aí eu fui trabalhar a noite. Então, na casa da minha mãe esse também era um problema, entendeu? Trabalhar à noite, porque eu chegava de madrugada, eu não tinha horário muito fixo, não jantava com todo mundo.
P/1 – Aí você continuou morando nesse amigo?
R – Eu continuei morando com ele por uns três meses, aí meu pai descobriu que eu estava morando lá, que eu não estava morando com a minha mãe, e fez uma oferta para eu voltar a morar em casa. Porque nesse momento que eu deixei de morar com meu pai, meu pai deixou o apartamento também para viver com a ex-mulher dele, entendeu? Ele falou: “O apartamento está lá, volta para lá.” Eu voltei para ficar morando sozinho no apartamento. Eu morei dois anos sozinho no apartamento, até que meu pai depois voltou para morar comigo no apartamento, porque ele terminou com a... Confuso, né?
P/1 – Não. (risos)
R – Complicado. Mas meu pai que causou grande parte dessa bagunça toda, vive com uma, vive com outra.
P/1 – Mas você falava com a sua mãe nesse período que você saiu de casa? Vocês se falavam?
R – Então, eu fiquei um mês sem falar com ela, isso com 18 anos, eu fiquei um mês sem falar com ela.
P/1 – E como é que você vivia? Do seu dinheiro já?
R – Então, quando eu deixei de morar com meu pai, que eu fui morar com a minha mãe, eu fiquei com ela nove meses, aí ela me botou para fora. Nesses nove meses tinha uma condição do meu pai também que falava: “Você quer sair, então não volte antes de um ano,” eu falei: “Beleza, eu não vou voltar,” orgulhoso, não vou voltar, fiquei com a minha mãe nove meses. Nesses nove meses eu já estava atrás de trabalho, porque eu estava dependendo cada vez menos do meu pai, entendeu? Eu era o playboyzinho que morava sozinho com mesada. Saí, perdi mesada, perdi lugar, a mamata que eu tinha eu perdi, então vamos correr. Com dois meses que eu estava fora do meu pai eu consegui um emprego no shopping também, então trabalhava no shopping e trabalhava na balada.
P/1 – Você não estava estudando esse ano?
R – Já estava concluído. A faculdade, para mim, eu estava levando daquele jeito já, e ainda fiz três anos.
P/1 – E ele que pagava a faculdade?
R – Ele pagava a faculdade. É uma coisa que ele manteve no momento que eu saí de casa foi a faculdade. Que era muito mais uma coisa para ele do que para mim naquele momento, porque ele insistiu: “Não, você vai escolher uma faculdade,” então eu escolhi muito mais assim: “Tá bom, você quer que eu faça? Ok, eu vou fazer.” Então, a faculdade para mim não era, de certa forma, uma prioridade, como a segunda faculdade que eu concluí foi, entendeu? Não, segunda era todo dia, vamos batalhar, vamos estudar, vamos fazer, porque para mim estava muito mais direcionado, entendeu?
P/1 – Namorada, você tinha? Qual foi sua primeira paixão? Quantos anos você tinha?
R – Nossa, eu tive muitas namoradas.
P/1 – Qual foi a primeira?
R – A primeira eu tinha 13 anos e perdi minha virgindade achando que eu ia casar com ela.
P/1 – Com 13 anos.
R – Deslumbrado.
P/1 – Como que era? Como você conheceu?
R – Colégio. Ela era uma garota do colégio, a bonitinha da sala, e eu era o cara que tinha o apelido, eu era o feinho, mas eu fui ficando bonitinho no colégio. Então foi uma garota do colégio, da minha sala, e aconteceu, é simples porque na verdade a gente era muito novo. Eu perdi a virgindade com 13, mas eu tinha aquela, eu fui criado naquela coisa evangélica, então você perde a virgindade quando você casa e tudo o mais. Então eu perdi a virgindade com 13 achando que eu ia casar com a mulher que eu fosse perder a virgindade, como é que eu fui puritano naquele momento. Mas dali para frente eu fui namorador, eu achei que eu fui bem namorador.
P/1 – Você teve formação religiosa?
R – Eu tive. Até os 12 anos eu segui uma boa educação religiosa, eu tive batismo e tudo o mais.
P/1 – Mas qual religião?
R – Evangélicos.
P/1 – Seu pai e sua mãe eram?
R – Meus pais são evangélicos. Minha família no Rio de Janeiro é basicamente toda evangélica. Tem igreja, tem uma parte que resolveu montar igreja, então tem um pessoal lá bem, bem evangélico. Mas eu acho que tudo começa a debandar, de certa forma, na separação dos meus pais, porque com a separação, os dois já cometendo adultério, já não iam mais para igreja naquele momento, e depois da separação eles deixaram de ir por um longo tempo. Eu fui resgatar essa coisa de igreja anos depois na minha família, minha mãe não ia mais, meu pai não ia mais, cada um estava entregue. A minha mãe quando meus pais se separaram começou a fumar, meu pai também, na sequência, começou a fumar, meu pai começou a beber muito. Minha avó por parte de pai é alcoólatra até hoje, então meu pai tinha uma tendência e por isso que eu também tinha uma tendência, minha mãe começou a fumar muito. E aí demorou anos para, de certa forma, ver minha família de novo na luz, parecia muito trevas, trevas, trevas, cada um fazendo uma besteira. Eu fazendo uma besteira, meu pai fazendo uma besteira, minha mãe fazendo besteira, hoje está todo mundo de volta. Acho que até a expressão deles, dos três, melhorou muito. Tanto que a minha relação com meu pai hoje é outra, de cinco anos para cá mudou muito, com minha mãe também, a gente se mantém, mas os semblantes estão muito melhores. A gente era muito fechado, na época a gente não sorria muito, tudo mal encarado, foi melhorando.
P/1 – E aí na faculdade de Administração você foi se encontrando...
R – Lá eu fui me encontrando. Muito também por conta da idade, foi uma coisa que eu me cobrava muito, ok, me diverti, fiz besteira, nãnãnã, mas vamos lá, vamos centrar de novo, isso foi uma coisa que eu sempre me cobrei muito, de voltar o foco. Então, quando eu voltei para fazer Administração ajudou muito a idade, que eu já estava mais velho, já estava com a cabeça muito mais centrada, já estava muito mais responsável. Ali eu comecei a ter meus primeiros bons empregos, porque até então era feirante, eu trabalhava na balada, que era muito divertido, mas trabalhava na balada, trabalhava à noite, não tinha contrato, não tinha nada, e tinha trabalhado em loja de shopping. Aí eu saí disso tudo para trabalhar nas primeiras grandes empresas, aí no primeiro ano de estágio eu consegui uma boa empresa, no segundo ano de estágio eu já estava numa multinacional da farmacêutica. Aí me formei, eu já estava bem também, fui seguindo nessas áreas depois da formação, até que eu resolvi dar uma guinada. Nessa guinada de carreira eu já estava com a Priscila, a gente já estava prestes a casar.
P/1 – Como é que você conheceu a Priscila? Sua esposa?
R – A Priscila, na verdade, a gente estudou no mesmo colégio, a gente jogava pebolim juntos, ela era boa de pebolim. A gente fazia muita dupla, ela é dois anos mais velha do que eu, a gente jogava muito pebolim, ela saiu do colégio e eu estudei com o irmão dela, meu cunhado hoje. Uns 12 anos depois que a gente já não se via mais, ela me adicionou no Facebook, eu não lembrava dela, (risos) e aí começamos a conversar. Ela começou a curtir umas fotos, eu curtia outras e comentários, a gente começou a se falar um pouco mais, aí veio o auge, que a gente não tinha se visto ainda. Aí teve um jogo do Corinthians contra o Tolima, que foi uma pré-Libertadores, o Corinthians foi jogar e eu falei: “Não, Corinthians vai ganhar, não tem como o Corinthians perder,” ela: “Não, o Corinthians vai perder,” e apostamos uma garrafa de vodca, e eu perdi a garrafa de vodca e tive que pagar. (risos) E fiquei dois meses enrolando ela para pagar essa garrafa de vodca, aí, resolvemos que: “Vamos pagar, você está me enrolando” “Tá bom, vamos então. O que você quer fazer? Quer sair para me encontrar?” Acho que vai ficar muito na cara, né? E a gente marcou um churrasco.
P/1 – Você já estava a fim dela?
R – Não. Na verdade ela diz que já estava a fim de mim, mas assim, ela me cobrava, então: “Meu, o que você quer fazer? Você quer almoçar comigo? Você quer jantar comigo? Você quer combinar com amigos? O que você quer fazer? Arranja alguma coisa que eu te pago a vodca, mas para de me cobrar,” mais ou menos assim, ela: “Então vamos fazer um churrasco” “Tá bom, topo, vamos fazer um churrasco” “Ó, vai ter Corinthians e São Paulo tal dia” “Perfeito,” aí combinamos o churrasco.
P/1 – Onde vocês fizeram o churrasco?
R – A gente fez o churrasco num lugar que a gente chama de Sede, que é perto da casa dos pais dela. Organizamos o churrasco, chamamos um monte de corintiano, chamamos um monte de são-paulino e teve o jogo do Corinthians e São Paulo nesse dia. Bom, Corinthians perdeu, mas eu saí vencedor, porque foi nesse dia que a gente acabou ficando, a gente deu o nosso primeiro beijo, dia 27 de março de 2011. O Corinthians tinha quatro anos que não perdia do São Paulo e perdeu, o Rogério Ceni fez o seu centésimo gol, tudo nesse dia, e desse dia em diante a gente nunca mais se desgrudou. Acho que de lá para cá, se a gente ficou 15 dias sem se ver foi muito, a gente se via direto, direto. E eu era namorador, eu estava até numa fase que eu não estava nem querendo ligar no dia seguinte: “Ah, beijei você? Problema, não vou ligar,” e eu liguei. (risos) E acho que foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida, se tem alguns divisores de água na minha vida, a Priscila é outro. Então, dali para frente a gente não se largou mais, aí a gente percebeu que futebol era uma coisa que fazia parte muito da vida dos dois, porque os dois gostavam muito, e gostava de ir para estádio, e gostava de ver jogo. E hoje um homem que tem uma mulher que gosta de fazer tudo isso também, junto com ele, mesmo sendo time oposto, dá a mão e casa, porque você não vai se arrepender. Não tem briga pelo controle remoto: “Mor, vou jogar vídeo game” “Pode jogar,” entendeu? Têm lá suas vantagens, a parte ruim é: “Quero ir para o estádio,” e você tem que acompanhar ela no jogo que não é do seu time, mas tudo bem acho que pelo futebol, o futebol, na verdade, foi o que nos uniu, a gente mal se conhecia antes do futebol. Então graças a uma aposta, uma coisa tão simples de futebol, que hoje um monte de gente deve fazer em um monte de jogo, surgiu uma história de amor, por curiosidade, uma são-paulina e um corintiano. Mas nem essas diferenças foram suficientes para afastar, por exemplo, pelo contrário aproximou cada vez mais. Dali depois foi fazer passeio no Museu do Futebol, conhecer um estádio, conhecer outro estádio, aí a história foi aumentando. E como o Museu do Futebol foi o primeiro lugar que a gente saiu junto, entramos em contato com eles para ver se a gente conseguia casar lá, por quê? “Vamos casar?” “Vamos casar,” a gente não se decidia: “Vamos fazer de igreja? Vamos fazer num buffet? O que a gente vai fazer?” Então a melhor representatividade para gente de igreja foi no estádio. E aí, dali uma coisa que era muito sonho virou realidade, que a gente conseguiu fazer o primeiro casamento nos arcos do Pacaembu, com o apoio do Museu do Futebol. E isso está na nossa história, está na história do Museu, está na história do Pacaembu, toda vez que aparece alguém lá fazendo uma matéria a gente brinca: “Casamos lá.” Então, marcou muito, foi uma coisa muito feliz, que particularmente a gente achou que não fosse possível. A gente achou que era possível para filho de cartola, filho de dirigente, nós somos dois torcedores comuns, que vai para o estádio torcer pelo seu time, que paga lá boleto de fiel torcedor, mas a gente não é ninguém no futebol, ninguém conhece a gente, a gente é mais um espectador.
P/1 – Como é que foi o casamento?
R – O casamento foi incrível. Eu estava muito nervoso, não achei que fosse ficar tão nervoso. Foi engraçado que tinha um pessoal filmando com a gente no dia e eu estava muito nervoso, muito mesmo, de tremer. E eu cheguei lá, tive que dar reportagem também, que tinha gente de outra emissora querendo falar comigo e eu tremendo, super nervoso. Mas quando eu cheguei lá, que eu vi a preparação que eles tinham feito, eu fiquei até um pouco mais calmo, porque a minha preocupação era essa, como ia estar tudo organizado no Pacaembu para um casamento? E eu cheguei, vi que estava tudo bem organizado, tudo como a gente previu, na verdade, a gente não queria nenhum luxo, porque o maior luxo que a gente poderia ter no nosso casamento era o local, né? Não ia ter uma coisa mais grandiosa do que o Pacaembu naquela festa, não tinha como, não era possível, você podia chamar dez ex-jogadores, não ia ser maior do que o Pacaembu. Ele já tem história, ele já é grandioso, então foi tudo muito simples em vista do local, mas foi tudo do jeito que a gente queria, foi perfeito, foi lindo, ter as fotos que a gente tem, as recordações que a gente tem, a repercussão que a gente teve, foi tudo demais. Eu aprendi que você não é ninguém se você não tem uma história para contar e, graças a Deus, a gente tem esse pedaço de história juntos, não sou só eu, não é só ela, juntos. Uma história curta, nossa, ainda, mas com grandes episódios, eu acho que é muito marcante, é muito glorificante.
P/1 – Fora esse jogo que você lembra que o Corinthians perdeu, qual outro momento marcante para você?
R – Do Corinthians? Tá. Foi março também, o ano agora, acho que eu vou ficar devendo, se eu não estiver enganado foi em 2003, foi um Corinthians e Santos, semifinal do Campeonato Paulista e eu estava no Morumbi com um amigo, por que é que foi marcante? Eram dois jogos, o Corinthians estava jogando para tentar chegar na final do campeonato, o primeiro jogo, o Corinthians acho que tinha perdido ou tinha empatado, o Corinthians precisava vencer o segundo jogo, isso era importantíssimo. Eu cheguei lá duas horas antes do jogo, então, eu estava lá em cima, na arquibancada do Morumbi, só que eu estava na frente ali, porque eu cheguei muito antes, eu e um amigo. Ok, jogo começa, aquele jogão, Santos e Corinthians eram os dois melhores times na época, o Santos faz 1 a 0, aí todo mundo tenta ficar quieto, a torcida do Corinthians ninguém fica quieto, a galera começou a gritar. No primeiro tempo ainda o Marcelinho Carioca, tinha que ser ele, ele chuta uma bola, a bola bate na trave, risca ela inteira, bate na outra trave e entra, gol, né? Isso no primeiro tempo. E segundo tempo todo mundo gritando, gritando, Corinthians indo para cima, para cima, só que o Corinthians não conseguia fazer o gol, aí a torcida do Santos começou até a cantar: “E-li-mi-nado! E-li-mi-nado!” E eu e meu amigo ali transtornados, os dois esperando, marcou muito esse momentinho final que eu perguntei: “Quanto que tá?” Ele: “Chegamos nos 45, cara, agora é acréscimo e vamos que vamos,” na hora ele pegou a carteira dele assim, tirou um santinho e começou a rezar de olhos fechados, ele abria um pouquinho e fechava, abria um pouquinho e fechava, rezando, e eu olhei: “Você acredita nesse santo?”, ele: “Acredito,” eu: “Cara, eu não acredito porque a minha religião não acredita, mas se você acredita, acredita por mim também,” e ele ficou lá rezando. Eu olhei para frente de novo, no que eu olhei para frente, tem uma jogada na linha de fundo, o cara cruzou para trás, o Marcelinho abriu a perna, o Ricardinho chutou de esquerda, aquela bola que foi lá no cantinho, aos 47 e meio do segundo tempo, quando os caras já gritavam eliminado, aí o Corinthians fez o gol. Eu comecei a comemorar no estádio que o meu amigo sumiu, eu comemorava com um monte de gente que eu nunca tinha visto na minha vida. E aquilo ali, assim, você sentia todo o seu corpo, seus poros todos, porque parecia que seu coração estava batendo na ponta do seu dedo, sabe? Pela emoção. Aquilo ali, em estádio, com certeza foi o momento mais emocionante que eu passei, que foi a classificação para final do Campeonato Paulista daquele ano, quando a gente já estava praticamente perdido. E ali foi legal porque eu realmente aprendi, na pele, o que corintiano fala de não desistir até o apito final, enquanto tiver rolando jogo, cara, grita, acredita, porque a gente vai ganhar, apitou, ok, aí eu me conformo, mas enquanto não apitou acredita, é possível a virada, é possível fazer gol, é possível tudo. Me marcou muito positivamente.
P/1 – E torcer para Seleção?
R – A Seleção. Eu gosto muito de torcer para Seleção. Tenho ótimas recordações de Copa.
P/1 – Quais que você tem?
R – A primeira Copa que eu lembro, na verdade, é de 94, que eu tinha oito para nove anos e estava no Rio de Janeiro de férias. Eu lembro da disputa de pênalti na sala com outras 15 pessoas da família e todo mundo vibrando aquele título, foi muito marcante, pô, gritar campeão com oito anos é nem saber o que era ser campeão. E hoje o pessoal até fala, entre algumas propagandas de hoje fala: “Seleção, joga por mim” para as crianças, porque criança de oito anos hoje não viu o Brasil ser campeão, a última vez que o Brasil foi campeão foi em 2002, nós estamos em 2014, então uma criança de 12 anos não viu o Brasil ser campeão mundial. Foi uma oportunidade com oito anos e que vai ficar super marcado. Eu lembro do Romário que foi o grande jogador daquela Copa, um cara de um metro e 60 fazendo gol de cabeça, de tudo quanto era jeito, ele jogava demais. Aí veio a decepção de 98, né? Veio a alegria de 2002 e aí depois... A decepção de 98 porque nós perdemos na final para França e eu já sabia mais o que era o futebol, então eu chorei, aquilo dali para mim foi difícil aceitar aquela derrota, parecia uma derrota do seu time, né? Porque na verdade essa é a Seleção, então cresci muito gostando de torcer para Seleção. Em 2002 foi aquela copa boa e chata porque foi em Tóquio, então os jogos aqui eram todos de madrugada, nem sempre você acompanhava o jogo, porque ele era de madrugada. Não foi uma copa do brasileiro realmente acompanhar e tudo o mais, mas foi uma copa muito legal, 2006 nós não tivemos sorte. Em 2010 nós também não tivemos sorte, mas eu sou daquele assim, jogo da Seleção, se possível eu não trabalharia, pinto a cara, festa em casa, vamos fazer almoço, vamos reunir gente, porque a Copa do Mundo ela traz pessoas para torcer e ficar na frente de uma televisão, que normalmente elas não ficam, de domingo a mulher não vai ficar sentada no sofá assistindo o jogo se ela não gosta, agora, se for da Seleção, a chance dela assistir a esse jogo é muito maior. Então a chance de você reunir realmente a família para assistir um jogo é muito mais legal, as pessoas se comovem, não, é a Seleção, vamos parar para ver a Seleção. E eu acho que tem que parar mesmo, sabe? Tem que ter patriotismo, somos o país do futebol, como nos conhecem, então, sabe, a gente tem que ter esse amor mesmo por esse esporte. Eu creio que foi o futebol que deu uma das maiores visibilidades do Brasil no mundo foi o futebol, o Pelé, teve o Maracanaço de 50 que ajudou, mas se a gente, na minha opinião, se tornou o país do futebol depois de 58 e 62, que foi o bicampeonato que o Pelé basicamente ganhou à primeira, Garrincha ganhou à segunda, e aí se falava muito no mundo Pelé, Garrincha, daí surgiu Brasil no mundo no futebol, eu acho que não tinha muito antes. Eu estou muito esperançoso para 2014, para falar a verdade.
P/1 – Que jogo da Copa fora esse de quando você tinha oito anos, um jogo que tenha te marcado?
R – Um jogo? Um que me marcou muito foi a final contra a Alemanha em 2002, porque eu sempre torci muito para o Ronaldo Fenômeno e ele era a nossa grande esperança em 2002, como foi também em 98. Minha mãe era fanática por ele, minha mãe tinha recortes de jornal dele, tudo, um monte de coisa, e ainda falava que eu era parecido com ele, queria que eu raspasse a cabeça para ficar parecido com ele, minha mãe era muito engraçada. Mas eu acho que teve a primeira derrota contra a França em 98, na final, foi muito difícil, mas a gente passou muito sofrido também pela Holanda, então foram dois jogos que me marcaram muito, tanto passar pela Holanda, quanto perder para França em 98, e assim como acho que a final da Copa de 2002 me marcou muito também que o Ronaldo era nossa grande esperança, fez dois gols na final e acabou com o jogo, fez dois gols no melhor goleiro da competição. Eu acho que aquele Brasil ali jogava muita bola, de 2002. Uma seleção que marcou porque, na verdade, foi o último título mundial. Já vi o Brasil jogando bem outras vezes, o Brasil jogando na Copa das Confederações de 2013, nossa, que time ótimo, formidável, entrosamento, time agressivo, ia para cima, marca também. Mas eu acho que um campeão mundial te marca muito mais, né? Mas melhor marcar positivamente do que com uma derrota, então prefiro ainda ficar com as lembranças boas. (risos)
P/1 – E você tem objetos de time ou da Copa que você gosta? Que você guarda? Que você cultua?
R – Bom, a gente tem alguns objetos em casa. Minha casa hoje é meio dividida, São Paulo, Corinthians, onde tem um símbolo do Corinthians do lado tem um do São Paulo e vice-versa. A gente tem algumas coisas, principalmente, camisas, camisas de time a gente gosta muito. Eu já tinha algumas de outros times, a Priscila tinha também algumas camisas de outros times, então, hoje a gente tem uma coleção considerável até de camisas, porque a gente gosta muito de futebol, a gente gosta muito dos times em si, não é só torcedor ferrenho do meu time, não, eu continuo tendo um carinho enorme pelo Flamengo que era meu time de criança, e não vou deixar de ter, porque eu sou do Rio de Janeiro, foi meu primeiro time e vou continuar levando com o maior carinho. Assim como tem outros times no mundo que a gente também tem carinho, a gente gosta do futebol. A gente tem muita camiseta, caneca, vela de aniversário, a gente tem lata, lá não é pote de arroz, é um pote do Corinthians que a gente põe arroz, então, tem vários detalhes em casa, de bandeira, toalha, um monte de coisa em casa, boné, acho que todos esses pequenos acessórios de cachecol, a gente tem miniestádio, uniforme completo eu tenho, ela também tem, um pouquinho de cada coisa do time, acho que a gente tem.
P/1 – E você falou que saiu de trabalhar em empresa e foi montar seu próprio negócio. O que você faz? Qual que é o seu negócio?
R – Hoje eu trabalho com adestramento de animais. Eu levo uma marca de uma empresa, sou franqueado, eles me prepararam para que hoje eu fosse adestrador de animais. Então, há um ano e meio, aproximadamente, essa é a minha profissão. Eu sou autônomo, trabalho por conta própria, eu tenho meu negócio, tenho autoridade para tudo no meu negócio e trabalho hoje com adestramento de animais. Tenho outros projetos, esse era um Projeto B que acabou virando A muito antes, porque é um mercado muito promissor, agora eu tenho um Plano C, para daqui a dez anos, que a gente já começa a conversar, porque a gente acredita muito ainda no futebol, mas a gente acha que o futebol está muito amador, então a gente pretende fazer alguma coisa ligada ao futebol, mas para levar com mais profissionalismo, não é: “Vamos montar uma escolinha de futebol, vai ter um monte de criança aqui, legal,” não, é para fazer uma coisa séria. Então a gente tem um Plano C de lá na frente ter uma escola, um complexo de futebol, mas deixa lá na frente, porque a gente ainda tem tanta coisa para fazer até chegar lá, mas hoje seria um Plano C, está lá.
P/1 – Olhando para sua vida, teria alguma coisa que você faria diferente do que você fez?
R – Bom, eu acho que a gente faria se a gente tivesse oportunidade, mas a gente não tem. Eu também não vou me arrepender por aquilo que eu fiz, tive atrasos, mas eu tive também como correr atrás do tempo perdido. Não, não mudaria, acho que seria injusto comigo mudar, se eu talvez mudasse alguma coisa eu não seria a pessoa que está hoje falando aqui com você, entendeu? E eu gosto dessa pessoa, eu gosto da história que essa pessoa passou, das superações, das dificuldades, das cabeçadas. E eu acho que toda essa experiência é válida para você formar o ser, então, se eu tivesse mudado algumas coisas, talvez eu não seria essa mesma pessoa, então não, particularmente, eu não mudaria.
P/1 – Bom, deve ter várias coisas que a gente não falou aqui, porque a gente só consegue pegar fragmentos da história de vida. Tem alguma coisa que você acha importante deixar registrado, algum fato que você não tenha falado ou que eu não tenha perguntado?
R – Tem. Vou tentar resumir um pouco mais dessa minha história com ela, para chegar até um ponto que eu gostaria. A gente se reencontrou por causa de futebol, eu e a Priscila, e desde então a gente está junto, desde a primeira vez que a gente se reencontrou no churrasco, paguei a aposta e a gente ficou junto, de lá para cá algumas coisas foram demais. A gente não está junto há muito tempo, a gente está junto há pouco mais de três anos e a gente foi meio que programado, então, com um ano a gente já estava noivando, com um ano e meio a gente tinha apartamento, com dois anos a gente estava casando, há poucos dias a gente completou o primeiro ano de casado, com seis meses de casado ela engravidou e, não é coincidência para um casal que se reencontrou por causa do futebol, que casou num estádio de futebol, ter o seu primeiro filho durante a Copa. A gente já está esperando, ela não sabe o que é, eu sei, e estou numa expectativa muito grande, então, a gente simplesmente pode dizer que nada é por acaso na nossa vida, a gente quis as coisas e elas foram acontecendo quando elas tinham que acontecer. E eu vou te dizer que a gente está muito satisfeito de ter o nosso primeiro filho na Copa, não foi programado para isso, mas tudo tem que acontecer, porque tem que acontecer, porque Deus quer desse jeito e ele vai conduzindo para que as coisas aconteçam. E a gente vai parar na Copa para chegada desse baby, a gente está super torcendo, vai ser demais.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Hoje os meus sonhos são muito simples. Se eu realmente tiver que falar o que eu mais quero é uma casinha no interior com ela, com meus filhos e viver tranquilamente, não quero muito mais da vida, acho que a gente tem que ser simples, quando a gente tenta ser mais do que a gente é, inclusive, acho que a gente tem decepções. Eu não quero decepcionar, eu já tenho a mulher da minha vida, eu já tenho a vida que eu pedi a Deus, eu tenho um emprego que me satisfaz. Eu acho que a gente sempre quer mais profissionalmente, mas hoje eu tenho tudo, tudo, muito bem encaixadinho do jeito que eu gostaria, eu não quero muito mais do que isso, eu só quero manter isso que eu já tenho. Eu aprendi que felicidade não é só você ter aquilo que você sempre quis, mas sim você manter aquilo que você sempre quis, esse é o mais difícil. Então, hoje o meu maior sonho é conseguir manter a minha família, ampliar a minha família, ter mais momentos felizes como eu tenho, fazer minha esposa feliz, fazer ela feliz eu estou feliz, esses são os meus sonhos, simples. Brasil campeão em 2014, (risos) Corinthians campeão mundial de novo, são essas felicidades, essas coisas simples da vida, acho que é isso que faz a gente ser feliz.
P/1 – O que você achou da experiência de contar a sua história de vida aqui no Museu da Pessoa?
R – Eu gostei. É um pouco difícil, às vezes, da gente falar da gente, mas uma das coisas que eu mais gostei foi realmente poder falar toda uma verdade, às vezes, a gente fica muito recalcado para falar da nossa história e eu nunca tive vergonha de falar a minha história. Eu gostei de voltar a alguns pontos que estavam bem lá atrás, que eu não falo muito, mas que foram importantes, para saber da minha história, acho que precisa passar por tudo isso. Então gostei, gostei de reviver, mesmo que rapidamente na minha memória, tudo isso que eu vivi na minha vida, foi muito legal.
P/1 – Obrigada, queria agradecer.
R – Obrigado, foi muito legal.
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