P/1 - Santos, 25 de Junho de 1999, Projeto Museu do Santos Futebol Clube, entrevista com Clodoaldo Tavares Santana, entrevistado por Rosali Henriques e Fábio Franzine. Bom dia, seu Clodoaldo.
R - Bom dia.
P/1 - A gente gostaria de começar pedindo para que o senhor falasse seu nome completo, data...Continuar leitura
P/1 - Santos, 25 de Junho de 1999, Projeto Museu do Santos Futebol Clube, entrevista com Clodoaldo Tavares Santana, entrevistado por Rosali Henriques e Fábio Franzine. Bom dia, seu Clodoaldo.
R - Bom dia.
P/1 - A gente gostaria de começar pedindo para que o senhor falasse seu nome completo, data e local de nascimento.
R - Eu nasci em Aracaju, no dia 25/09/49.
P/1 - Nome dos pais do senhor?
R - Irineu Vicente Santana e Petrina Tavares de Almeida.
P/1 - E o senhor viveu em Aracaju até quando?
R - Vivi até os seis anos de idade, quando perdi meus pais e vim morar em Santos, mais precisamente na Praia Grande com o meu irmão.
P/1 - E o senhor veio pra Santos e como foi a infância do senhor aqui em Santos?
R - Bem, primeiro uma infância difícil, né? Bom, ia à Praia Grande com o meu irmão a gente trabalhava. Eu tenho um irmão que tomava conta de colônia de férias, casa de temporada, e eu ainda muito criança ajudava nessa tarefa também de zelador de colônia de férias. Depois da Praia Grande eu vim pra Santos, morei com a minha irmã em santos durante muito tempo também aqui.
P/1 - E como é que apareceu o futebol na vida do senhor?
R - Bem, o futebol foi uma coisa... aquele futebol de rua, de bola de meia, que não se usa mais, né? Aquelas peladas em rua de paralelepípedo. A gente até pergunta... que hoje em dia você pergunta para alguns que jogam bola: "Já arrancou uma unha do dedão? Já deu uma tropeçada jogando bola?" (risos) Quer dizer, porque a gente usava muito bola de meia, como era muito pequena às vezes a gente chutava o paralelepípedo ao invés de chutar a bola. (risos) Então ficava muitas vezes sem a ponta do dedo. Então o futebol, eu acho que como todo garoto, começa por aí, né? Com a bola e depois vai, até formar uma equipe. Dentro lá de onde eu morava, Vila São Bento, que é um bairro chinês, ali eu tive um início, praticamente como uma pessoa que já gostava muito de praticar o esporte, principalmente o futebol. Então nós formamos um time assim, de garotos, assim numa faixa de dez a 12 anos de idade, se chamava Sociedade Esportiva Terra dos Andrades, o SETA, e posteriormente eu fui jogar numa grande equipe da várzea de Santos, que foi o Barreiro, que era uma grande equipe formada com grandes jogadores, inclusive dali saíram vários jogadores para o futebol de Santos e interior de São Paulo, e ao mesmo tempo eu fui jogar pela Liga Santista, aí com 15 anos de idade, no grêmio do apito, que tinham alguns árbitros inclusive, como Romualdo e _________, que jogavam na época, no amador, que eram um pouco mais velhos do que eu, e então daí eu jogando no Barreiro, jogando no grêmio do Apito, eu tive a oportunidade de ser observado por meu querido e amigo e protetor Ernesto Marques, que foi o descobridor de vários talentos do Santos Futebol Clube, e devo à ele tudo o que eu consegui na minha vida profissional, e diria até como homem, porque é uma pessoa simples, que levava alguns jogadores que passavam necessidade pra dividir um pouco do seu pão que ele tinha na sua casa. Então um homem extraordinário. Eu e vários atletas devem muito a esse homem que já se foi desta vida, mas com certeza marcou história na vida do Santos Futebol Clube.
P/1 - Ele era treinador...
R - Ele era treinador da equipe de infantis do Santos, Ernesto Marques.
P/1 - E ele o viu jogar na várzea?
R - Me viu jogar na várzea e me viu jogar no grêmio do Apito também, que eu joguei contra o Santos. Era da Liga Santista e aí então ele me observou jogando uma vez contra a equipe do Santos, eu joguei muito bem nessa partida e depois também ele acompanhou o meu desempenho na Sociedade Esportiva Barreiros. E daí fez muita luta pra me trazer para o Santos, foi me buscar, ia no bairro chinês, ia lá na Vila São Bento me buscar. E eu tinha que trabalhar, numa ocasião perdi até meu emprego. Eu trabalhava numa Companhia de Armazéns Gerais, Companhia Produtora de Armazéns Gerais, e o seu Ernesto insistia muito com esse negócio de futebol, mas eu precisava trabalhar, era o meu sustento, né? E eu ajudava com esse dinheiro dentro de casa também, com a família, mas de tanto ele insistir eu faltava de vez em quando pra poder comparecer aos treinamentos, porque eu não tinha condição física. Ele falava pra mim: “Olha, você só precisa melhorar um pouco sua condição física.” Então eu comecei a faltar uma vez por semana ao trabalho e isso me custou o emprego, graças a Deus e graças ao Ernesto Marques, porque assim eu saí da Companhia, aí passei a me dedicar ao futebol, logo depois que eu fui mandado embora da Companhia Produtora de Armazéns Gerais, então começou a minha vida e a minha história dentro do Santos Futebol Clube porque aí ele me levou pra morar no Santos, então o Santos começou a ser a minha família, passou a ser a minha casa. E isso aí eu acho que 1965, se não me engano. Eu já morava dentro do Santos Futebol Clube. E eu ainda estou dando risada porque eu começo a lembrar algumas coisas e é interessante porque o alojamento é embaixo da arquibancada, e no verão, você imagina você dormir embaixo daquela arquibancada. Então à noite eu e mais alguns jogadores, nós transportávamos os colchões pra cima da arquibancada e dormíamos em cima da arquibancada, né? Que era mais fresco e tal. Isso é história... uma coisa muito interessante e bonita que a gente tem pra contar.
P/1 - Com quem o senhor dividia o alojamento nessa época?
R - Ah, tinham vários. Tinha o Edú, tinham outros que eu não lembro o nome, alguns jogadores que vinham de fora, porque alguns como o Caneco, o Werneck, Douglas, residiam em Santos. Eram mais jogadores que vinham do interior e que moravam ali no departamento amador do Santos Futebol Clube. Eu lembro apenas do Edú, tinham outros nomes assim, mas um dos mais consagrados, tal, que eu posso lembrar, que dormia ali também, que vinha de Jaú, então nós dividíamos um pedaço. Não sei se ele ficava no mesmo quarto que eu, mas com certeza ele ficava nesse alojamento.
P/1 - Aí o senhor passou a viver a rotina do futebol? E jogando nas equipes inferiores...
R - Isso, no infantil. Joguei um ano, me consagrei campeão logo no primeiro ano, infantil do Santos, e foi uma trajetória assim, muito rápida, porque no ano seguinte já estava jogando no juvenil, cheguei a jogar nos aspirantes e ao mesmo tempo, já em 66, já no finalzinho de 66 eu já fazia parte até de uma equipe mista que tinha vários jogadores assim, consagrados, do futebol, porque o Santos tinha um time invejável, desde sua equipe principal até os reservas. Então era Rossi, Salomão, Joel, Djalma Dias... então jogadores de grande qualidade e eu comecei a fazer parte dessa vida aí, com esses jogadores. Então aquilo pra mim já era o máximo, né? Você imagine então depois sentar no banco ao lado desses jogadores como reserva até e claro, sem contar com o esquadrão principal que eu não falei ainda. Mas esses jogadores, inclusive que eu citei, vários deles formaram na equipe principal também.
P/1 - Pois é, e o senhor acompanhava o futebol antes de ir para o Santos e o senhor certamente acompanhava o time do Santos. Viu a campanha do Bi? Como é que foi? O senhor poderia contar?
R - É, eu era muito garoto ainda em 62, 63, eu morava ali na Vila São Bento, que é a entrada da cidade, e claro, quando o Santos passou eu estava ali como garoto ainda, né, esperando que a equipe do Santos passasse no caminhão do Corpo de Bombeiros, e a gente aguardou com muita alegria a chegada dos jogadores do Santos, e eu desde a minha infância ainda, nessa fase de dez a 12, até os meus 15 anos eu ia assistir jogos na Vila Belmiro, tentava pular o muro, apanhava, né, porque tinha naquela época a cavalaria, então não deixavam que a gente pulasse o muro da Vila Belmiro. De qualquer forma eu acompanhei, vi a chegada do Santos naquela ocasião, de 62, de 63, mas era um sonho. Jamais poderia imaginar que um dia eu ia estar passando por ali também, como foi a minha chegada da Copa do mundo e outros títulos que eu conquistei pelo Santos Futebol Clube.
P/1 - Aí o senhor estava dizendo da carreira, que foi uma carreira muito rápida... quando o senhor chega à equipe principal efetivamente?
R - Final de 66, já então o técnico, na época, o Lula, era o técnico do Santos, mas ele estava saindo, e seu Antoninho Fernandes, que foi um grande jogador, consagrado pelo Santos Futebol Clube, depois como técnico também, então já aí eu fui lançado na equipe principal pelo seu Antoninho. Então eles escolheram o melhor das equipes de base, como premiação, uma viagem ao exterior com a equipe principal, né? Isso no final de 66.
P/1 - Que belo prêmio!
R - Ele estava entre eu e o Negreiros, que era um outro jogador que saiu da várzea, que é meu amigo, meu irmão até, com amizade muito grande com o Negreiros, porque temos amizade desde essa época em que jogávamos no Barreiro, e então eu fui escolhido, né? O Negreiros ficou pra próxima excursão. Logo em seguida ele também foi promovido à equipe principal, se tratava de um grande jogador também. Então eu fiz uma excursão... você imagina, né? Eu muito jovem ainda, com 17 anos, isso era o máximo já pra mim, viajar. E na época o nosso dirigente, o Nicolau Moran, como eu morava no Santos, eu tinha casa e comida e tinha uma ajuda de custo, assim, tipo vinte reais, vamos dizer, que era uma coisa assim, mais para um cinema e tal, que a gente não podia sair muito à noite, a gente tinha uma ajuda de custo que era exatamente para o lazer. Era mais uma condução ou então um cinema, qualquer coisa dessa natureza. E o Nicolau Moran, que era o vice-presidente de futebol, na época, quando eu estava embarcando ele falou assim: “Olha, quando você voltar, se você voltar como titular, eu vou lhe dar cinco mil cruzeiros - na época era, vamos supor, cinco mil reais - pra você comprar de roupa.” Porque eu tinha mania de comprar, sabe, o dinheirinho que eu ganhava eu queria ir lá na cidade comprar umas roupas. Então ele falou assim: “Se você voltar como titular, ou na equipe principal, pelo menos como reserva, eu vou lhe dar um prêmio de cinco mil cruzeiros, na ocasião, pra você comprar tudo de roupa.” (risos) E foi interessante porque foi uma excursão longa, nós fizemos uma excursão maravilhosa, jogando com adversários muito fortes, e eu tive a oportunidade nessa excursão de jogar então já com o Pelé... Aí vem a história, né? Aí entra aquele timaço que o Santos tinha: Carlos Alberto, Joel, Hildo, Geraldino, Zito, Mengálvio, Coutinho, Dorval, Edú, Toninho Guerreiro, Gilmar, Laércio e... Nossa, eu não posso esquecer nenhum aqui porque senão... (risos) Edú, Abel, Pepe... Então, você imagina, dava pra formar duas seleções brasileiras aí com esse esquadrão do Santos. Então eu me vi assim, diante dessas feras, pessoal, atletas consagrados no Brasil e no exterior. Então eu muito garoto, assustado até, mas aos poucos fui ganhando a simpatia, a confiança desse grupo, que passaram a me dar apoio, e de repente eu me vi formando o meio de campo, do lado do Lima, do Zito, do Mengálvio, até que chega... Nessa própria excursão teve um jogo que o Zito eu acho que estava resfriado, tomou um banho de piscina, né? Muito frio e ficou resfriado, não pôde jogar e o seu Antoninho estava com receio de me colocar pra jogar, porque eu era muito jovem e enfim, ele optou pela minha escalação e eu acabei me destacando e sendo um dos melhores em campo, e o meu primeiro jogo, até nessa excursão, foi na Colômbia, que o time estava perdendo de dois à zero e eu entrei no lugar do Zito, por problema de altitude, então os jogadores já estavam sentindo muito cansaço, o Zito saiu, eu entrei faltando uns vinte minutos e acho que na primeira bola, coisa que é raro até pra mim, porque eu era... Era não, sempre fui um jogador mais defensivo do que atacante, mas sei que num momento de lucidez eu fui pra frente, fiz um gol muito bonito e o Santos perdeu de dois à um. Mas eu já estreei bem, quer dizer, além de jogar o primeiro jogo, consegui fazer um gol e daí então eu acho que eu comecei a ganhar mais confiança do grupo, que tinha esses jogadores todos consagrados e principalmente do técnico. Até chegar esse jogo que o Zito então não pôde jogar e eu joguei ao lado do Lima, se não me engano. Me destaquei como um dos principais jogadores da equipe, não sei se foi contra o River Plate, e depois nós saímos para fazer mais alguns jogos até chegarmos à um torneio em Santiago do Chile. E lá havia muita dúvida, se eu ia jogar, se eu não ia, tal, se achava muito jovem, muita responsabilidade, mas aí eu tive o apoio de todos, do Zito, do Mengálvio, do Carlos Alberto, Gilmar, do Laércio, do Cláudio também, que fazia parte... Do grande goleiro Cláudio, que eu tinha esquecido. Tá vendo? Eu não posso esquecer ninguém que depois eles cobram, não é isso? (risos) Então a gente não pode se esquecer de todos esses amigos. Então eu voltei - pra encurtar um pouco a história dessa excursão - eu retornei praticamente quase como titular, né? Eu sei que retornou, no Brasil fui muito homenageado e elogiado pela imprensa que cobria os jogos do Santos no exterior e a própria imprensa local já comentando que estava surgindo um novo substituto do Zito, e isso me aumentava assim, aumentava a minha responsabilidade, porque o Zito pra mim foi um dos maiores do mundo nessa posição, como médio-volante, liderança, capitão do Santos, Seleção Brasileira... Então eu substituir esse monstro consagrado, que eu tenho admiração muito grande por ele, não só como atleta, mas como homem exemplar que é, você imagina a responsabilidade que eu estava assumindo diante dos olhos do mundo, porque eu estava assumindo, não é só no Santos, eu estava assumindo o capitão da Seleção Brasileira. E isso pra mim me assustou muito. Mas pra minha surpresa... Não devia ter a surpresa não, porque eu só podia esperar isso dele, né? Do próprio Zito, me deu muito apoio, e foi ele exatamente que numa ocasião, num jogo aqui em São Paulo, não sei se foi contra a Portuguesa, ao escalar o time. Como eu ia jogar com ele no meio de campo, e ele era dono da camisa cinco, absoluto, e de repente ele vem e troca a camisa. Me dá a cinco e fala: “Essa daqui para a frente é sua e eu vou jogar com a oito.” Então foi muito... É muito legal, né? Muito... Maravilhoso, é uma coisa assim, de uma pessoa que eu guardo muita alegria e respeito por ele, não só por esse ato, mas pela pessoa que ele representou como atleta e como homem enquanto esteve no Santos Futebol Clube.
P/1 - Uma característica de todos os depoentes que passaram pelo Santos desde a década de 50, dos anos 60 é essa, de enfatizar que a união do clube, do grupo era muito forte.
R - É. Muito... quer dizer, existia uma união, as brincadeiras que existiam, as batucadas, porque geralmente o Santos saía daqui em começo do ano, então carnaval a gente geralmente passava no exterior, então a gente já saiu daqui com tambor, tamborim, pandeiro, bumbo, né? Então tinha uma turma assim, como o Joel, Haroldo, Edú... Tinha uma turma... Hildo, que gostava de fazer uma batucada e geralmente nós passávamos o carnaval fora do país, né? Então existia uma união. Claro que com o tempo da excursão a saudade ia apertando, aí o mau humor ia chegando, a saudade da família, dos amigos, da sua casa, dos filhos, da esposa. E claro que mesmo com toda essa união sempre tinha aqueles pegas de vez em quando, né? Principalmente em final de excursão a gente começava a falar: “Olha a pilha tá acabando.” Porque quando a pilha acaba a coisa começa a pegar, né? Então nós usávamos muito esse termo, de que a pilha já estava terminando, para o cara não brincar muito, não cutucar, né? “Não cutuca porque eu já estou sem pilha.” O Pepe, que tinha as suas histórias pra contar, né? Eu não sei se o Pepe já fez aqui o seu depoimento.
P/1 - Já fez.
R - Um grande abraço ao Pepito, um cara maravilhoso também. E a gente se divertia muito, até hoje nos divertimos muito com as coisas que o Pepe conta, inclusive acho que está prestes a lançar seu livro, não sei se já lançou. E irá contar muitas histórias aí, né?
P/1 - O senhor também participou de todas as campanhas vitoriosas do Santos desde que entrou no time, né? O senhor poderia destacar alguma? Algumas passagens marcantes de sua carreira como jogador no Santos e depois falando da Seleção?
R - Eu tive já essa excursão que eu considerei assim, uma vitória, porque eu não sei se o Santos voltou invicto dessa excursão. Depois já entramos no campeonato de 67, o meu primeiro título paulista, que eu disputei, já conquistei também. Depois veio o de 68, depois veio o de 69, aí deixamos um pouco para os nossos rivais, né? Aí demos uma pausa, voltamos a ganhar em 73, depois só fomos ganhar o outro em 78, quer dizer, foram então os cinco títulos paulistas que eu conquistei. Aí vários torneios internacionais, como o de Santiago do Chile, Mar del Plata, enfim... Uma carreira que eu considero... Torneio Rio-São Paulo... então eu acho que posso dizer que fui um privilegiado. Primeiro de jogar ao lado de todos esses jogadores consagrados, jogar ao lado do atleta do século, do Rei Pelé, que é para mim um exemplo de homem, de ser humano, pela sua simplicidade, sua integridade, e eu tenho realmente esse privilégio de ter participado da sua vida profissional, e hoje tenho o privilégio de conservar essa amizade também como os demais jogadores do passado que jogaram comigo, outros que eu não tive oportunidade de jogar... esqueci do Mauro, a gente vai lembrando alguns... Mauro, seu Olavo... já falei do Geraldino... então é importante que a gente possa citar o nome dessas pessoas porque todos eles foram muito importantes na vida do Santos Futebol Clube, e na minha vida profissional também, porque cada um deles contribuíram um pouquinho pra que eu pudesse ter o sucesso que eu tive no Santos Futebol Clube.
P/1 - O senhor mencionou o Pelé, e o senhor faz parte de uma geração que é uma transição, né, do final da era do Pelé até o surgimento dos Garotos da Vila.
R - É, que eu fiquei, eu fui o único que permaneci em 78. Nós formamos uma equipe aonde o presidente ________ reformulou e eu não era o mais velho eu acho até, não, mas era o mais antigo dentro do clube, então nós formamos uma equipe mesclada com alguns garotos, né, que foi chamado Garotos da Vila, com alguns jogadores experientes, como o caso do Gilberto e o Nelsinho, que vieram do São Paulo, o Airton Lira, o Neto, o Joaozinho, o Vitor, o goleiro que veio do Cruzeiro, aí tinha como prata da casa eu, que já estava jogando, já aí neste momento, já em 78 já enfrentava problema de joelho que me atrapalhou bastante a minha carreira, mas eu consegui fazer um bom campeonato em 78 ao lado desses garotos. Aí eu formava com o Airton Lira e o Pita, que foi prata da casa, o Batata, que não foi criado, mas praticamente começou, o Newton Batata, o Joari, que era prata da casa e o João Paulo também, que veio do Rio de Janeiro, mas muito jovem, foi praticamente feito no Santos. E aí em 78 o Santos tinha essa mescla de alguns jogadores experientes, eu o Airton Lira, o Gilberto, o Joãozinho e aí tem o José Carlos, tinha o Antoninho Vieira, tinha o Claudinho, tinha o Rubens Feijão, o Pita, que já citei, Joari, que depois se tornou uma realidade também. Enfim, foi meu último título paulista jogando ao lado desses Garotos da Vila Belmiro. Depois, daí para a frente eu praticamente joguei pouco no Santos, me despedindo, assim, no final de 79, encerrando minha carreira, minha passagem como atleta profissional do Santos Futebol Clube.
P/1 - E Seleção, Clodoaldo, quando se dá a sua primeira convocação?
R - Olha, a Seleção eu tive a primeira convocação em 68, mas eu não participei dessa convocação porque o Santos tinha um compromisso no exterior e o compromisso pedia a presença de todos os titulares, então eu fui dispensado dessa primeira convocação.
P/1 - Era o que? Era para um amistoso, alguma coisa assim?
R - A da Seleção era para alguns jogos amistosos, também na Europa. E o Santos também, na mesma época, na mesma data que a Seleção ia jogar na Europa, o Santos também saía para jogar na Europa e até muitos falaram: “Ah, eu prefiro jogar no Santos do que jogar na Seleção.” Claro que pesava, porque o Santos tinha principalmente que levar o Pelé, então era uma coisa assim, contratual até, a presença do Pelé. Era fundamental, senão até os amistosos aí seriam cancelados. Então a Seleção às vezes tinha que abrir mão disso. O Pelé já não podia participar dos amistosos e o Santos saía para fazer seu jogos no exterior... E então foi a primeira convocação que eu tive, depois em 69, nas eliminatórias, que nós participamos, até chegarmos então à Copa do Mundo de 1970. Eu estava ali disputando ainda uma posição, não estava como titular, embora já tivesse sido campeão pelo Santos, já tivesse uma boa experiência, mas ainda era muito jovem, comecei no Santos com dezessete, e até chegarmos à Copa de 70 eu então estava com vinte anos apenas. Era muito jovem, mas eu já vinha de uma bagagem muito grande pelo Santos de jogos internacionais, torneios, enfim, e isso me credenciava a disputar uma posição na Seleção Brasileira com todos os outros atletas que estavam ali buscando uma posição de titular da Seleção do Brasil. Até então chegávamos perto da Copa, eles tinham muitas dúvidas ainda sobre a equipe, houve mudança na equipe técnica, no comando técnico, saindo o João Saldanha para a entrada do Zagallo, até então o Zagallo encontrar a sua fórmula ideal, né? Sua equipe, que ele considerou ideal para disputar a Copa, então aí eu passei a ser o titular da Seleção, mas até pertinho da Copa, do início da Copa, ainda eu não tinha certeza de que eu seria titular durante a Copa do Mundo. Existia alguma dúvida ainda, assim, na comissão técnica, do próprio Zagalo, embora eu tivesse o apoio de jogadores, como o Carlos Alberto, o Pelé, eles diziam: “Não, o Clodoaldo é importante nessa função, no meio de campo ali, ajudando a retaguarda, a defesa.” Aí o Zagalo optou pela minha escalação e graças a Deus conseguimos a conquista do campeonato no México.
P/1 - Antes da gente falar um pouco mais da campanha do México, só queria voltar à sua primeira convocação, né? O senhor foi convocado com dezoito para dezenove anos. Qual foi a emoção?
R - É, dezoito anos já estava na Seleção.
P/1 - Como foi receber a notícia da convocação?
R - É, a notícia é porque você vai sentindo a convocação, porque no momento que você se destaca, como eu já falei, principalmente numa posição que eu estava substituindo um jogador consagrado como o Zito, a própria imprensa... Quer dizer, ao substituir o Zito automaticamente isso me credenciava a ser convocado.
P/1 - Seria um caminho natural?
R - É. Então a imprensa entendia isso, né? E eu percebia que o caminho era esse mesmo, que ao substituir o Zito no Santos, que o meu caminho seria também acontecer o mesmo na Seleção Brasileira. De qualquer forma existia uma expectativa, se eu iria ser chamado, então... até sair a convocação, porque todos já falavam, né, antes de sair a convocação: “Você vai ser chamado, você vai ser convocado.” Mas fica aquela expectativa, né? Aquele sonho, de noite você fica pensando: “Amanhã vai sair a convocação.” Então é uma emoção muito grande, eu muito jovem ainda, me dedicando mais ao Santos Futebol Clube. Claro que o sonho era chegar à Seleção Brasileira, mas eu queria neste momento que fosse a Seleção Brasileira demonstrar também da minha luta, de reconhecimento da minha vida ao Santos Futebol Clube, que seria também aí, no caso, um reconhecimento de tudo aquilo que eu recebi do clube, de me levar para morar na Vila, de me amparar, de me dar uma proteção. Então isso tudo fazia parte do meu projeto de chegar à Seleção Brasileira como um agradecimento também ao Santos Futebol Clube, que me formou, que me criou como atleta, como homem, tentou me dar um lar praticamente, porque eu sempre digo que a Vila Belmiro foi e é minha casa e será eternamente. Então é uma emoção, e uma coisa de chegar à Seleção Brasileira nesse momento, com essa idade, eu acho que é uma responsabilidade para qualquer atleta que possa chegar à Seleção muito jovem ainda, como alguns que hoje chegam, né? O caso de Ronaldinho, que saiu do país muito jovem ainda e que assumiu uma responsabilidade muito grande dentro da Seleção Brasileira, tendo ele muito jovem ainda que resolver as coisas para a Seleção, o que não era o meu caso, né? A minha função era outra. A do Ronaldinho era mais a de fazer os gols para decidir as partidas...
R - Mas nessa função aí tinha o Gerson, o Rivelino, o Pelé, o Gerson, Jairzinho, enfim, Rivelino... E a minha função era a de dar uma proteção mais defensiva à Seleção do Brasil. Foi nessa função dentro do Santos Futebol Clube que eu me consagrei e que me destaquei.
P/1 - Aí, então, passando para a Copa de 70, você poderia falar as suas impressões sobre a campanha na Copa do Tri?
R - Então, a campanha nós podemos falar sobre a união que você falou e frisou sobre a união do grupo, dos jogadores dentro do Santos Futebol Clube. Essa união em 1970 foi fundamental para a conquista da Copa, desde os treinamentos dentro da Seleção, do momento de reflexão que nós tínhamos, da oração que nós fazíamos todos os dias, o convívio dia a dia, a hora de lazer, a hora de jogar um pingue-pongue, um snooker, fazer com que o Rivelino me carregasse nos ombros, porque ele sempre perdia no snooker. (risos) Então nós fazíamos uma aposta, quem perdesse, enfim, existia uma união muito grande, e isso foi fundamental para que o Brasil tivesse sucesso. Claro que dependia também de um todo, de uma estrutura que foi dada à Seleção Brasileira em 1970. O Brasil teve desde o seu comando, da chefia da Seleção Brasileira, desde o seu presidente, João Havelange, Gerônimo Bastos, Capitão Coutinho, Carlinhos, que fazia parte da comissão técnica... Nós tínhamos um regime muito forte, podemos dizer até um regime militar dentro da Seleção Brasileira, mas isso fazia com que os jogadores se sentissem praticamente em busca de um só objetivo, de uma conquista, porque nós tínhamos eu acho que um todo dentro da Seleção, a gente percebia que havia assim, um convívio muito bom e que o objetivo de todos era realmente a conquista, desde o comando, como eu já falei, do presidente, do chefe da delegação, até chegar na comissão técnica e no grupo de jogadores que estavam muito unidos e que realmente a gente iria buscar aquela conquista. Foram meses de sacrifício, né? Hoje a Seleção não fica tanto tempo assim, retirada como nós ficamos em 1970, nós passamos 21 dias, praticamente isolados num castelo, nos preparando ali, o convívio da imprensa foi muito importante, porque a imprensa mantinha um contato com os jogadores, mas foi uma preparação muito forte que eu acho que valeu a pena todo o sacrifício porque realmente... não preciso falar mais nada da história, da conquista da Copa de 70, eu acho que todos vocês já conhecem um pouquinho, né? Então foi uma conquista muito importante, uma emoção, foi minha primeira Copa do Mundo, e claro, saí do México com a conquista, com aquela sensação de missão cumprida, né, de que realmente eu estava retribuindo. Como eu já disse a respeito do Santos, você retribuir um pouco ao Santos neste momento você está retribuindo tudo ao seu país, à sua pátria, então isso eu acho, que não dá nem pra você passar o que você sente no momento em que você vê o término assim, da Copa do Mundo, da conquista e você está ali naquele momento com a certeza de que cumpriu a sua missão. Aí você começa a pensar na sua pátria e no seu povo, né? “Puxa, como será que está lá no Brasil? O que estará acontecendo neste momento? Uma festa, né? Povo alegre, com alegria.” Quer dizer, então isso é uma emoção muito forte que você sente no momento em que termina assim, o jogo, a última partida. E eu muito jovem, eu nem sabia o que fazer. Se eu chorava, se abraçava, se gritava. Mas foi muito importante essa conquista, não só pra mim, mas como eu acho que naquele momento para o povo brasileiro que estava até precisando de um grito assim, de vitória, do país se levantar. E foi muito importante essa conquista.
P/1 - E como foi a chegada em Santos, a recepção?
R - É, a chegada foi aquele negócio, né? De eu viver aqueles anos de 1962, quando eu ainda muito garoto ali na entrada da cidade esperando o Santos chegar, o Santos de Pelé, de Carlos Alberto, de tantos craques, e de repente eu chegar no meu país consagrado com a conquista da Copa do Mundo de 70, chegar no Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, quer dizer, depois então por último a nossa cidade, Santos, que nos recebeu com muita alegria, houve muita festa desde a entrada da cidade até o Gonzaga na Praça Independência, o Parque Balneário que existia ainda em 1970, então foram assim, muitos meses de comemoração. Então você recebia parte das autoridades, do governo, prefeito, enfim... sempre tinha uma homenagem, então passamos alguns meses ainda desfrutando daquela conquista.
P/1 - O Santos tinha quatro jogadores na Seleção?
R - Nós tínhamos eu, o Edú, Carlos Alberto, o Pelé e o Joel, cinco. Não posso esquecer. (risos)
P/1 - E aí voltando para disputar o campeonato Paulista com essa...
R - É, logo em seguida, eu acho que... Não sei se um ou dois dias depois eu já estava no gramado da Vila Belmiro, com as meias arreadas do cansaço, né? Porque muito cansado da viagem, das comemorações, das homenagens recebidas, mas acho que dois dias depois, se não me falha a memória, eu já estava jogando na Vila Belmiro. Não joguei o jogo todo, mas iniciei a partida, depois no segundo tempo fui substituído, porque não tinha condições físicas de atuar o jogo todo, mas já estava novamente na ativa, não tinha muito tempo para descansar não. O Santos naquela época... eu não sei se o Pepe contou aqui, mas tinha um ditado que o próprio Pepe dizia, que o Santos treinava no avião. (risos) Porque nós não tínhamos tempo para treinar, nós jogávamos quase todos os dias, quando tinha uma folga existia vários convites para que o Santos pudesse jogar ou no Brasil ou no exterior e aí íamos nós, né? Então era uma coisa assim, fantástica, mas nós gostávamos de fazer aquilo, fazíamos com alegria, porque tudo na vida você tem que fazer aquilo que você gosta e fazer com alegria, então ninguém reclamava, não. Cansava um pouco, tal, das viagens. Eu sempre fugia um pouco do avião, que até hoje ainda tenho pavor do avião, mas eu tinha que enfrentar as viagens longas, né, cansativas. Muitas das vezes até chegávamos em alguns países em que nós descíamos do aeroporto e a bagagem ia para o hotel e nós já íamos dali direto para o estádio. Então você imagina, o adversário já dentro do estádio, aquecido, e nós chegando ao estádio no momento do jogo depois de uma viagem longa... então era uma super equipe, né, porque enfrentar tudo isso e depois chegar dentro de campo, ainda representar o futebol do Brasil e bem, ser aplaudido às vezes por 40, 80 mil pessoas que lotavam o estádio... e essa era a nossa vida, uma vida corrida dentro do Santos, porque nós jogávamos dentro do Brasil, mas o Santos tinha mais convite do que a própria Seleção Brasileira pra jogar no exterior, então era uma vida assim, de muita correria. Treinamentos aqui, as competições... não existia o Brasileirão, existia o Rio-São Paulo, o campeonato Paulista, alguns torneios, enfim... e as excursões que o Santos todo ano recebia convites pra jogar no exterior. Mas nós fazíamos isso com muita alegria, né? Você está fazendo aquilo que você gosta, né? Nada melhor do que você fazer o que você gosta e fazer com alegria. Então o grupo se sentia muito bem jogando futebol, e o Santos em alta, ganhando tudo o que podia se ganhar naquela época, então eu acho que é uma carreira aí com muito sucesso, com muita alegria e eu estou sempre agradecido a tudo isso que eu vivi no Santos Futebol Clube e vivo até hoje.
P/1 - E aonde era mais difícil jogar, Clodoaldo? No interior paulista ou nas excursões pelo exterior?
R - Não, no interior de São Paulo era muito difícil porque as equipes do interior tinham na ocasião uma equipe muito forte, tinham sempre três ou quatro jogadores de grande nível, sabe? E isso era complicado, nós tínhamos dificuldades para ganhar no interior. Claro que o Santos às vezes encontrava alguma facilidade, às vezes conseguia ganhar de quatro, cinco, seis pela grande equipe que tinha, mas eram jogos muito difíceis. Agora, no exterior, pela qualidade, dependendo dos adversários que nós enfrentávamos, ainda mais pelas viagens, né, a falta de tempo para treinamentos, enfim, nós enfrentávamos adversários difíceis já. Empatávamos, vencíamos... claro que às vezes mais vencíamos do que perdíamos, até algumas excursões voltávamos invictos. Quase 60 ou 70 dias você viajando pelo exterior e você voltar depois invicto de uma excursão longa e cansativa e enfrentando adversários muito fortes... mas eu acho que os times do interior, pela qualidade, por tudo isso... Lá fora, com quem jogamos na Itália, na Alemanha, com grandes equipes, chegava aqui no interior, o futebol do interior era muito forte também, as equipes eram muito bem preparadas, tinham sempre jogadores que se destacavam pra depois saírem dali, e a maioria, alguns destes que se destacavam no ano seguinte iam jogar em clubes grandes, né? Como o próprio Santos às vezes se interessava por algum jogador, o São Paulo, o Palmeiras, o Corinthians, enfim... Era difícil jogar no interior também.
P/1 - E em todas essas viagens, assim, você tem algumas histórias pitorescas para nos contar? Você lembra de alguma passagem?
R - Olha, tem muitas, né, porque como eu disse, esse grupo do Santos era muito brincalhão. Era uma família e é claro, com o passar dos dias a brincadeira ia diminuindo, mas no começo, sabe, tinha muita assim, brincadeira, o Pepe contava as histórias, música do Mengálvio... Enfim, as pessoas brincavam, a maneira de você pedir a comida num país que você não sabia pedir um sanduíche, sabe? Quando você queria pedir uma Coca-Cola, queria pedir um... Então sempre tinha alguém: “Não, fala assim que o cara vai entender.” Sabe aquelas coisas bem engraçadas que você... Claro que o cara não vai entender nunca! Tem uma história que contam, que o Zito chegando numa excursão pediu, estava com fome, logo que passou pela copa pediu um misto, então alguns minutos depois chegou o misto no quarto, e diz que acho que estava o Mengálvio com ele, falou: “Oh, Zito, já chegou teu sanduíche aí, teu misto?” Aí disse: “Ah, eu pedi ali aonde tem aquele buraquinho do guarda-roupa...” Aonde tem aquele negócio da ventilação, do guarda roupa. “Você chega ali e pede um sanduíche, não leva cinco minutos.” E o Mengálvio diz que chegava lá e pedia o sanduíche e nada do sanduíche chegar. (risos) Então, mas as excursões tinham coisas assim, fantásticas, as passagens, as brincadeiras no ônibus, as músicas que se cantavam na época, sempre tinha assim alguém... O Hildo era chamado o mais palhaço de todos, que gostava de contar as piadas, de fazer música, tudo o que surgia... O cara dava um fora logo ele fazia uma música, né? Mas era um ambiente muito agradável, um ambiente assim, familiar também, porque todos se gostavam e desfrutavam de toda esta alegria de estar jogando no Santos Futebol Clube.
P/1 - E você disse que teve a carreira prejudicada por contusões no joelho, né? Quando você começou a sentir?
R - Isso em 74, a Copa de 74, na Seleção Brasileira eu fui cortado inclusive, não participei na Copa já devido a uma lesão. Depois em 75 jogando pelo Santos em Ribeirão Preto eu dividi numa bola. Até jogava acho que o Sócrates e o Geraldão pelo Botafogo de Ribeirão Preto e eu tive uma lesão no joelho esquerdo. E daí pra frente eu enfrentei muita dificuldade, assim, pra voltar a ser o mesmo jogador que eu era, devido à cirurgia, não fui muito feliz na minha recuperação, e passei a enfrentar problemas sérios, né? Problemas que você inclusive na época deixava se infiltrar, coisa que não se usa hoje, os recursos hoje, já tem outros recursos para a recuperação do atleta. De qualquer forma eu fui muito prejudicado por essa contusão. Em 77 pra 78 eu resolvi fazer uma nova cirurgia que foi uma limpeza no joelho, foi aí então que eu pude jogar um campeonato bom pelo Santos, em 78, mas já estava assim, com a minha carreira condenada. Eu apenas com 27 pra 28 anos de idade eu já sabia através dos médicos que a minha carreira seria curta, a exemplo de outros jogadores que enfrentaram problemas, como o Reinaldo, como o próprio Chicão. Agora até hoje muita gente fala, encontro com pessoas que lidam aí nessa área de recuperação, falam que se fosse naquela época, tivesse todos os recursos talvez eu pudesse ter ido um pouquinho mais longe, né? Mesmo com a cirurgia, os recursos hoje permitem que o atleta se recupere e fique praticamente 100% na sua recuperação de qualquer tipo de cirurgia que ele possa sofrer hoje.
P/1 - Foi frustrante ficar fora da Copa?
R - Foi, foi uma das maiores decepções, assim, que eu tive, foi não jogar a Copa de 74. Estava aí com os meus 24 anos de idade, quer dizer, era uma Copa em que todos me apontavam que seria a minha Copa, pela minha experiência, pela Copa de 70, que eu participei, enfim, eu diria que foi uma das maiores tristezas que eu tive, de não participar da Copa de 74, porque eu me preparei para aquilo, me dediquei, voltei à Seleção, fiz uma excursão aonde fui eleito... Aliás, eu vim de 72 já no Mundialito no Rio de Janeiro, aonde fui eleito o maior jogador da competição, depois fiz uma excursão em 73 aonde fui eleito também por toda a imprensa que cobria a Seleção, como o principal jogador da excursão, depois chegando em 74 com uma grande esperança de jogar mais uma Copa, eu via assim as minhas esperanças... por uma lesão acabei sendo cortado, até hoje existe muita especulação em cima disso, muitos acham que eu ainda poderia ter jogado, muitos culpam ainda o meu amigo Toledo, que era um médico na época e ele optou pelo meu corte, não me deu assim, um tempo maior para que eu pudesse me recuperar da contusão, mas enfim, são coisas do ofício, e se estava escrito assim foi a vontade de Deus, eu não participar dessa Copa.Ee ficou apenas a de 70, que fica na história do futebol brasileiro como uma grande lembrança e a de 74 como uma grande decepção de eu não ter participado e o Brasil também não ter conquistado a Copa.
P/1 - E o senhor já foi se preparando para parar de jogar quando viu que o senhor disse que era muito novo e já percebeu que a carreira não tinha muito mais...
R - É, existia uma preocupação, claro, porque você sente que poderia ir mais longe, jogar mais cinco, seis, oito anos... Hoje o atleta joga com 35, 36 anos, ele pode chegar até com essa idade a jogar bem, desde que se cuide. De qualquer forma eu com 25, 26 anos já enfrentando esse problema eu já estava me preocupando realmente com o momento de deixar o futebol, tanto é que quando eu optei por deixar a minha carreira, e isso eu resolvi porque senti que já não era mais o mesmo jogador, eu já não rendia aquilo que o torcedor estava acostumado a ver, então eu não queria ser uma decepção, tá? Então eu resolvi ali dar um fim na minha carreira como profissional, achando que seria melhor parar naquele momento do que insistir e deixar assim o torcedor frustrado, porque ele via o Clodoaldo de uma maneira, de repente vê você dentro de campo sem as suas melhores condições, e por isso eu resolvi então encerrar e claro, me preparar para uma vida fora do campo, né? Que você tem que seguir uma vida. O jogador quando para ele não tem uma aposentadoria, ele tem que continuar trabalhando, ou ligado ao futebol ou qualquer outra atividade. E aí eu optei por abandonar minha carreira, ainda fui jogar por uma equipe de Nova Iorque, o New York United, não foi o Cosmos não, o Cosmos tinha um time muito forte na época, e ainda assim, mesmo... Embora o Santos, embora eu considere o Santos o meu único clube, né? Porque eu tive uma passagem pelo Nacional de Manaus, tem uma historinha aí também sobre o Nacional de Manaus, que eu fui lá para jogar uns jogos amistosos, inclusive contra o Cosmos e eles me convenceram de ficar para eu jogar mais algumas partidas. Inclusive eles vinham jogar aqui na Vila Belmiro contra o Santos, e eu falei: "Olha, eu vou ficar aqui, jogar esses jogos..." Aí eles falaram: "Ah, mas nós vamos jogar no mesmo grupo de Santos." Eu falei: "Olha, tudo bem, mas contra o Santos eu não vou jogar." Logo eles: "Não, puxa, é bom que você jogue porque é uma atração." Aí eu falei: "Olha, eu vou, não jogo e não volto." (risos) E foi exatamente o que aconteceu, eu vim então, acompanhei a delegação, claro que tratando eles com carinho, o Nacional de Manaus, e cheguei aqui, acompanhei a delegação, mas só assisti o jogo e não voltei mais, fiquei por aqui. Então aí foi que logo depois eu fui jogar em Nova Iorque, eu tinha um convite para jogar pela equipe do New York United e passei quatro meses apenas lá, o futebol estava já também numa fase assim, difícil lá, sabe? O Cosmos estava com uma grande equipe mas também já alguns jogadores já estavam saindo e o futebol já não tinha o mesmo sucesso. De qualquer forma eu passei uma temporada em Nova Iorque, depois retornei ao Brasil. Em seguida fui convidado para ser técnico do Santos... Acho que o Ernesto Vieira, na época, os dirigentes me convidaram através dos jogadores, que eu tinha um bom relacionamento com os jogadores e eles pediram para que o Santos, os dirigentes me contratassem para ser o técnico. Então eu passei para o outro lado, né? Aí eu tive uma experiência como técnico, mas não gostei muito porque é uma pressão muito grande e até fui bem no campeonato, levei o Santos ao quarto lugar do campeonato brasileiro, com uma equipe modesta, mas assim mesmo fizemos uma boa campanha. Mas aí depois eu resolvi sair do futebol.
P/1 - Sair de dentro do campo...
R - É, sair do futebol... Desligar-me um pouco do futebol, não totalmente, né? Continuar ligado ao Santos, porque como eu disse a você em off, antes da gente começar a entrevista, desde a época que eu joguei no Santos eu me tornei sócio do Santos Futebol Clube. Eu entendia que todos os jogadores deveriam ser sócios do clube. Então eu tenho uma vida assim, como sócio, como conselheiro, como diretor de futebol, como vice-presidente, como técnico, hoje atualmente como gerente de futebol... Então é uma vida assim, uma vida inteira, desde os meus 15, 16 anos ligada ao Santos Futebol Clube. Mas nessa época aí, quando eu deixei, depois que eu saí de técnico, eu quis me afastar um pouco do futebol. Não deixar de assistir o Santos, claro, mas de não ter nenhum cargo ligado ao clube. Então afastei por um tempo, fui me dedicar a uma vida profissional, montei um escritório imobiliário com alguns amigos e graças a Deus também com apoio de muitos amigos aqui da cidade, empresários, tal, consegui ter sucesso dentro dessa nova atividade, então procurei ter uma vida assim, mais... Não tão ligada ao futebol, né? Já com família, já casado, com filho, mas depois os convites iam surgindo novamente: conselheiro do Santos, diretor de futebol... Vinha aí o Teixeira, vinha o outro presidente, e sempre lembrando o meu nome. E eu, claro que sempre que era convocado nos reuníamos para decidir inclusive muitas vezes quem seria o presidente do clube, então era difícil se afastar, né? Então eu estava sempre presente, embora já não participando muito da vida profissionalmente, mas sempre ligado, ou como sócio, como conselheiro do clube, sempre tentando trazer para o Santos o melhor, principalmente as pessoas que queriam comandar o clube, como o caso de presidentes e outros membros de diretoria, sempre procurando o nosso apoio. Então eu acho que foi por aí mais ou menos o final, assim, da minha carreira ligada ao Santos profissionalmente, como atleta, como técnico, mas hoje ocupando um cargo de gerente de futebol, de responsabilidade novamente, de procurar fazer as coisas de melhor para o Santos, como fiz como vice-presidente que fui, ao lado do presidente Samir, do Zé Paulo Fernandes e hoje Vicente Gregório, tanta gente que a gente não pode esquecer, que fazem parte da vida, dos ex-presidentes do clube que sempre nos deram bastante apoio para que nós pudéssemos tentar reerguer novamente o Santos num nível, no patamar que ele sempre esteve e que deve continuar crescendo a cada dia.
P/1 - Nós já estamos encerrando até porque nós sabemos que o senhor tem um compromisso, mas eu só queria voltar com relação ao encerramento da sua carreira. O senhor se lembra qual foi o seu último jogo, contra quem?
R - A minha última partida foi contra a Seleção da Romênia, aqui na Vila Belmiro, nós perdemos, eu acho que de um a zero. Eu joguei os primeiros 45 minutos, me preparei até para jogar esse jogo, joguei uma boa partida pra deixar uma boa imagem, né? Entendeu? Eu quis me despedir bem, saí assim com uma boa imagem dos torcedores que ali estavam no jogo da Vila Belmiro, e este foi o meu último jogo como atleta profissional do Santos, ali eu me despedia profissionalmente, porque depois eu voltei a vestir a camisa, todos os anos a gente joga, joga na praia, joga lá na Vila também, mas profissionalmente este jogo foi último jogo que eu joguei profissionalmente, contra a Seleção da Romênia aqui na Vila Belmiro. Então essa foi minha despedida do Santos.
P/1 - E foi difícil encerrar, não jogar mais?
R - Foi difícil, mas eu estava consciente, preparado, né? Eu sabia que a minha carreira estava praticamente condenada, era uma carreira curta. Eu poderia insistir, jogar mais uma temporada ou duas, mas com muito sacrifício, muita dor no joelho, sabe? Passava horas e horas às vezes na concentração fazendo aplicação de bolsa de água quente, de gelo, de forno, enfim, pra poder no dia seguinte você jogar. E era difícil, porque eu entrava pra dentro de campo muitas vezes sem 30% das minhas condições de jogo, mas eu tinha que corresponder, eu tinha que jogar, eu tinha que justificar a minha presença dentro de campo... Então quando eu me despedi, que eu dei o meu adeus à torcida do Santos ali na Vila eu dei consciente porque realmente eu já tinha a certeza de que eu não era o mesmo jogador que a torcida tanto aplaudiu, que viu no início da minha carreira, então não queria deixar a torcida decepcionada, né? Todos já sabiam do meu problema, claro, que eu enfrentava, de contusão, mas eu optei pelo encerramento e eu acho que foi melhor assim.
P/1 - Então, seu Clodoaldo, tem uma pergunta que nós fazemos a todos que dão depoimento, o que o senhor acha desta proposta do Santos estar fazendo um museu, um memorial agora, de preservar a história através dos depoimentos de quem a viveu principalmente?
R - Bem, eu acho que é uma iniciativa que a diretoria tem através de seu presidente, do Samir, da sua esposa Denise, de todos os membros da diretoria deste momento de eu acho que deixar, para não cair no esquecimento uma história tão bonita que existe desse clube que é ainda o maior do mundo, embora nós estejamos aí com algum tempo sem conquista de títulos, mas essa história do museu vem pra engrandecer ainda mais tudo o que já aconteceu. Pra que não se apague da memória de todos aqueles que um dia tiveram oportunidade de conhecer um pouquinho do Santos. Então eu acho que vocês estão de parabéns com este trabalho e eu fico ainda mais vaidoso e engrandecido de poder fazer parte também dessa história do Santos Futebol Clube.
P/1 - Está ótimo. Então nós agradecemos a presença do senhor, o seu depoimento. Muito obrigado.
R - Obrigado vocês.
R - Eu não sei se eu falei da minha família, falei?
P/1 - Pois é, no fim nós entramos direto no assunto do Santos e ficamos... Não é um prazer e acho...
R - Tem as minhas filhas, tem um netinho, tal...
P/1 - Tem que ser dito, tem que ficar registrado sim.
R - Aí vocês depois montam, fazem uma montagem, né? Eu não lembro se eu falei, não?
P/1 - Não, não tinha falado. Então, seu Clodoaldo, e hoje, como é a família do senhor, o senhor é casado?
R - Então, eu estou casado há 24 anos, já vou para 25 anos de casado e tenho duas filhas, Claudine, com 21 anos de idade, a Simone com 19 e tenho o Victor, que é o neto, que irá completar três anos agora em Setembro. Esta é a minha família, e claro, a família é importante na nossa vida, né? Então a gente está aí há 24 anos já de casamento, foram sete anos de namoro, uma canseira danada. (risos) Então a gente tem uma vida muito feliz com as minhas filhas, com o meu neto e eu acho que é o sustento de todo lar é exatamente a família. É a base de tudo.
P/1 - Como o senhor conheceu a sua esposa?
R - Ah, eu conheci assim ali na Vila Belmiro, que ela morava próximo, né? Então eu sempre estava passando ali em frente à sua casa, então um dia eu estava passando por ali e ela estava na janela, então aquela paquerazinha e tal e deu no que deu, né? Estamos juntos até hoje. Tá bom?
P/1 - Tá ótimo.Recolher