Museu da Pessoa

O radialista

autoria: Museu da Pessoa personagem: Eduardo Weber

Projeto Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Eduardo Weber
Entrevistada por Isla Nakano
São Paulo, 14/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_15_Eduardo Weber
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições


R – Weber, primeiro eu queria agradecer por você ter tirado um pouquinho do seu tempo e vir aqui dar o seu depoimento, contar a sua história para a gente, para o projeto. Para começar, eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e data de nascimento.

R – Meu nome é Eduardo Weber, eu nasci em São Paulo, na capital, em 8 de março de 1957.

P/1 – E qual é o nome dos seus pais?

R – Meu pai é Emílio Weber e minha mãe é Isaura Vieira Weber.

P/1 – O dos seus avós?

R – Meus avós: Otto Weber e Leonor Campanha são os avós paternos. E dos avós maternos é Manuel Vieira e Antônia Campanha. Minha famosa e querida vó Tonica.

P/1 – E qual é a origem, qual é a história da sua família?

R – Bom, eu tenho dois ramos: o ramo da minha mãe é o ramo do interior. Meu avô materno tem origem portuguesa, mas ele não se dizia português. Eu tive muito pouco contato com meu avô. Muito pouco. Eu tive contato com ele quando eu já tinha quase 25 anos, quer dizer, não teve uma proximidade. A minha avó Tonica, também de origem portuguesa, era uma pessoa muito simples, cabocla, aprendeu a escrever, mas depois não sabia mais nada, quer dizer, uma pessoa de roça mesmo, muito simples. Eu tive mais contato a partir de 67, 69, quando eles vieram pra São Paulo. Minha avó Tonica teve dez filhos. Inclusive tem uma história engraçada, existem algumas lendas da cultura popular que dizem o seguinte: “Se você tem seis filhas seguidas e o sétimo e nasce menino, ele vira lobisomem. Se você tem seis filhos seguidos e o sétimo filho nasce mulher, ela vira mula sem cabeça”. Na casa da minha avó aconteceu isso, ela teve seis filhas e o sétimo, que é meu tio Ismar, homem. Então ele ia virar o quê? Um lobisomem. Para quebrar o encanto a filha mais velha teve que batizá-lo. Então minha tia Conceição batizou meu tio Ismar para ele não virar lobisomem. Essa história, por exemplo, que está no folclore brasileiro, aconteceu com a minha família, da minha avó. E no caso dos meus avôs paternos, eles são estrangeiros. A minha avó Leonor veio para o Brasil fugindo da gripe espanhola, isso nos anos dez [1910], antes da Primeira Guerra Mundial, ou depois, não lembro bem. E o meu avô Otto veio da Suíça depois da Primeira Guerra Mundial pra caçar. Ele não sabia nada de português. Veio ele e um amigo, dois amigos, o máximo que eles sabiam era italiano, fizeram uma viagem do Mato Grosso a São Paulo durante seis meses a pé sem dar um tiro. Então essa é mais ou menos um pouquinho da origem. É uma origem de um lado rural, campestre, simples, e do outro lado de imigrantes que por motivos outros vieram para o Brasil.

P/1 – E você sabe como seus pais se conheceram?

R – Olha, eles se conheceram em casas de baile. Minha mãe gostava de dançar, era jovem. E acho que foi por aí, foi em um salão de baile nos anos 50.

P/1 – E fala um pouquinho dos seus pais.

R – Minha mãe não trabalhou, quer dizer, ela colheu mamona, colheu algodão, essas coisas, veio pra São Paulo, trabalhou em fábrica de guarda-chuva, depois ela foi ser babá e cozinheira em casa de família, de uns italianos. E é por isso que os nomes... O meu nome original, era para eu me chamar Renato, porque ela cuidou de uma criança que ela gostava muito e chamava Renato. Só que meu pai, na hora que soube fá foi registrar de Eduardo. Ela ficou p da vida e falou: “O próximo filho vai se chamar Renato”. Só que veio uma menina, então chamou Renata. Depois eles se casaram e ela parou de trabalhar. E meu pai sempre viveu na atividade de comércio, mas ele trabalhava em lojas de material elétrico, trabalhava na parte de compras. Ele conhecia muito material elétrico, mas no ramo de varejo, como empregado sempre. Então é isso, meu pai trabalhando no comércio, e minha mãe como prendas domésticas, digamos.

P/1 – E, Weber, você contou a história da mula sem cabeça, do lobisomem, eu queria te perguntar, você gostava de ouvir história? Quem te contava histórias na tua família?

R – Olha, meu pai sempre. Quando eu era criança, quatro, cinco anos, domingo ficava na cama lá com eles, inventava a história de uma formiga que andou, andou, andou, andou, trabalhou, trabalhou, trabalhou, depois dormiu. Ele ficava nesse caminho da formiga, não levava a nada. O meu avô Otto contava algumas histórias do tempo que ele veio para o Brasil, mas muito pouco, falava mais da época que ele tava na Suíça. Lembro-me de uma história que ele pegou o soldo dele, apesar da Suíça não entrar na primeira guerra, ele era soldado, ele pegou o soldo e o burro

e fugiu com o soldo. Ele tinha um burro lá. Perdeu todo o dinheiro. E algumas histórias dos meus tios do interior. Mas o que eu mais gostava na infância eram charadas. O que é? O que é? Dessas coisas eu gostava muito. Histórias mesmo não foram muitas que eu me lembre de terem sido narradas. Uma ou outra. Quem conta muita história é meu sogro. Meu sogro é português, ele viveu na África, ele sempre conta as mesmas histórias. Faz 30 anos que eu o conheço, tem a história do leão. É engraçadíssima, porque tem um refrão que é meio de baixo calão, mas eu vou falar aqui. Ele tava um dia na África, ele era motorista lá, estava lá na África, à noite, com um carro de sete pessoas, ele abriu a porta e todo mundo saiu para fazer xixi de um lado lá, e quase no meio da selva. De repente, de repente, eles ouvem um rugido de um leão. Ele falou que o rugido foi tão forte, mas tão forte, que até os pelos do cu bateram palmas (risos). É com essa expressão que ele finaliza a história. E aí foi uma choradeira, todo mundo entrou no carro correndo, bateram as portas e foram embora. Então é a história do leão e outras que ele conta de Salazar. E sempre assim, é muito metódico, ele sempre para no mesmo ponto, você tenta mudar de assunto, ele continua. Seu João Pereira Alves que conta bastante histórias ligadas ao passado. Meu avô contava uma ou outra, mas eu não lembro muito bem.

P/1 – E, Weber, agora eu queria te perguntar um pouquinho da sua infância. Em que bairro que você cresceu? Como era a região?

R – O que acontece? Na verdade na infância eu vivi duas situações: uma de segunda geração e outra de terceira geração. Qual era a terceira geração? Meu pai sempre morou no Alto da Mooca, na verdade a primeira geração deles é de imigrantes. Então meu avô é Suíço, tinha muito espanhol, muito italiano, a maioria, mas na região se falava turco, mais sírio-libanês. Meus avós tiveram filhos, a segunda geração, e eu, como neto, a terceira geração. Era um bairro de imigrantes europeus e do Oriente Médio, com toda uma cultura. E a Mooca era uma cultura industrial, tinha muita fábrica de sapatos na época, já era um bairro formado, eu lembro já de ter asfalto, depois ter iluminação, ter esgoto, água encanada, quer dizer, essa é uma realidade que eu conheci bem. Apesar de a gente morar depois em outro bairro, eu sempre tinha amigos lá. Ia passar férias na casa do meu avô, da minha tia, eu ficava, por exemplo, julho e janeiro lá com eles e com a molecada da Mooca. E a outra realidade, que é da segunda geração, era de quem fazia o bairro. Eram imigrantes também, mas só que não eram mais imigrantes europeus ou do oriente, eram imigrantes do Brasil. Na minha rua tinha mineiro, tinha baiano, tinha sergipano, tinha minha mãe que era do interior, de Pardinho, perto de Bauru. Tinha um pessoal de Araras.

A dona Dirce era de Araras. Era a segunda geração. Eram imigrantes também, mas com uma cultura brasileira, diferentemente da cultura na Mooca. Por exemplo, as pessoas ali na Cruz das Almas, onde eu fui criado a partir dos três anos, eram muito mais de ajudar, então um levava: “Ah, eu preciso de uma salsinha”. Ia lá na horta e pegava a salsinha. “Ah, me arruma dois limões?” Você arrumava. Tinha festa? Você fazia um bolo, dava um pratinho de bolo e depois você recebia um negócio em troca. Tinha toda essa comunidade aí. E era assim, um bairro de formação. Como a Mooca foi com o meu avô. Eu transitava entre dois mundos completamente diferentes: a Mooca mais branca; e a Cruz das Almas, um subdistrito da Freguesia do Ó, um pouco mais mestiço, com negros, tal. Eu peguei essas duas coisas em termos culturais. Quer dizer, quando criança, eu levava algumas coisas de um lugar para o outro. Vou citar um exemplo, mais ou menos em 69 eu passava as férias lá na Mooca, lá existia uma coisa chamada vareta japonesa para fazer pipa, era tudo bem feitinho, você comprava na papelaria, tal. Aí voltando pra Cruz das Almas, levei no ônibus a vareta japonesa, fui comprar papel de seda ali no Bar Zezinho e ele falou: “O que é isso aqui?” – o cara me perguntou. “Isso aqui é vareta japonesa”, “Mas pra que serve?”, “Serve pra fazer pipa”. Porque na Cruz da Almas a gente fazia tudo com bambu. A gente pegava bambu e com faca acertava pra poder fazer a vareta das pipas dos colegas. Então tem essas coisas. Por exemplo, na Freguesia, bolinha de gude a gente jogava com box, a gente fazia box na terra, porque era tudo rua de terra, todo mundo tinha muito quintal. Na Mooca eu não podia, que já era tudo asfaltado, tudo calçada cimentada. Por exemplo, na Mooca jogava bola na calçada, ou então na rua. Parava carro e tinha todo um esquema, me esfolava inteiro porque jogava no asfalto, tinha que jogar com tênis. Lá na Cruz das Almas não, a gente ia na terra mesmo, no meio da lama. Têm esses nuances que acho que é interessante. Na verdade, eu peguei um bairro já construído e vi um bairro que não tinha nada, eu olhava e minha casa tinha um vale, ao fundo via a serra, a Serra do Pico do Jaraguá, de vez em quando uma lâmpada. Uma lampadinha acesa ali. E eu vi aquilo lá crescendo, se transformando em bairro, dá até uma dó no meu coração, porque hoje, do meu prédio aqui na Rua Aurélia, onde antigamente era só mato, era só chácara, hoje é uma vastidão de casinhas, quer dizer, foi assim, sem nenhuma ordem foi sendo construído, como o resto de São Paulo. São Paulo quase não tem bairro organizado. Os bairros organizados são os bairros que foram feitos pelos imigrantes da primeira geração no início do século. Depois, hoje, você anda na periferia, Vila Penteado, Pedra Branca, você vai pra zona sul, você vê que não existe um projeto de urbanização. E de repente eu fiz parte desse tipo de invasão. Se a Mooca os quarteirões são todos mais ou menos certos, na Freguesia é um diabo, uma rua é de um tamanho, a outra rua de outro tamanho, a calçada era estreitinha. Quer dizer, são realidades diferentes.

P/1 – E, Weber, você falou de jogar bola, bolinha de gude, qual era tua brincadeira preferida?

R – Era temporada, porque criança tinha temporada. Eu sempre gostei de jogar bola. Sempre fui um perna de pau, mas com umas características, por exemplo, eu tinha uma casa grande, meu pai tinha uma garagem grande então as traves do campo de futebol ficavam na minha casa. Era cano de ferro que a gente comprou. A molecada juntou uma grana e comprou de meia polegada, a gente arrumava e fazia. Mas tinha peão, que se jogava com cela, bater figurinha teve época, bola de gude era outra, jogar amarelinha era outra, taco, que acho que eu era o melhor, de todas atividades, era no taco. Taco é um jogo que você faz a casinha, você joga bola com regras complicadíssimas e que a molecada sempre guardou, e passava pelos lugares, era a mesma regra, impressionante isso. Como era um bairro mais pobre, quando você não tinha bola pra jogar o taco, a gente jogava com..., chamava periquito. Era um perigo na verdade, porque era um toco de madeira, você jogava para o cara, o cara dava uma tacada, se aquilo lá pegasse na cabeça de alguém podia matar. Mas moleque não tinha essa, fazia isso.

P/1 – E como era a questão de festa de família na tua casa?

R – Sempre tinha um bolo, sempre tinha isso. Era muito comum assim, todo aniversário, pelo menos um bolinho tinha. E na Freguesia tinha uma coisa interessante, estamos agora no mês de junho, então vale a pena falar, é o seguinte: como as ruas eram todas de terra, mês de junho é mês de fogueira, o mês inteiro. Na minha casa dia 12 a gente fazia uma fogueira na porta de casa, na rua, aí fazia um quentão, um pinhão, tinha batata doce para o pessoal assar. Não era festa junina, festa junina tinha duas ou três na rua. Mas se brincasse, olha dos 30 dias de junho, se você quisesse, 15 você tinha uma coisa pra fazer à noite, principalmente a fogueira. Por isso que eu falo no lance de comunidade, que era grande, coisa que não tinha na Mooca. Por quê? Tudo asfaltado, não tinha mais onde fazer fogueira. A última fogueira que eu fiz foi uns 15 anos atrás. Na casa do meu sogro tinha um terreno, a gente juntou lá e fez uma fogueira mesmo, uma festa junina. E as festas não eram assim, muito produzidas, eram festas tranquilas, não eram festas com música, nem nada. Era um encontro de familiares, tinha um bolo, você tinha um almoço antes, um ou outro docinho e pronto.

P/1 – E agora que eu queria te perguntar um pouquinho da sua educação, as suas primeiras lembranças escolares.

R – Na verdade eu comecei a me formar em casa. Eu ficava na casa dos meus avós um período, aprendi a escrever em casa, muito a contragosto. Com cinco anos de idade, a minha prima pra calar minha boca: “Ah, escreve o nome aqui e tal, tal”. Na minha primeira aula do primário foi muito frustrante, porque a professora: “Ah, pra você escrever o A, você sobe o morro, aí desce o morro, faz a curva”. Imagina. Eu já escrevia isso. Eu lembro assim: “Por que o M é na frente do B? Por que o M é na frente do P? A mamãe cuida do bebê, a mamãe cuida do papai”. Nunca esqueci esse negócio. Mas então foi isso, em 64. Eu lembro que um dia, 31 de março, eu estava na escola, entrou o diretor e falou: “Vão todos pra casa, porque está tendo uma revolução”. Isso eu lembro até hoje. Todo mundo foi assustado. “E fechem as portas.” Você imagina falar isso para uma criança que tem sete anos de idade, às duas da tarde e sem os pais. Porque hoje em dia é comum o pai levar a criança na escola. Naquela época você ia no primeiro ano, no segundo ano não queria mais saber de acompanhar, a criança ia sozinha pra escola. Essa foi a primeira lembrança. Depois eu fiz o ginásio tranquilo, o colégio... Sempre fui um aluno bem respeitado.

P/1 – E tinha algumas matérias com as quais você se identificava mais?

R – Eu sempre fui mais para Matemática. Meu sonho na infância era ser professor de Matemática. E eu era muito ruim em Português, muito ruim. Tanto é que no exame de admissão que fiz, na minha época tinha admissão do primário para o ginásio, em Matemática eu tirei dez, Português eu tirei cinco, passei com média sete e meio. Eu era muito ruim em Português. Eu tinha um professor chamado Rodrigo, se eu não me engano. E naquele tempo do ginásio, como funcionava? Eram quatro bimestres, você tinha que ter 49 pontos pra não ir pra exame. O que eram esses 49? Sete no primeiro bimestre, peso um. Sete, sete, sete, no segundo, terceiro e quarto, peso dois. Se tivesse sete, somava 14, 28, 42, 49, então se você tivesse 49 pontos já passava direto, não ia pra exame. No exame você tinha que ter 50 pontos, por exemplo, se tivesse feito notas: cinco, cinco, cinco, cinco, você tinha dez, dez, dez e cinco. Tua média era 35, para 50, falta 15, divide por três, tinha que tirar cinco no exame. No quarto ano do ginásio, que hoje equivale à oitava série, o professor olhou pra mim: “Você tirou três na prova, hein? Três” – ele falou. “Fui mal né professor? É, gramática não dá.” “Vamos fazer o seguinte, três, você tem dois pontos, porque você é um cara que participou das aulas.” “Muito obrigado, professor.” “Tá com cinco. Você precisa tirar sete, né?” Ele olhou: “Vou te dar dois pontos”. Eu, olha, quase dei um beijo nele, porque eu tinha muito medo do Português. O Português era uma disciplina terrível pra mim. E depois do ginásio e no colégio também. E acabei sendo roteirista. Eu trabalho em rádio. Você vê como o mundo dá volta. Levei muita bronca, mas era isso. Gostava muito das matérias Química, Matemática, essas coisas eram legais. Mas Língua Portuguesa era um desastre.

P/1 – E, Weber, tem alguma história de escola, molecagem, alguma história pitoresca que você possa contar para a gente?

R – Eu era mais comportado, não era muito de folia. Mas eu aprontei uma no segundo ano do ginásio. Meu colégio inteiro foi suspenso, porque acabou a luz na hora do intervalo, foi uma bagunça, o diretor, que era um diretor muito autoritário, falou assim: “É o seguinte...”. Ele entrou na sala acabando com todo mundo: “Hoje metade da sala está suspenso...”. Não. Esse foi outro caso. Esse caso foi o seguinte, nós vaiamos o bedel, foi isso que aconteceu. Vaiamos o bedel lá. Ele falou o seguinte: “Metade da sala tá suspensa hoje, vai ficar dois dias. E a outra metade vai ficar os outros dois dias”. Tá bom. Seguraram a carteirinha do ginásio e eu tinha que fazer um trabalho na biblioteca. Aí o que eu fiz? Em vez de ir à biblioteca e falar: “Olha, eu estou sem a carteirinha”. Eu peguei a carteirinha do ano anterior e falsifiquei. Era de 68 [1968], eu coloquei 69 [1969] lá. E entreguei pra ela minha foto e comecei a fazer a pesquisa. Tudo bem. Chegou uma hora, eu estava fazendo a pesquisa e de olho lá na mesa do cara. Me chamaram: “Vem cá. O que significa isso?”. Porque tinha a capa, que vinha a foto, e tinha um caderno onde as presenças todas eram carimbadas. E tava tudo feito, quer dizer, eu tava em setembro, já tinha até dezembro. Quer dizer, de ponta cabeça, tudo com nota. Ele falou assim: “Você falsificou?”. Aí expliquei para o chefe da biblioteca que eu tinha falsificado, o porquê tinha falsificado, tinha que fazer um trabalho. Ele chamou um guarda, falou o seguinte: “Você vai à casa desse menino dizer pra mãe dele que ele falsificou isso aqui, manda vir aqui”. Depois ele me liberou. Eu sei que é o seguinte, eu estou voltando pra casa, tem a dona Delzuita na porta. Delzuita era uma baiana, uma figuraça. Eu era muito amigo dos filhos dela, Laerte, Beto e João. E ela falou assim: “Ô, Du” “Fala, dona Delzuita” “Ô, menino, mas que foi que você aprontou, hein? Conte-me”. Ela já sabia antes de eu chegar na minha casa que eu tinha falsificado. Eu sei que deu um rolo danado. Depois foi tudo perdoado. É bobagem de criança, eu devia ter falado. Essa foi uma. E no colégio teve coisas assim, eu tive uma aula de Biologia, o terceiro colegial foi infernal, porque era a turma mais bagunceira do Vera Athayde Pereira. Minha sala era terrível. Aí prova surpresa, estava uma bagunça, estava de saco cheio, falei: “Ah, duas perguntas, não vou responder nada”. Tive que ir lá. Aí vai a Lenita, chega e fala assim: “Você não respondeu nada?” “Mas Lenita, eu to quietinho aqui, não fiz nada pra você, não fiz bagunça, você não vai considerar?” “Eu vou considerar. Zero.” Peguei um zero e tive que recuperar depois. E outra vez no ginásio, tinha um professor que fez aniversário, nós descobrimos que fez aniversário, era a última aula, foi todo mundo cumprimentá-lo na sala de aula. Nós saímos pelo colégio de sala em sala comemorando o aniversário do professor pra não entregar o trabalho, então tinham essas arrumações. Eu lembro de uma vez que teve uma gincana, foi meu grupo, um grupo de amigos, só fazia falcatruas, porque em termos de quantidade não conseguia fazer nada, eles arrumaram uma garrafa de uísque, tem que levar a garrafa... Eu falei assim: “Como você conseguiu a garrafa de uísque?” “Peguei num ferro velho e enchi de chá”. Não tinha uísque nenhum.

P/1 – E, Weber, nessa juventude assim, quem eram seus amigos? Algum que tenha marcado esse período?

R – Eu tenho alguns colegas da faculdade. Do primário tinha o Zé Galinha, que era um cara legal. Ele era conhecido como Zé Galinha porque ele criava o galo Garnisé. Eu me lembro do Zé Lamoca, era um cara muito engraçado, a gente se divertia. Numa prova do terceiro ano primário, eu falei assim: “Puta, Zé Lamoca, eu não sei nada daqui”. Ele ria. A gente ferrado, ele rindo. Eu falei: “O que a gente faz?” “Quem não tem cão, caça com gato. Responde qualquer coisa”.

Com esse pessoal todo eu acabei perdendo a relação. Uma porque de repente, por exemplo, no ginásio tinha meninos de muitos bairros ali, de muitas vilas, e as pessoas repetiam de ano, eu continuava, você vai mudando os caminhos. Você tá no primeiro ano com uma pessoa, de repente no segundo ano já não tá. E no colégio eu me dava muito bem com dois colegas: um era o Jorge, que era um baiano muito engraçado também e que uma vez foi demais também. Nesse terceiro colegial, a gente precisava fazer uma prova de Matemática, então ele falou: “Olha, cara, é o seguinte, o professor vai dar uma prova substitutiva para as três salas do terceiro colegial, então você me ajuda”. Eu falei: “Tudo bem. Sem problema” “Mas depende de quem vai ficar aqui” “Não, tudo bem, a gente dá um jeito”. Então um professor, não lembro o nome dele, ficou no terceiro A, teve outro professor no terceiro B, e na nossa sala ficou a Lenita, que era de Biologia, que tinha me dado zero. Mas com a Lenita, a gente podia colar, porque ela sentava lá e não esquentava a cabeça. Uma ótima professora, mas... Aí o que aconteceu? Nós combinamos, planejamos o negócio. Ação. Qual era a ação? Eu saí, dei cinco minutos inteiros pra pegar o caderno, na hora que eu entrei pra pegar o caderno, as duas perguntas de Matemática estavam lá já, peguei: “Com licença”. Saí de novo. E eu e a Rita

respondemos na última folha do caderno. Tal, respondemos, tal, beleza. Voltei. E o professor de Matemática vendo o movimento lá no terceiro A, ele vendo aquele movimento, mas não podia fazer nada, porque não era só eu, estávamos fazendo outra falcatrua. E fui embora e fiquei tranquilo. Daqui a pouco sai um aluno, falou: “Porra, eles não estão achando” “Como não estão achando? Eu coloquei na última página”. Porque eles pensavam que eu ia deixar solto. E nós escrevemos as respostas na última folha do caderno presa. Então o colega fazia assim, taga daga da [balançava o caderno], e não achava a cola. Eu tive que entrar de novo, ou fui eu e a Rita, não sei, entramos, falamos: “Olha, tá aqui. Tá aqui no caderno”. Acabou a prova, veio o resultado. O Hélio, que era da minha patota, tirou dez e o Jorge tirou nove e meio. Pra quê? Ele foi reclamar com o professor, o Carlos Domingos, o meio ponto. O professor falou: “Olha, você fica quieto, que tua prova tá igual a essa, e essa, e fulano...”. E olhando pra mim. O professor olhando pra mim e pra Rita. “Então você fica quietinho, senão vou dar zero pra todo mundo” “Aaahhh”. E negócio de cola, uma vez eu tirei zero também em História, por quê? A prova valia oito, eu respondi tudinho, fui embora e tirei zero. Eu falei: “Mas professora, por que você me deu zero?” “Olha, porque o seguinte, três alunos entregaram a prova sem nome, você e mais dois. Você ficou com sete, os outros dois com quatro” “Mas, professora, então dava quatro pra todo mundo” “Ah, não pensei nisso”. Ela deu zero. Em vez de dar quatro pra todo mundo, ela deu zero pra todo mundo. Me ferrei de ganhar zero também. E que mais? E tinha um professor de Inglês que não ia com a minha cara e eu não ia com a cara dele, porque eu detestava Inglês. E teve uma prova surpresa também, e o que eu fiz? Eu respondi, e o Mineiro, o Uai, o Josenildo, falava assim: “Passa a cola, passa a cola, passa a cola” “Espera aí”. Aí eu respondi, peguei o meu rascunho, amassei e joguei no chão. Pra quê? Depois de um tempo o professor foi entregar a prova. Aí entrega a da Maria, do Joaquim, do Pedro, e eu tava no meio da sala, nós separamos, o Josenildo lá ponta, ele ficava assim, aí entregou a minha prova, a última, a penúltima do Josenildo. Tava assim: seis com um X, zero. Mas a gente já sabia que tinha dado algum problema, então já combinou: “Olha, depois nós vamos falar com ele”. Eu fiz uma cara de pau, aquela cara de aluno sem vergonha, falei: “Professor, não entendi”. Sem rir. “Não seja cínico. Como você não entendeu?” “Eu não entendi. O senhor marcou seis, me deu zero por quê?”. Eu sério. “Não seja cínico, você passou a cola para o outro, para o Josenildo.” “Eu não passei nada, professor. Quero saber porque você me deu zero.” “Josenildo, vem cá. Você não passou a cola?” “Não”. E a prova tava toda amassada. Ele falou: “Aí, olha”. Ele me mostrou a prova, falou: “Aí, professor, tudo amassada. Como o senhor vai falar que eu passei”. Aí o Josenildo falou: “Não, professor, eu tava desesperado...” – assim, sério – “tava desesperado mesmo e peguei a prova dele”. O que o Josenildo fez? Tava o meu nome lá. Ele riscou o meu nome, riscou tudo que eu tinha escrito e escreveu na mesma folha as respostas. Quer dizer, passou no nome dele. Quer dizer, ele copiou as minhas respostas no papel que eu tinha passado, quer dizer, uma coisa de maluco. E nós dois sérios. Ele falou: “Tá bom. O senhor, Josenildo, vai ficar com zero. E o senhor vai ficar com seis” “Tá bom”. O professor saiu da sala: “Ahahaha”. O que a gente deu de risada, porque já entraram os outros amigos da gente, era intervalo. O que a gente deu de risada. Mas esse professor depois, ele falava assim: “Olha, só vou entregar aqui o trabalho de cinco alunos: número 17...” – era eu. Eu sempre tinha que entregar, porque realmente eu era muito ruim de Inglês. Essa foi uma fase do colégio aí que eu tive de histórias que eu acho que podem ser aproveitadas.

P/1 – E, Weber, eu queria te perguntar, teve alguma carta, correspondência, que tenha marcado a sua infância ou juventude, que você tenha recebido ou enviado?

R – Não. Não. Tem carta de família, tal, mas... Depois eu até posso falar, mas não assim, correspondência. Eu não tinha. Quem recebia as correspondências eram mais os meus pais. E já na adolescência, eu não tinha contatos... Alguns primos estavam aqui em São Paulo, a gente não tinha esse hábito. O mais hábito era um grupo da minha mãe, que tinha mais cartas nesse sentido, aí tem umas histórias.

P/1 – E aí eu queria te perguntar, quando você começou assim, interesse por música? O que você escutava na juventude?

R – Olha, música, a primeira coisa que me chamou atenção dentro de música foi Tico-Tico no Fubá. A gente morava na casa dos meus avós, então toda vez que tocava essa música no rádio, eu ia para o rádio pra ouvir. Porque eu achava engraçado a Ademilde... Eu não sabia que era a Ademilde Fonseca, fiquei sabendo depois. “Tico-tico aqui, tico-tico ali.” É uma música que pra criança é legal, um chorinho bem legal. Então essa foi a primeira atração. E depois ouvia muita rádio novela, aluguei uma vitrolinha Hitachi. Era assim, uma competição, porque meus tios gostavam de ouvir Nelson Gonçalves, um tema adulto, e a minha mãe gostava de ouvir Roberto Carlos, então tem essa briga da jovem guarda, tal. E quando eu tava no colégio, em 70... Quando tava, por exemplo, ainda no ginásio, eu gostava de música brasileira. O primeiro disco que eu comprei, que eu lembro, chamava “Sugar Sugar”, com Don Kirscher’s, uma banda brasileira aqui que fez sucesso. Mas eu queria comprar aquele tema que era da Regininha. Quer dizer, tinham esses núcleos, cada um querendo convencer você a gostar daquilo que ele gostava. E no colégio, o que me chamou atenção foi um professor falou assim: “Vamos ouvir Calabar. Porque vocês vão ler o livro do Calabar, do Chico Buarque, e a gente vai fazer aqui depois uma competição”. E foi aí que comecei me interessar mais pela música brasileira. Por quê? Por duas coisas: eu já gostava mais de música brasileira, mas já tava trabalhando, então eu podia comprar o disco que eu quisesse sem depender de outras origens. Toda a minha discografia foi música brasileira, com raríssimas exceções. Acho que no colégio foi quando pintou mais esse lance de música.

P/1 – E você falou que já tava trabalhando, eu queria te perguntar desse seu primeiro trabalho.

R – Ah, tá bom. Então vamos lá. O meu primeiro trabalho foi quando eu tinha 11 anos. Mas assim, como eu falei, a Mooca já era um bairro consolidado, terceira geração de pessoas. Com uma estrutura econômica melhor. Na Cruz das Almas, todos os meus amigos com 14 anos, 10 anos já estavam trabalhando. Ou ia engraxar na feira aos domingos, arrumava um engraxate, ou então ia trabalhar em encadernação, ou ia fazer bola de capotão, costurar bola de capotão. Tudo trabalho em casa, vinham os gomos separados e você tinha que fazer a costura, e quem fazia isso era criança de 11 anos, dez anos, tal. E eu fui fazer fivela, eu punha rodízio em fivela de sapatos. Na fivela, em uma pontinha tinha um rodízio e tinha um pininho. E isso era trabalho feito por criança. Então o que acontece? Eu ia à uma fabriqueta de fundo de quintal, que os filhos da pessoa também trabalhavam lá, punha o rodízio, uma prensinha, ia batendo, pegava a fivela e ia batendo. Você tinha que fazer cinco mil por dia e era pesado, e o dinheiro era um negocinho desse tamanho. E pra por pino, eu nunca quis fazer, porque é um trabalho, você tem que pegar um alicate de ponta, você tem que fazer mil, acho, por dia. Mas era uma forma de aprendizado que você tinha pra entrar na sociedade. Não era considerado uma coisa nociva como é hoje. A criança tem que estudar, tal. Pra mim foi legal. Quer dizer, eu fiz umas bobagens, mas não era nem tanto pelo dinheiro, era mais um tipo de ocupação para você entrar na sociedade, encaro mais como isso. E eram pequenos períodos. Eu nunca trabalhei assim, quando eu tava estudando, era nas férias. Isso me arrumaram. Eu trabalhei também num período numa adega, foi quando eu aprendi a carregar oito garrafas de uma vez só. Punha duas, três no braço, punha três aqui, levava para o balcão. Depois eu fui trabalhar como office boy, em 73, já tinha de 15 pra 16 anos e não parei mais de lá pra cá.

P/1 – E conta um pouquinho, quando você tinha uns 17, assim, 16 anos, você pensava em quais seriam seus próximos passos, o que você queria fazer?

R – A gente tinha dúvida, quer dizer, eu sabia que teria que estudar. Mas você tem muito conflito nessa idade, não sabe o que quer, né? E nesse Colégio Vera Athayde Pereira, que era um colégio ali da Lapa de Baixo, um colégio público, no terceiro ano do colégio eu não sabia o que fazer, então uma diretora falou: “Olha, a gente vai fazer um negócio de teste vocacional aqui. Quem quer?”. Eu me inscrevi pra fazer. Mas era uma bateria longa, foi uma coisa de um mês o negócio. Você fazia teste uma semana, se não tá bem, se não quiser, não faz, quer dizer, era uma bateria de exames, de testes que você ia fazendo, depois uma entrevista com ela no final. E ela falou assim: “Olha, pelo teu perfil, tem duas coisas aqui que apontam”. Apontou-me muito bem a minha personalidade, fez um aspecto. E de tendência de escola tem duas: tem uma coisa pra serviço social e uma coisa ligada mais pra Publicidade, Jornalismo. Eu falei assim: “Ah, serviço social de jeito nenhum”. Ora, eu era péssimo em Português. Eu tinha muita dificuldade de aprender gramática, essas coisas, eu falei: “Tudo bem”. E resolvi fazer Comunicação Social. E acho que no vestibular de 75... Não, no vestibular de 76. De 75 pra 76, que você faz. Eu fiz o último exame, antigamente existia Cecem, Cecea e Mapofei. Mapofei era Engenharia, Cecem era só pra escola de Medicina, e Cecea era escola de humanas. Eu acabei entrando na Anhembi Morumbi. Eu falei: “De jeito nenhum”. Na Morumbi pra fazer Turismo. Eu falei: “De jeito nenhum”. E levei pau no Cecea. Fui mal na redação, essas coisas todas. Aí entrou a Fuvest. Então no ano seguinte, em 77, foi o primeiro vestibular da Fuvest. Passei na primeira fase, levei pau na segunda. Mas aí eu fiz a Faap também. Então eu entrei na Faap e a Faap tinha acabado com o curso de Jornalismo. As opções eram: Relações Públicas, Cinema, Publicidade e Rádio e TV. Falei: “Publicidade eu não vou fazer”. Falei: “Ah, não. Essa consumista”. Não era meu perfil ideológico na época. E fiz Rádio e Televisão e não me arrependi. Não entrei na USP, graças a Deus, eu digo isso, e me profissionalizei pela Faap em Rádio e TV, e fui trabalhar como roteirista sendo péssimo aluno de português. Mas tinha uma disciplina que eu adorava, que era uma professora chamada Nina, que ela dava Língua Portuguesa, mas dava crônicas. Eu gostava muito de fazer essas crônicas. Lembro que o primeiro trabalho que ela deu, eu fiz uma crônica, falei: “Ah, vou arrasar”. E fiz, fiquei todo orgulhoso, li assim: “Nossa, ela vai dar uma nota maravilhosa”. “Fraco mais”. A nota maravilhosa foi “fraco mais”. E ela explicou: “Olha, você escreve tudo no gerúndio, isso não pode. O gerúndio pega a força do verbo, tal”. E, olha, foi a única prova que eu fiz com prazer. Depois eu fui pra fazer prova, eu ia fazer prova com prazer. E depois, nesse meio tempo, eu conheci alguns professores no especializado e dois caras, um faleceu recentemente, que é o Luís Antônio Simões de Carvalho, que ele tinha escrito um livro... Ele tinha traduzido um livro de TV da USP, ele era da Cultura e da USP, e dava aula na Faap, me deu muito apoio. E um dramaturgo que trabalhou com Guarnieri, Eles não usam black-tie, depois ele foi o primeiro roteirista de novela, novela das seis da TV Globo, com Bicho do Mato. Ele fez, por exemplo, a Canção do Subdesenvolvido com Carlos Lyra. “Subdesenvolvido, subdesenvolvida, essa que é a vida”. Era um cara de esquerda, tal, muito competente, que me deu chance, chamado Chico de Assis. O Chico me levou pra ser assistente dele na produtora, que era Cordel, eu fui escrever, olha só. Meu, eu demorava. Uma coisa que eu escrevo em dois minutos, eu demorava um dia inteiro. Enquanto isso eu tava trabalhando na Jurid. Eu fui demitido da Jurid por causa dele. E tinha que escrever assim... E eu ficava admirado com o Chico. A estrutura do programa era assim, uma historinha, uma crônica, depois tinham várias sessões. Ele falou assim: “O que você quer fazer?”. Eu falei assim: “Olha, Chico, eu posso fazer tudo, menos essa historinha, porque eu não tenho capacidade de escrever esses causos que você inventa e escreve”. Porque ele dava lição de moral, porque era um programa para o Instituto Universal Brasileiro, aí vem o lance de correspondência, que vendia curso por correspondência, ensino à distância. Eu falei: “Isso eu não sei fazer”. Ele tinha histórias ótimas. Ele tem uma história assim: “Um dia...” – essa eu lembro até hoje, que a gente deu muita risada na gravação. Ele falou assim: “Um dia a macacada tava fazendo a maior algazarra na árvore, maior algazarra. Fazia algazarra, pulando de galho em galho, estavam fazendo um barulho, daí chegou o rei leão. O rei leão falou assim: ‘Pessoal, eu quero silêncio a partir de agora. Cada macaco no seu galho’. Aí cada macaco foi para o seu galho, tal. Aí vem e desce um macaquinho e fala assim: ‘Rei leão’ ‘Fala, macaco’ ‘Eu fiquei sem galho’ chomp. O leão comeu o macaco. Ele falou assim: ‘Tem algum macaco aí sem galho?’”. Então essas histórias que ele contava, porque era um programa pra vender curso por correspondência do Instituto Universal Brasileiro, eu falava: “Não sei fazer”. Fazia o resto. E o resto, eu suava pra fazer aquilo lá. E a gente gravava dez programas de 15 minutos de uma vez. Você tinha que entregar dez roteiros e gravação. Aí o Chico fala assim: “Quanto tem que escrever?” “Tem que ter dez” “Marque no relógio”. Em uma hora ele escrevia dez crônicas de dez linhas. Era assim, meu, trec trec trec, e sem errar. Imagina, eu rasgava papel, quer dizer, eu tinha três folhas e 30 do lado. Então aprendi muito com ele nesse aspecto. Comecei como roteirista e produzindo os programas. Até o Chico no primeiro dia falou assim, eu tava desesperado: “Não, vai. Você vai para o estúdio sozinho. Vai você e a Vera” “E você?” – eu falei. “Eu não vou. Não posso, tenho um compromisso.” E eu fui gravar. Olha só. Eu nunca tinha gravado com ninguém. Eu fui gravar com dois caras que na época eram feras: Odayr Baptista, que criou a Rádio Camanducaia; e o Antônio Alexandre, que era locutor da Pan. Os dois eram da Pan, eu fui gravar com os dois. Eu tive que dirigir vinheta, não tinha nem vinheta o programa, só tinha trilho. Ele falou: “Não, atropelou aqui, tal”. Você imagine a minha situação na fogueira que o Chico de Assis me colocou. Mas é um queridíssimo.

P/1 – E, Weber, deixa só eu te fazer uma perguntinha. Como vocês tinham esse retorno, se tava dando certo de vender os cursos ou a concepção do programa?

R – Ah, então. Aí tem o seguinte, em termos de correspondência, se a gente for pensar... Eu vou dar uma volta atrás. Só pra dar um gancho pra você. A primeira coisa que me chamou atenção no Correio foi uma placa de bueiro. Era assim, EBCT, numa rua. Eu falei assim: “Mas pra quê isso?” “Ah, isso é do Correio, é do telégrafo”. A segunda coisa de Correio é o seguinte, se você andava até dos anos 70, pegava Avenida Itaberaba no sentido Avenida Elísio Teixeira Leite no sentido bairro, do lado direito era um poste de iluminação, e do lado esquerdo era um poste de madeira altíssimo, com dez travessas cheias de fios, que diziam que era de telégrafo, ou de telefonia. Tanto é que em 73, olha só, eu tinha uns 14 anos, eu não sei a data, mas eu tinha mais ou menos uns 14 anos, eu tava subindo pra sair de uma rua, subi uma viela, depois subi uma ruazinha pra chegar à Avenida Elísio Teixeira Leite pra pegar ônibus, e tava eu, um colega, o cara olhou assim pra aqueles fios, falou assim: “Olha, sabe o que eu quero?” “O que você quer?” “Eu só queira que todos esses fios, daqui até ali, quer dizer, era uns 20 metros no poste de ônibus, pra vender para o ferro velho pra ganhar um dinheiro”. Você vê que o sonho de infância virou um pesadelo nos dias de hoje, nego cortando lá. Então essas duas imagens. E a correspondência, o que acontece? Vinha pra gente, porque ia tudo pra caixa postal do Instituto Universal Brasileiro. Porque a ideia era vender curso por correspondência, que o programa ia pra 36 emissoras de rádio, menos São Paulo. Ia para o Rio de Janeiro e Minas pra cima. E o lance era vender curso. E o que acontecia? Que as cartas acho que não... Ficaram três meses no ar, não deu resultado, porque você recebia a carta assim: “Ah, muito legal o programa, mas você não pode me dar uma bicicleta, que eu to passando não sei o quê? Você não pode me dar um saco de farinha?”. Então o primeiro contato profissional com carta, a gente via, por exemplo, de uma coisa pedinte, de uma coisa paternalista, as pessoas achando que você vai resolver teu problema. Essa coisa paternalista que existe muito no nordeste, mas em São Paulo também. Então isso foi mais ou menos um choque. Eu acho que vendeu pouca coisa, mas veio muito pedido nesse sentido, assistencialista. Sabe? Eu achei aquilo lá: “Olha, esse é meu Brasil que eu to conhecendo agora através de um programa de rádio”. Porque o programa tinha coisa assim, significado do sonho, significado do nome, curiosidades, qual o prédio maior do mundo, quer dizer, era um... E o slogan era Instituto Universal Brasileiro, 25 cursos pra você. Vinte e cinco cursos pra você. Aí eu contava os cursos, falei: “Ô, Chico, não tem 25 cursos”. Aí o Chico falava: “Tem 24. Mas você acha que eu vou falar 24 cursos? Todo mundo vai gozar, não vai vender nada”. Então você tem essas malandragens que os caras começavam a fazer. Mas a realidade era assim, era uma resposta do público, que era vender e não vendeu. E depois, quando eu fui fazer... Quando eu fui depois pra Cultura fazer o Curumim, o que aconteceu? Nós fizemos o programa, aí depois de uns três meses: “Pô, ele tem que saber a resposta do público”. Então o Dorival Carper falou assim: “Ah, vamos dar uns discos aí”. Tinha um cara, um caititu. Caititu é um divulgador de discos, que ficava nas rádios levando material. Ele falou assim: “Olha, eu to lançando aqui um grupo, tal”. Eu falei assim: “Olha, vamos fazer o seguinte, eu toco a música antes de o programa começar e você me dá um disco pra eu dar de presente para o professor” “Ah, tudo bem”. Fizemos esse acordo, aí comecei a fazer com várias gravadoras esse acordo pra receber carta. Que era um programa, era um Curumim pra criança na fase de pré-escolar, um programa educativo que tinha na televisão também. Aí o que aconteceu? Na primeira remessa de carta que nós recebemos, a gente verificou que duas atrações do programa não eram citadas pelas crianças: que era o repórter criança. O repórter criança era um personagem que falava assim: “Hoje eu vou entrevistar o porco. Diz aí, porco”. Aí vinha o som do porco, era uma coisa meio sonora. E depois a apresentadora, que era a Cecília Lemes, dava uma explicação do que era o porco, tal. Então era tesoura cortando papel, eram umas coisas assim, mas tudo sonoras. E nenhuma criança, nas cartas que nós recebíamos, citava. Como um número musical que tinha no programa, também ninguém citava. As pessoas citavam o quê? A história, a brincadeira final e Papagaio Pituca, que respondia perguntas pelo telefone mágico, um truque a gente fazia lá. Então ele falou: “Bom, tem que tirar esse repórter criança aqui, que não tá funcionando. O que a gente vai fazer? E o número musical também, que também não tá funcionando”. Aí nós ficamos entre a Bruxa Caramelo e a Abelha Abelhuda. E a Abelha Abelhuda acabou vencendo. Que era um personagem que tinha o perfil de uma criança de cinco anos na era do “por que”, na fase do “por que”. “Por quê?” E ela tinha também um bordão, se você a chamava de abelhinha, ela ficava furiosa: “Bzzz, abelhinha não, Abelha Abelhuda”. E isso pegou a criança. Então começou a ter essa resposta. Até que chegou ao final do ano, então a cada 20 programas, a gente mudava o último número, que era uma brincadeira sonora. E não tinha mais nada pra inventar naquele final de ano, eu falei assim: “Ah, vamos inventar uma coisa, o seguinte, criança de cinco anos gosta de fazer, pelo menos na minha infância eu fazia isso, que é imitar sons”. Que eu imitava bem o trem, tinha um amigo que era especialista em DKV, o motor. Ele falou: “Boa ideia, vamos fazer isso. Então como vai chamar o personagem”. Eu falei: “Vai ficar quanto tempo?” “Vai ficar 20 programas só, 25”. Porque era programa diário. “Ah, Bicho Imitador.” “Tá bom.” Escrevi Bicho Imitador. E como era a estrutura de produção? Como eram cinco dias, eram cinco roteiros, eu revezava com o Vilmar. Quando eu escrevia três, ele escrevia dois; quando eu escrevia dois, ele escrevia três. E nós dirigíamos o roteiro nosso, cada um. E nesse dia, os primeiros roteiros eram dele, ele fez a direção, eu fiquei no estúdio. Aí quando a Deise Celeste fez o Bicho Imitador, eu quase caí pra trás, falei: “Que porcaria”. Ia falar outra palavra. “Que porcaria. É um débil mental.” Fazia uma voz de débil mental. Falei: “Não é possível”. E como já tinha dirigido, ensaiado, eu falei: “Não vou...”. Pô. Aí eu fui falar: “Pô, cara, que de...” – eu também achei – “Que débil mental. Eu falei pra você”. Ele falou: “O quê?” “O bichinho tem o tamanho de uma minhoca” “Pô, eu falei pra ela que tinha tamanho de um pombo”. Então em termos de rádio, o tamanho de uma minhoca num rádio e o tamanho de um pombo muda. A voz era uma vozinha mimimi, e virou a de um menino. Meu, eu odiava esse personagem. E tinha o Edson Siqueira, que era o operador, falou: “Ahaha”. Ria: “Que débil mental”. Olha, nós estraçalhamos com o Bicho Imitador. Nós não gostávamos desse Bicho Imitador. Como era um jogo sonoro, que ele se transformava, no final ele era o som da vassoura, ele imitava algum som, mas depois entrava o som real. E eram só 25, a gente deixou então. E quando entrou nas férias, entrou uma reprise de programas que não era pela 80, era o 44. E nessas reprises só mudava uma sessão que era de cartas, a gente continuou simulando o advento de cartas, o que aconteceu pra nossa surpresa? Veio janeiro: “Ah, chegou a primeira carta aí, tal” “Ah, que legal a Cecília Lemes, que legal a Abelha Abelhuda, que legal o Papagaio Pituca, mas cadê o Bicho Imitador?”. Eu falei: “Ah, deixa pra lá. Esse moleque é bobo”. Pegava outra carta: “Ah, que legal a historinha, que legal Cecília Lemes, que legal, mas eu to com saudade do Bicho Imitador”. Ei. Terceira carta: “Cadê o Bicho Imitador?”. Quarta carta: “Cadê o Bicho Imitador?”. Décima carta: “Cadê o Bicho Imitador?”. A gente falou assim: “Pô, vamos ter que voltar com esse débil mental, com esse Bicho Imitador para o programa”. Mas não tinha função pra ele. Eu sei que pra contemporizar com as crianças, por causa desse... O Bicho Imitador passou a ser um auxiliar da Cecília Lemes nessa última brincadeira. Então, por exemplo: “Hoje, Bicho Imitador, o que a gente vai fazer?” “Ah, hoje é o som do contrário”. Então o Bicho Imitador: “Qual é o som? Criançada, nós temos o som de uma pessoa tomando um café amargo, um café”. Então entrava um personagem: “Argh, que café amargo”. Qual o contrário do amargo? Então passava esse som por uma máquina, que lógico que não, mas passava o som: “Oh, que café doce na boca”. Então dava o conceito de o contrário de doce, o amargo. E quem fazia essa ponta era o Bicho. Então em razão das cartas, a gente foi desenhando o programa, mudando o que era possível, e não mativemos o Bicho Imitador, que no meu pensamento era pra ser do tamanho de uma minhoca, mas foi orientado pra ser do tamanho de um pombo. Então um desastre.

P/1 – E, Weber, como era essa chegada de cartas? Quem lia da equipe? Como funcionava esse fluxo?

R – Não, a gente lia. Nós líamos, eu e o Vilmar. Nós líamos. Era um sorteio. Na verdade era um sorteio de disco, depois até a gente parou de dar material. Mas a gente lia, a gente vinha pra rádio, a gente filtrava a cartas, e a melhor carta a gente dava brinde. Era um sorteio fajuto. Hoje eu posso falar, passado 30 anos. Mas a gente dava, já que é um prêmio... Porque tinha cartas muito bem elaboradas de criança. Pra você ter uma ideia da força disso, eu me lembro de uma muito especial, que a criança... Porque a criança, a Abelha Abelhuda, muitas crianças pegavam o quê? Um decalque de abelha e colocavam, outras faziam um desenho. E tinha o Papagaio Pituca, que a criança perguntava assim, por exemplo... Criança acima de cinco anos. A gente gravava na escola as perguntas da criança, depois montava com a resposta do Papagaio, que era feito pelo Antônio Leite. Falava assim: “Por que o sol é amarelo?” “Por que é amarelo? Ah, que pergunta difícil”. A criança quer saber: “Ah, Pituca, quero saber por que o sol é amarelo” “Ah, quase cai do poleiro. Espera aí, vou procurar no meu caderno de capa verde”. Aí a gente fazia barulho de papel e esse barulho de papel era estrondoso, assim: “Por que o rato é preto, por que o cachorro é bege. Ah, achei. Então vai lá, o sol é amarelo porque ele é quente. Se ele fosse mais quente, ele seria azul, se fosse menos quente, ele seria vermelho”. Então você dava um conceito simples, e era o Papagaio, então era tudo no caderno de capa verde, não era livro, porque era criança da pré-escola. E não é que eu recebi uma vez um caderno feito em espiral, pequenininho, a criança... Ou alguém ajudou, é lógico, mas ele fez o espiral, colocou as folhas, desenhou o Papagaio Pituca e mandou pra gente numa carta. Então isso tinha muito. E a gente percebeu também que o programa, apesar de ser pra criança de cinco anos, a gente sabia que ele não atingia criança de cinco anos, atingia criança dez, atingia criança de 12 anos. Mas a gente tinha que manter o emprego, daí ia fazendo e tendo com os conceitos dados pela Secretaria Municipal de Educação Infantil, era uma coisa séria assim. E foram assim, 215 programas, e era muito trabalho, porque você escrevia, produzia, dirigia, fazia as entrevistas na escola, era uma época muito puxada. E coisa de ficção, porque no início eu comecei a pegar fábula. Porque tinha história, tinha uma brincadeira na escola, tinha a Abelha Abelhuda, uma situação, tinha o Papagaio Pituca, tinha o jogo. Meu, pra você escrever isso... E os temas eram assim, contar de um a cinco, diferença do quadrado, do triângulo, do retângulo. Como você vai falar isso no rádio? Diferença do azul, do amarelo e do vermelho. Você tinha os conceitos da educação infantil pra passar no rádio. Então não era assim, qualquer coisa que você tinha que colocar, mas a gente dava um jeito lá, meio à martelada e vamos que vamos. Tanto é que o texto básico, na primeira fase eram 30 básicos, viraram 120 programas. Até tinha um cara do departamento de ensino da cultura falando: “Multiplicando os pães, né?”. Porque a gente tinha ter o emprego. Não vou falar, olha, acabou, fazer 30 programas. E, olha, vamos que vamos, e multiplicando os pães o tempo inteiro lá, inventando moda. Tanto é que no início eu fazia adaptação de fábulas, chegou uma hora, eu falei: “Ah, vamos escrever nossas histórias”. Que era uma coisa muito simples. Não era... Quer dizer, eu tenho até vergonha de ler hoje elas, mas acho que funcionava pra aquilo que eles estavam querendo colocar.

P/1 – E, Weber, eu vou querer saber um pouquinho mais sobre os outros públicos de cartas que você lidou nos outros programas. Agora, primeiro eu só queria te perguntar, antes disso, por que você entrou na Cultura? Só pra contar essa história pra gente.

R – Ah, por que eu entrei na Cultura.

P/1 – É.

R – O Chico de Assis... É o seguinte, eu acabei, eu me formei, eu não fiz estágio de nada. Quando tava no último semestre, lá pra setembro, o Chico me chamou pra trabalhar com ele. E logo em seguida, em 81, fechou a produtora dele. E o Luís Antônio Simões de Carvalho me convidou pra ser técnico de som na Faap. E nesse meio de tempo, o Chico também tentou me colocar como roteirista do Bambalalão. Só que eu fiz uma cagada desgraçada, fiz uma porcaria de texto, não mostrei pra ele e não fui selecionado. E eu tava na Faap, o que aconteceu? O Chico ia fazer o projeto Curumim na TV e incentivou os alunos a fazerem programa pra criança, e eu era técnico lá. Então ele falou assim: “Olha, Weber...”. Quando chegou em 82, ele falou: “Weber, é o seguinte, você manda esses trabalhos e você vai lá. Você é um candidato também. Não só os alunos que escreveram, mas eu quero você lá. Tudo bem?” “Tudo bem”. Eram dez candidatos comigo pra duas vagas. Por quê? Olha como são as coincidências, existia uma produtora de programa infantil chamada Marta Fantini, que é já até uma pessoa que foi pra França, a gente tem contato, gente boa, que ficou doente. Então surgiu essa vaga porque ela ficou doente, que ela só fazia programa infantil na Cultura. E quando veio esse lance, o Sérgio Viotti lá ficou sem, teve que contratar. Muito bem. Eu falei: “Mas, Chico, tudo bem?” “Vai lá, Weber. Tudo bem”. Dias antes, eu tinha uma amiga chamada Eliana Silva, falei assim: “Vai ter esse negócio de novo na Cultura, Eliana? Não sei se vai dar”. Ela falou: “Olha, Weber, é o seguinte, depois do teu aniversário, tudo vai melhorar”. Eu nasci dia oito de março, e a reunião pra saber lá na Cultura era dia dez de março. Fui lá. Eu morava na Vila... Olha, eu morava ali perto da Cerro Corá, peguei um guarda-chuva, olhei para o tempo, duas horas da tarde a reunião e fui pra lá. Cheguei uma e meia, daqui a pouco o Marcos também sentou. E eu com as fitinhas de áudio, porque eu era técnico da Faap, tava levando as fitinhas de áudio. Caiu uma chuva em São Paulo, mas uma chuva, não foi mais ninguém, eu e ele. E não foi mais ninguém por duas razões: uma porque era um projeto difícil, então as pessoas, algumas já não iam mesmo; e outra por causa da chuva. Então eu tinha até uma ex-namorada que ligava pra mim: “Olha, eu não to conseguindo sair”. Eu: “Tá, tudo bem, mas vai ter a reunião” “Fala aí, tal”. Condição, nós entramos no estúdio da rádio, aí coloquei as fitas, expliquei, as professoras eram três, eram... Não lembro o nome agora delas. Três professoras e quem tava junto era dona... Como é o nome dela? Marília Antunes Alves. Que nós passamos o programa, as professoras adoraram. E eu meio assim, que eu não tinha feito. Eu sabia, tava lá, tal. Adoraram. E aí entrou o Sérgio Viotti: “E aí, professoras?” “Nós adoramos o programa” “Vocês adoraram o programa?” “Adoramos” “São esses rapazes? Vocês estão contratados. Um negócio assim. O programa, hoje é dia dez de março, vocês vão gra... Ah, tem que gravar as músicas. Vocês vão gravar a música. Dia primeiro de maio acho que é num domingo, vai estrear no dia dois, no dia três de maio. Ok?” “Ok”. E saiu. Aí nós fomos andando, saímos da fundação, falei: “Vamos tomar uma cerveja”. Ele falou assim: “É verdade mesmo?” “É. Estamos contratados”. E aí foi fazer o programa. Olha, quando nós estreamos o programa, o piloto foi aprovado. Eu lembro até hoje, veio o Chico de Assis, tava assim, numa sala, nós fizemos o piloto, a Cecília Lemes e a Deise Celeste foram indicadas por um cara da Faap, que era o professor Zé Mário, falou: “Não, põe essas duas pessoas lá, elas vão saber”. Tinha no elenco mais o Antônio Leite, que era um cara que tinha sido da Tupi, na fase da America, que ajudou a gente assim, pra fazer vozes, superlegal. Fizemos o piloto, eu mostrando sempre para o Chico, conversando com o Chico pra entrar: “Não, vai nessa. Vai nessa”. O Chico, ele não falava: “Faz assim”. Ele discutia com você. Então mostrei o piloto e aí veio quem pra ouvir o programa? O Pedro Paulo, que não tinha me aceitado no Bambalalão, as professoras, o Chico de Assis, o Dema, que fazia o Curumim na TV, a Marília Antunes Alves e o Sérgio Viotti. Era uma sala vazada, tinha só um... Não era até o teto. Sabe um tapume? Ele ficou: “Olha, eu vou ouvir daqui. Eu to aqui fazendo um negócio, vocês ouvem daí”. Mostrando assim. Aí o Chico só falou assim pra gente... E as professoras gostando também. Aí foi aprovado. Tudo foi aprovado, não teve que fazer nada. E entrou no ar no dia primeiro de maio com dez programas gravados, dez roteiros feitos. Então era uma produção com cronograma, bem puxado, dessa maneira. E com poucos recursos, eu levei bronca o tempo inteiro. Levava bronca do Sérgio Viotti o tempo inteiro assim, por causa de custo de produção. E acabou o seguinte, que ele... E foi engraçado porque o nosso primeiro cachê, nós fomos registrados dia primeiro de maio... Dia primeiro de abril. Porque o Sérgio... O que acontece? Era só um contrato temporário pra ser feito, só que o DRH registrou a gente como vaga lá dentro. Eu ainda falei assim: “Olha, Sérgio, legal, to registrado, mas e esses 20 dias?”. Fui pedir dinheiro pra ele dos 20 dias que eu tinha trabalhado “freelancer”. Ele pagou numa boa. E ele sabia que eu tava contratado, tanto é que depois de seis meses ele falou: “Olha só, era pra vocês... Era só pra fazer um trabalho temporário e a fundação acabou te contratando”. E o Sérgio não queria a gente lá assim. Era uma coisa meio fechada. E quando voltou a Marta Fantini, ela foi tomar satisfação com o Sérgio e queria pegar o projeto, porque de direito era dela. Ele falou: “Não, senhora. Você vai fazer outra coisa, porque os rapazes estão indo bem, não vou mudar”. Então é um monte de acasos. Então eu tido contato com o Chico de Assis, ter errado na primeira do Bambalalão, ter chovido, estar na sala certa, quer dizer, um monte de coincidência. E também no trabalho, senão não teria ficado. Foi aí que começou.

P/1 – E, Weber, depois do Curumim, eu queria que você contasse mais um pouquinho das suas outras experiências de programas com cartas, essas...

R – Aí não tive mais. Na verdade, as cartas depois... Com cartas não tive. Por quê? Porque eu comecei a fazer programa jornalístico, programa de concertos, então praticamente não existia isso. Até 86, 87, dependia de carta, não de carta, de correspondência de assessoria de imprensa. Quando inventaram o fax, acabou também. Então a gente recebia um calhamaço, depois parou. Então não tive muito. Eu tive isso com correspondência antes, quando eu trabalhei na Jurid. E porque era assim, o que acontece? Você imagina, eu to falando dos anos 70, e os anos 70 o Correio começou a ter um pouco mais de credibilidade, porque os anos 60 você falava assim: “Você recebeu o meu telegrama?” “Ah, não. Não recebi” “Ah, esse Correio. Você recebeu tua carta? Esse Correio”. Então era muito complicado o lance de carta. Tanto é, eu fui obrigado a ter uma caixa postal, porque onde eu morava era Rua Dois, número 24, quer dizer, não tinha endereço, a correspondência não chegava a minha casa, de tão complicado que era. Então as correspondências iam pra Mooca, na Rua Paschoal Moreira, 298. Então olha a dificuldade que tinha no lance de carta. E na Jurid, o que acontece? A gente mandava cheque por correspondência. Então chegava lá para o dia 15, os representantes de Porto Alegre, Curitiba, Mato Grosso, Amazônia, ligavam: “Já chegou?” “Não, já mandei”. Então tem esse lance. Era o lance assim, uma coisa mais comercial, tudo era pelo Correio. E tinha também isso que é, digamos assim, a nota fora, a falcatrua dos boys. Porque, por exemplo, quem trabalhava, os office boys, eles tinham que levar a correspondência para o Correio e marcava lá. Então quando eu entrei, eu me lembro de um sábado, é o seguinte: correspondência, carta simples, sei lá, por um dinheiro fictício, dez centavos, então você vai marcar dez centavos. E não tinha recibo do Correio do que você gastava. Então você fazia uma lista de quantas cartas tinham, 70 cartas, você punha aqui sete reais. Essas cartas aqui vão pra Alemanha, que a empresa era multinacional. Então, olha, essa carta é pesada, custa 30 dinheiros, tá? Ah, é? Então 30 dinheiros. Essa carta aqui custa 25 dinheiros, tudo bem? Tudo bem. Aí foi para o Correio, aí tinha que por o preço. Chega ao Correio, as cartas simples: “Ah, sete”. “E essa aqui?” O cara falou: “Doze” “E essa outra?” “Nove”. Eu falei assim: “Pô, os caras roubam”. E eu não tinha essa índole. Então 12, ah vou por 13, ou 14, sei lá. E era tudo contato, você vê que o pessoal já ia passando teu serviço. Aí fui, entreguei, tal. Eu não fazia o Correio, quem fazia era outro cara, eu deixei. Passado algum tempo, o que aconteceu? Eu fui ser chefe desses boys aí. E continuou. Que não tinha comprovante, imagina, você manda uma carta, você não tem recibo, não tem nada, o cara punha lá o papel. Chega o diretor, fala assim: “Não é possível, eu recebo cartas da Alemanha, custam dois marcos, equivalente a seis dinheiros, aqui custa 24, que negócio é esse?”. Chamou os boys, fez uma reunião: “Olha, a partir de agora eu quero o seguinte, você vai por o valor e vai ter que ter o carimbo do Correio”. Os office boys ficaram assustadíssimos. Durante a primeira semana só foi carta simples para o Correio. Depois começou a voltar carta normal. E eu vendo os preços, tudo bom. Tudo bom. Anos depois, eu tava de saída, eu soube o que eles fizeram, fizeram o carimbo. Fizeram um carimbo igual do Correio pra falsificar o valor. Você vê essas coisas. E nessa mesma época, chegou um dia que ele falou: “Olha, você não quer ser o nosso representante na Colis Postaux?”. Colis Postaux era um setor do Correio que recebia acho que encomendas de fora. Falei: “Legal”. Fiquei todo entusiasmado, pô: “Eu representando a empresa da Colis Postaux, que legal”. Que fria. Você ia ao Correio lá, na Colis Postaux, vinha um papel, uma hora pra ser atendido no balcão. Aí você pegava… um pouquinho aí. Era assim, um lugar imenso, cheio de prateleiras, cheio de encomendas, o cara fica ali com um papelzinho procurando o que era, olhava, olhava, olhava, aí vinha. Depois de uma hora, vinha com você: “Olha, paga isso aqui”. Você pagava o selo, ficava mais uma hora pra trazer a mercadoria, você colava na caixa, levava embora. Duas horas. Falei: “Que fria”. Chega um dia o diretor, falou assim: “Vai pegar isso aqui, veio pra minha esposa, você conhece lá”. Fui lá eu pegar. Peguei, entreguei o papel depois de uma hora, paguei, depois de uma hora veio a caixa, colou o selo, o valor, que aí não tinha falcatrua, levei a caixa, cheguei: “Tá aqui tua caixa, aqui tá o valor” “Tudo bem. Obrigado”. Entrou na sala, abriu a caixa, voltou com a caixa aberta. Ele tinha pagado uma grana absurda lá. Falou: “Olha o que tem aqui dentro”. Tinha o quê? Agulha de tricô, linha de tricô (risos). “Essas bobagens eram da minha mulher. Onde tá com a cabeça pra minha cunhada mandar isso pra cá”. Então essas peculiaridades que teve assim, de correspondências profissionais, mas não tinha muito mais do que isso.

P/1 – E, Weber, deixa eu te perguntar, nesse teu tempo de Cultura e até talvez na tua fala como radialista mesmo, eu queria te perguntar, tipo, como as cartas permearam talvez os programas de músicas, os outros assim?

R – É assim, geralmente a carta chega... Quem escreve carta tem dois perfis, digamos assim. Hoje em dia, eu recebo uma carta por mês, quando recebo. Tá? Se for até os anos 90, até os anos 2000, era muito maior esse volume. Então as cartas, quem escreve cartas são pessoas mais velhas, idosas, digamos, com pedidos de música sertaneja, basicamente. Ou então outro advogado, um cara mais intelectual, que faz uma crítica datilografada. Então as cartas de pedidos musicais são todas manuscritas. De vez em quando até aparece uma ou outra, são à mão, que é pra Cultura Brasil hoje, antiga Cultura AM. E as cartas pra Cultura FM, nunca manuscritas, sempre ou, sei lá, por computador, ou então datilografada. O que a gente também recebe de vez em quando é uma coisa chamada QSL. QSL é um cartão de gente que ouve a rádio no exterior, pega por ondas curtas, alguma coisa, então eles mandam querendo uma retribuição, então: “Olha, eu vi tua emissora no dia tal, o locutor escreveu tal coisa e terminou com tal coisa, você confirma isso? O sinal, o nível de ruído era dois, o nível de sinal era três”. Tem cinco tipos de parâmetros técnicos. Isso é muito pra rádio amadora que usa, e gente que chama coruja, que fica ouvindo rádio de outros países. Então isso de vez em quando aparecia. Por exemplo, pelo menos uma carta por mês até os anos 90. Hoje em dia não aparece mais, raramente. Esse ano eu recebi um dia uma carta da Finlândia, eu acho, de um cara que ouviu um meio lá e mandou pra mim. É chamado QSL. E nos programas que é música sertaneja, que é uma coisa mais rural, as cartas, todas eram manuscritas. E esporadicamente eu recebo carta, que nem, tem um ouvinte que é apaixonado pela locutora da rádio. Ele é apaixonado, inclusive, por uma voz de uma locutora chamada Fabiana Ferraz, que faz a vinheta da rádio. E ela não trabalha mais comigo há cinco anos. E ele escreve, ele manda uma carta em meu nome falando assim: “Eu estou muito bem por agora, espero que você esteja muito bem também”. E fala que a locutora X fez tal coisa, ele é um ouvinte atento. E pra Fabiana, ele manda uma carta, um envelope fechado dentro do envelope que ele manda. Ele gosta muito da voz, quer dizer, tem essas coisas. Eu fiz uma época o Matéria Prima com o Serginho Groisman. Eu to falando isso em 86. E o que aconteceu? Tinha um cara que não confiava no Correio. Ele vinha de Taubaté entregar carta na portaria da fundação. Ele queria falar com o Serginho, queria entregar. O Serginho: “Porra, acho que eu conheci esse cara aí em Taubaté”. Foi a maior fria do Serginho, que depois o cara começou a vir toda semana entregar uma carta assim, longuíssima. Ele falava que o Correio censurava a carta dele, um absurdo total. Então eu acho que a carta ainda, hoje em dia, ela não é um meio mais utilizado, mas é um meio das pessoas solitárias, que acho que talvez tenha problema de comunicação. Quer dizer, agora, se for pensar, eu recebo cinco cartas por ano, quatro é desse sujeito que gosta das locutoras, das vozes. Então a carta teve um sentido muito nos anos 80, nos anos 90. Nos anos 80 pra mim, particularmente, em razão de conhecer a resposta de um público em relação a um programa criado por mim, e como, digamos assim, material de produção pra programas de música sertaneja, que não era pra mim, era mais pra outra produção, que era feita pela Terezinha Campos. Então carta tinha um monte, então você recebia mais carta basicamente de uma turma de ouvintes. É que você recebe carta, assim, vamos supor que você recebe sem cartas, são de 20 ouvintes, cinco cada um. E hoje em dia não tem mais função. Hoje em dia é e-mail, é Facebook, é e-mail eletrônico, é telefone. A carta não tem mais função. Eu tive... Por exemplo, eu estive na Alemanha em 90, foi logo depois da queda do Muro de Berlim. Existe uma rádio na Alemanha, ou existia essa rádio na Alemanha, chamada Rias. Rias quer dizer, Radio In Sector American. Não, é o contrário, American Sector. Rádio no setor norte-americano. Que era uma rádio de propaganda ocidental no seio da Alemanha Oriental. Então você imagina, Guerra Fria, o que a Rias, o governo americano bancava aquela rádio pra fazer propaganda do ocidente, basicamente. E o que acontece? O governo alemão oriental censurava as cartas que iam pra Rias. Com a queda do Muro de Berlim, o que aconteceu? Ficou liberada essa correspondência. E a Rias recebeu nos primeiros meses 150 mil cartas de ouvintes da Alemanha Oriental dizendo da sua importância pra eles, pra saber as notícias do ocidente, que eles não tinham acesso, porque era rádio de frequência modulada. Cento e 50 mil. Eu fiquei contente no Curumim, que eu recebi 150. Quer dizer, receberam... Então eles fizeram um book, um livro, com as cartas mais emocionantes. Até eu trouxe pra casa isso, não sei se eu tenho ainda. Quer dizer, era a correspondência escrita com uma importância talvez em termos de meio de comunicação. Cento e 50 mil cartas pra uma emissora de rádio num mês. Que o Muro de Berlim caiu em novembro, eu estive lá em março, início de março. Absurdos. Pra emissor de rádio, não pensa nisso hoje. Então é isso.

P/1 – Bom, Weber, eu vou encaminhar essa entrevista para um finalzinho, mas eu queria te fazer só mais umas perguntinhas, eu queria, se você pudesse pontuar pra gente assim, os períodos, ou talvez os divisores de água, aqueles momentos mais marcantes na sua trajetória na Cultura.

R – Tá. Antes eu só queria falar uma coisa de cartas, talvez que...

P/1 – Claro. Claro. Fique à vontade.

R – O que acontece? Eu vejo as cartas iniciais, principalmente da minha mãe, assim, as cartas pessoais, de família. Que pensa na minha mãe morando em São Paulo, com a família no meio rural. Então o que acontece? Existe até hoje isso, uma coisa de linguagem enfática, que é teste de canal, o alô, vamos começar a conversa, você fala alô no telefone. E o brasileiro é muito prolixo nessa linguagem enfática, teste de canal. O Alexandre Grevara, eu falo: “Alexandre, pelo amor de Deus, você vai fazer entrevista com alguém, você fala assim: ‘Vou conversar agora com a Simone Souza. Bom dia, Simone. Qual sua perspectiva do seu novo disco? Bom dia’”. Não é falar: “Bom dia”. Aí ela vai falar: “Bom dia”. “Tudo bem, Simone?” “Tudo bem” “Tudo bem com você?”. E fica aquela enrolação de teste de canal, que pra mim é um pouco irritante. Porque se você faz uma vez por dia, tudo bem, mas se tem três entrevistas, ficam três entrevista: “Bom dia, tudo bem...”. Que não quer dizer nada. É teste de canal. E as cartas pessoais, ela tem esse teste de canal, que mostram três coisas pelo menos, experiência que eu tive, não só de experiência pessoal, como na experiência teste de ouvintes que eu cheguei a ler. Primeira coisa: afetividade; segunda coisa: religiosidade; terceira coisa: medo da língua portuguesa como um louco. Então minha mãe: “Querida mamãe, escrevo essas ‘maus’... Espero que essas ‘maus’ traçadas linhas encontrem a senhora e meus irmãos gozando de plena felicidade, saúde, na paz do santíssimo Deus”. Todas escritas assim, quer dizer, isso mostra três coisas da peculiaridade. E o final é uma coisa apelativa: “Por favor, não demore pra responder, que eu estou ansiosa pra saber as notícias da senhora e dos nossos irmãos. Manda um beijo, tal”. E o que é o meio da carta? O meio da carta é como se fosse um jornal notícias populares, um jornal agora. É assim uma carta: “O cavalo do Décio foi roubado, ele foi a uma festa e ele perdeu o cavalo”. Aí na outra: “Ah, eu pensei em colher dez pés de mamonas, dez sacos de mamonas, mas deu uma seca, caruncharam três, fiquei com dois”. Então eram essas notícias que vinham do interior, que é uma coisa assim, como hoje o telejornal, se não tiver notícia ruim, não tem telejornal. Notícias boas são muito poucas. Então essas cartas pessoais, elas tinham que trazer muito isso. E eram demoradas. Você imagina o seguinte, eu to falando anos 60, basicamente, qualquer carta... Não tinha CEP, não tinha nada, era IBICT, não era Correios, existia uma falta de credibilidade nesse tipo de serviço e, pra agravar, eu não tinha endereço, o Correio não chegava a minha casa, na nossa casa dos meus pais, tinha que ir pra Mooca. Então era um tempo enorme pra ter essa chegada de aflição de saber o que era. E quando você tinha que mandar um dinheiro, então você tinha uns truques: primeiro, mandava carta registrada, que às vezes não recebia. Então tinha gente que falava assim: “Não, eu ponho sabe o quê? O dinheiro no meio da carta”. Porque sempre vinha um pedido de dinheiro nessas correspondências. “Eu ponho papel carbono, que ninguém vai enxergar na luz. Põe na luz, não enxerga que tem dinheiro.” Ou então era vale, vale postal, que era um serviço do Correio, que meu pai usava várias vezes. Até ele contou pra mim semana passada que teve uma vez que não recebeu nenhum vale correio, um vale postal, ele teve que fazer um pedido, depois de três meses foi ressarcido o dinheiro. Então eu acho interessante essa coisa da carta pessoal, pelo menos acho que deve ter diminuído muito no dia-a-dia, de ter essa coisa meio que jornalística, você saber os fatos da família, receber o que tá acontecendo. E os fatos, pra ser notícia, tem que ser alguma coisa que não é boa, geralmente (risos). Ou então assim, eu me lembro de um caso assim, eu lembro até hoje minha mãe falando: “Ih, Ana Maria começou a namorar”. Tá lá na carta da minha avó. “A Ana Maria tá namorando, mas a gente não gosta do camarada.” A outra carta: “A Ana Maria fugiu com o namorado” (risos). Aí acabou minha tia Ana acabou casando com ele. Fugiu pra casar, então eram essas notícias. “Meu Deus do céu, roubaram o cavalo do teu tio. A mamona não deu certo.” Então eram essas correspondências que vinham. Esqueci-me da tua pergunta.

P/1 – Não, então só pra gente finalizar assim, eu vou fazer mais três perguntas só. Era pra você numerar talvez uns pontos divisores de água mais marcantes da tua trajetória na Cultura.

R – Eu acho que um ponto foi o Curumim, que foi um programa. Eu fiz também, 12 anos, o “Estúdio 1200”, que é uma revista, e eu convivi com um cara que eu o adorava no rádio. Eu fiz um programa com o Fausto Canova, fui produtor dele. Eu adorava o Fausto, eu ouvia o Fausto Canova, coincidência. O que eu mais gostei de fazer foi o “Biografia”, porque eu tava de saco cheio de fazer programa de entrevista. Porque na entrevista ficavam: “Olha, eu to com dor de dente, eu quero dar cano em você de manhã”. Quer dizer, você fica com a pauta, não dá certo, tem que procurar. Eu cheguei para o ¬Balvino Martins, falei assim: “Olha, Balvino, eu não vou mais fazer programa assim”. Eu tinha saído do “Estúdio 1200”, eu fiz uma proposta: “Biografia”. Que é assim, um perfil de um artista brasileiro. Foi um projeto... Porque assim, quem tá na produção não é reconhecido pelo público. Eu vou dar um exemplo, eu fazia o “Estúdio 1200”, adorava o MPB4, eu fiz uma pauta com os quatro caras, fiz a repórter fazer, e fiz um especial no final do ano com o MPB4. O Canova não gostava do MPB4, não era estilo dele, não gostava. Pus o programa no ar. Ok. Acaba o programa, quem é que liga pra Rádio Cultura? O Aquiles do MPB4. “Oi, Aquiles.” “Eu queria agradecer o Fausto Canova por ter se lembrado da gente.” Eu falei: “Ah, meu”. Quer dizer, quem pensou no programa nem tá ligando para o MPB4. Então acontece isso. E no Biografia foi o único programa que o público ligava pra mim pra saber quem era o próximo cara. Não queriam falar com o apresentador do programa, queria falar com o produtor, porque reconheceu o trabalho. Então foi marcante. E daí, bicho, eu fiz de tudo lá, eu fiz programa de música... Eu fiz trabalhei com o Serginho Groisman no Matéria Prima, foi um período legal. Eu nunca tinha ouvido opera, eu tive que gravar ópera, gravar concertos. Detestava isso, até hoje não gosto. Fiz transmissão ano passado do Teatro Municipal, que foi uma piração, transmissão da OSEF na Europa, outra piração, o Projeto Faz de Conta. Eu fiz um projeto, que isso também me deu muito prazer, que assim, como eu tinha experiência no Curumim, em 85, acho, 84. Não, é por aí, 83, o Eliã Berrini fala assim: “Olha, Weber, é o seguinte, essa aqui é a pessoa que trabalha... Suzi Sperber o nome dela, ela trabalha na Fundação para o livro esco... Fundação para o livro escolar, ela tem um projeto de incentivar a leitura nas escolas, chama-se Faz de Contas, você topa fazer?”. Eu falei: “Eu topo”. Peguei, bolei cinco programas diferentes, pra quê? Pra estimular a criança não a ouvir, a estudar o português. Esse era o lance. Uma história chamou A casa assombrada, que era um looping. O diálogo inicial acabava no início. O diálogo inicial era o mesmo do final. Usei técnica de gravação externa, usei um monte de coisa. Um programa de ruídos, só de ruídos pra criança. Eu fui gravar na casa de uma amiga minha, ela ficou desesperada, porque eu comecei a quebrar louça, foi um desespero lá, tudo corroídos com o plano. Diferente. Criei um programa de folclore mexendo com os personagens, saci pererê, negrinho do pastoreio. A onça que perdeu as pintas, chamava. A onça que perdeu as pintas. São três. Um jogo que eu tinha ouvido num programa australiano, que era assim, caça ao tesouro, a criança tinha que ouvir e desenhar num papel onde tava o tesouro. Tudo isso num lado. E o último, também inspirado na ideia de um amigo meu, que era O rei que andava jururu, que era um baiano, o Sílvio Varjão, ele falou: “Eu faço. Faço tudo improviso pra você”. Eu cancelei a gravação, falei: “Vou escrever tudo teu improviso”. Escrevi um batatal de improviso pra ele. Que a história é o seguinte, era um rei que tava passando muito e que ele mandou uma carta pra outro reino, e as crianças tinham que criar um jardim encantado pra ele. Então era toda essa trajetória de passar por obstáculos e tudo mais. E no final, o que acontece? Isso foi emocionante pra mim. No final, o rei tava jururu, então chega o cara e fala: “Olha, nós vamos ter um jardim encantado”. E começava a tocar uma flauta, e as crianças... O narrador falava assim: “Olha, quem é abóbora, vira abóbora; quem é abacateiro, vira abacateiro; quem é pé de alface...”. Uma história mais ou menos dessas. E era uma história pra quê? Pra criança ouvir e encenar. Então tinha sempre um monitor. E essa história foi apresentada na Bienal do Livro, no stand da fundação para o livro escolar. O que acontece? Tinha um menino muito esperto, que ele comandava a criançada. E ele já tinha ouvido a história duas vezes e tinha gostado. Então ele comandava a criançada: “Olha, agora vamos dormir, vamos não sei o quê”. Aí chegou na hora da flauta, que todo mundo... Fala assim: “Agora todo mundo vai ficar e o jardim vai nascer”. Começava a nascer, então as crianças iam subindo, ia cada um se transformando em flores, aí o rei: “Olha, o jardim, tá me dando alegria”. Então salvava o rei. O que acontece? Esse moleque, em vez de ser o jardim, ele virou flautista. Ele se posicionou na posição de flautista, ficou tocando a flauta e o jardim nascendo. Uma coisa espontânea, que eu jamais esperava ter isso. Foram distribuídas dez mil fitas cassetes, dois volumes com essas cinco histórias pra sala de aula. Eu não sei que foi feito com isso, eu só sei o seguinte, no ano 2000, 2002, liga uma professora dizendo pra mim: “Olha, eu to pegando, porque eu tenho uma fita cassete assim, assim, eu dou para meus alunos, e eu queria o volume um, que eu só tenho o volume dois”. E eu tenho uma cunhada que trabalha com fonoaudiologia, que também trabalha com esse material. Que era pra ser... Era um material de apoio para os professores, mas, olha, se você falar: “O que aconteceu?”. Eu não sei. Mas teve essa experiência de O rei que andava jururu, muito interessante da criança. Em vez de ser o jardim, ser o flautista.

P/1 – Muito bom.

R – Tá bom?

P/1 – E, Weber, pra gente encerrar, eu só queria te fazer duas perguntas: fale só um pouquinho do seu dia a dia hoje, tua família, e o que você acha desse projeto assim, dessa...

R – Olha, acho importante esse projeto, porque são histórias... Vocês devem ter histórias do arco da velha aqui, né? Eu espero que algumas dessas histórias sejam pertinentes ao projeto que vocês estão fazendo e que de certa forma dê pra mapear a história da carta no Brasil. Então vocês estão de parabéns por essa iniciativa. Na minha vida profissional hoje eu coordeno duas produções de rádio: uma, a Cultura Brasil; outra, a Cultura FM. E assim, sempre atentando levar o público ao melhor nosso, dentro de das condições que nós temos. Às vezes faço papel de chato, de cobrança, e sempre tenho uma preocupação também com a memória. Então eu discuto muito com meus produtores como arquivar um material, como catalogar corretamente, como passar a informação, porque uma entrevista hoje que você não dá importância, de repente daqui um ano, daqui dois anos, vai ser de grande valia, não só pra você, mas como pra sociedade. Então eu brigo muito com a equipe de produção de catalogar as coisas de maneira correta, pra que o que nós estamos fazendo não sirva só pra nós, sirva... Quando as pessoas forem embora da Cultura, por motivo A, B ou C, quem vier pode recuperar isso. O que mais você perguntou?

P/1 – Casado, tem filhos?

R – Eu sou casado, não tenho filhos, meus pais ainda estão vivos. Quer dizer, sempre tenho encontros familiares com eles semanalmente, tal. Tem o meu sogro que a gente cuida também. Normal, não tem muita coisa especial. Gosto de sol. Na verdade, eu sou... Se fosse me definir, eu sou um grande vagabundo que não deu certo (risos). Eu trabalho muito, também dou aula. Eu não falo mais isso, mas costumava brincar o seguinte: eu gostaria de ter um harém de mulheres me sustentando. Na verdade, eu tenho que sustentar um monte. É isso aí.

P/1 – Bom, Weber, eu agradeço muito a tua participação no projeto. Parabéns pela tua história de vida.

R – Tá. Eu agradeço a atenção de vocês.