Projeto Museu do Santos Futebol Clube
Depoimento de Agenor Gomes - Manga
Entrevistado por José Santos Matos e Walmir Zério
Santos, três de fevereiro de 1999
Realização Museu da Pessoa
SFC 014
Transcrito por: Maria Helena D’Andréa
P/1 - Bem, vamos começar a entrevista. Bom dia, Manga! Eu go...Continuar leitura
Projeto Museu do Santos Futebol Clube
Depoimento de Agenor Gomes - Manga
Entrevistado por José Santos Matos e Walmir Zério
Santos, três de fevereiro de 1999
Realização Museu da Pessoa
SFC 014
Transcrito por: Maria Helena D’Andréa
P/1 - Bem, vamos começar a entrevista. Bom dia, Manga! Eu gostaria de iniciar a entrevista, você dizendo, então, o seu nome completo e sua data de nascimento?
R - Meus queridos amigos, muito bom dia, é uma satisfação recebê-los na minha casa, e dando a minha entrevista pra vocês. Meu nome é Agenor Gomes, data de nascimento é 26 do cinco de 29.
P/1 - E você é natural da onde?
R – Sou de Vitória, Estado do Espírito Santo.
P/1 - Você passou usa infância lá?
R - Eu “iniciei” minha infância no Espírito Santo, imediatamente iniciei minha carreira de atleta profissional. Vim para o Rio de Janeiro, no qual fiz minha grande carreira, graças a Deus.
P/1 - Então, antes de você começar a contar a sua trajetória no Rio. Por que você resolveu ser goleiro?
R - Eu era centro-avante. Chutava muito bem e era um jogador dedicadíssimo. Depois eu fui artilheiro do campeonato que se tinha iniciado no Espírito Santo, no Caxias Esporte Clube. Teve um tempo dentro do campeonato, me machuquei, tive uma contusão e fiquei três meses fora das quatro linhas. Depois voltei, mas já tinha outro centro-avante, e nessa altura o meu técnico falou assim: “Você vai ter que aguardar um pouquinho.” Eu aguardei mais uns cinco ou seis dias, uma semana mais ou menos. Teve um coletivo e faltou o goleiro, ele falou: “Não tem tu, vai tu mesmo”. Aí me pôs no gol e graças a Deus era o destino, eu fechei o gol. Dali pra frente já não fui mais centro-avante, já fui ser goleiro. Tive sorte, fiz um bom campeonato. Tinha um senhor chamado Braulio Campos, que era um empresário que trabalhava muito pelo campeonato no Espírito Santo. Ele me viu, gostou, e me levou para o Flamengo no Rio de Janeiro, que era o Gentil Cardoso, o técnico do Flamengo. Fui lá, fiz o teste, agradei. Fiquei lá 9 meses no Flamengo, depois vim para o Bom Sucesso, do qual fui transferido para o Santos.
P/1 - E quando você, então, mudou de centro-avante para goleiro, você tinha quantos anos?
R - Eu tinha 17 anos, muito novo, às vezes a gente estranha, às vezes você pega assim um... Você está em plena forma, mas você está em forma na parte de júnior, na parte de juvenil, está iniciando, está com toda vontade, está com toda garra, mas, faltava um pouco de experiência. Talvez se eu tivesse um pouquinho mais de idade quando eu saí do Flamengo, hoje eu não estava atravessando aquela carreira pelo Santos, estava no Flamengo, mas eu não posso me queixar que, graças a Deus, tanto no Flamengo como no Santos tive boa aceitação.
P/1 – E... Mas, conta pra gente, como é que foi você sair do Espírito Santo e cair no Flamengo muito novo, que emoção que você teve?
R - A emoção é impressionante, porque eu nunca tinha passado por aquilo. Eu jogava no Caxias Esporte Clube, time de militares. Nós olhávamos lá pra cima para a arquibancada para ver nossa torcida, tinha dois militares torcendo. Você sai de um clube desse, que não tem torcida, vai para o Rio de Janeiro, para o Flamengo, sabe lá o que é isso? Então você estranha, né? Por mais dedicação que você tenha, por mais que você queira ter jogo de cintura, mas não tem condições, porque ali são 80, 90 mil pessoas torcendo por aquele grande clube que é o Flamengo, você tem que ter um pouco de... Você estranha um pouco.
P/1 - E isso foi em 1950?
R - E isso em 50, quando eu fui para o Flamengo.
P/1 - Você chegou a assistir a Copa do Mundo lá no Rio?
R - Não, não cheguei não, eu morando no Rio e não cheguei, porque era muita gente e até hoje parece que não foi batido o recorde ainda de público no Maracanã. Parece que foram 200 mil pessoas, eu não tenho o número certo, mas, a gente era novo, a gente tinha medo de haver qualquer coisa, eu não cheguei a ver, vi pela televisão.
P/1 - E, mas você... Como que foi o clima da derrota? Você sentiu isso, você sentiu as pessoas abatidas com aquela derrota para o Uruguai, lá no Rio?
R - Ah! Não resta dúvida, né? Ali foi um caso lamentável, porque apesar de nós jogarmos pelo empate, nós fizemos um gol na frente do Uruguai, e nós tínhamos certeza absoluta que o Brasil ia ser campeão, e fácil, que nós tínhamos um time... O time nosso era muito bom, mas, depois houve a surpresa, né? Nós tivemos que nos conformar com o vice-campeonato que não estava no nosso prognóstico.
P/1 - E, Manga, na época do Flamengo, com que jogadores lá você conviveu?
R - Na época do Flamengo? Um time mais ou menos. Era o Bria, o Garcia, Zizinho, o Tomires, era o Bodinho, Newton, Norival... eram esses cobras aí. Era um timão de bola, o Flamengo.
P/1 - É, tanto que ia ser o tri campeão aí mais tarde, em 53, 54 e 55, né?
R - Isso, o Flamengo sempre enalteceu pelos seus ídolos, pelo Departamento. Sempre tiveram jogadores, no Departamento Júnior, sempre puxaram, eles sempre trabalharam pra poder fazer os grandes atletas. Vê o caso do Zico, né? Que saiu tudo dali de baixo, né? E é um time que trabalha muito pra poder fazer renovação. Então, a gente fica satisfeito porque a gente vê um trabalho de base, coisa que muitos times no futebol brasileiro, às vezes tem condições e não faz.
P/1 - E Agenor, como é que você foi parar do Flamengo para o Bom Sucesso?
R - É porque o Flamengo tinha o Garcia, tinha o Barqueta e tinha o Luiz Borracha. Tinha três grandes goleiros. E eles me levaram para o Flamengo porque eu fiz um campeonato muito bom pelo Espírito Santo, era renovação que eles estavam fazendo, então, eu era o quarto goleiro. E o Bom Sucesso ia começar o campeonato carioca e não tinha goleiro. O Gentil Cardoso, então, pra eu não ficar na suplência de quatro goleiros, me emprestou para o Bom Sucesso. Tive sorte, fiz um bom campeonato, no meio do ano já, o Santos foi lá e já me trouxe.
P/1 - Quem é que foi o olheiro, quem que te descobriu lá?
R - Foi Aymoré Moreira, irmão do Zezé Moreira e ele era o técnico do Santos. Ele me viu jogar, gostou, e eu vim embora.
P/1 - Você veio sozinho cá pra Santos?
R - Vim eu e Urubatão. Eu vim em uma semana e Urubatão veio logo na outra, né? Somos muito amigos, somos amigos mesmo, é uma pessoa extraordinária o Urubatão.
P/1 - E isso foi em que ano, 51?
R – Foi em 50, 51. Setembro de 50, pra 51.
P/1 - Você não conhecia Santos? Quando você chegou aqui qual foi a sua impressão?
R - Eu fui muito feliz, que quando vim a Santos eu saí do Rio de Janeiro, uma cidade fantástica, povo... E a gente vem pra uma cidade pequena igual era Santos. Santos tinha 75 mil habitantes, quando eu cheguei aqui tinha sete... Nessa praia maravilhosa que hoje tem esses edifícios todos, eu cheguei a contar: Santos tinha sete edifícios na praia. Então você vem para uma cidade meio pequena, você se sente bem. E eu saí do Espírito Santo também, que é lugar pequeno, e me dei bem. Eu fiz um campeonato ótimo...
P/1 - Bom, então continuando, você chega então em 1951. Você já chega como titular ou Leonídio ainda jogava?
R - Eu tive a felicidade de encontrar um moço chamado Leonídio, que apesar da contusão, que ele foi afastado, ele me orientou muito, porque eu era um goleiro bom, mas era...
P/1 - Desculpe, então, Leonídio...
R - É, encontrei aqui em Santos, uma pessoa excepcional que era o Leonídio. E eu vim para o Santos, meio... Ainda muito jovem, encontrei o Leonídio que me orientou muito, muito mesmo, e graças a ele tenho minha partícula de agradecimento, porque ele me auxiliou muito nessa parte. Incentivava-me e às vezes calhava de alguma partida que eu fazia pelo Santos eu errava, ele chegava e me aconselhava, nunca foi dessas pessoas que aproveitava o ensejo pra poder criticar. E, “encontrei ele”, mesmo as partidas que eu efetuava no Santos, graças a Deus, eu era o melhor goleiro do campeonato ou da partida. Ele chegava, entrava no vestiário, me incentivava. Foi uma pessoa maravilhosa. Daí eu peguei uma estabilidade... Fui ficando um pouquinho mais idoso nas partidas, no clube, encontrando incentivo dos meus amigos, graças a Deus. Eu encontrei também um moço chamado Seu Antoninho Fernandes, ele dizia que ele era o dono do time. Não, ele era dono das personalidades. A gente chegava, ele incentivava, e graças a Deus, nós éramos muito unidos. Até hoje, eu falo pra muita gente, que às vezes eles falam que o Santos foi o maior time do mundo tecnicamente, e que ninguém batia o Santos. Não, o Santos não foi o maior time do mundo tecnicamente, o Santos foi o maior time na parte de união. Eu tomava meus frangos, e o jogador nunca chegava perto de mim, para me avacalhar, para não incentivar, ao contrário. Quando eu tomava um gol fácil, eles vinham no vestiário, batiam nas minhas costas e diziam: “Vamos embora, você tomou uma, vamos fazer três!” E isso acontecia, graças a Deus. O ambiente do Santos era extraordinário entre os jogadores, até hoje nós temos os veteranos, nós fazíamos aqueles coquetéis lá... Eles chamavam todo mundo e nós sempre recordávamos os grandes momentos que nós passamos no Santos.
P/1 - Então vamos recordar um pouco. Nesse período que você chegou, o Santos já estava formando um grande time que viria ser bi campeão paulista, em 55/56, não é isso. Quando você chegou aqui, quantas dessas pessoas já estavam jogando?
R - É porque nosso time era muito novo, né? Nosso time só tinha um ou dois veteranos, que era o Antoninho e o Negri. E nós, quando iniciávamos as partidas, pedíamos conselhos pra eles, apesar de ter um técnico que era bom, o Aymoré Moreira, nós também tínhamos esses dois elementos que nos incentivavam muito. E foi assim, foi indo, em 1954 nós seriamos os primeiros campeões, mas, devido a nossa mocidade, um time muito novo, nós perdemos o campeonato aqui na Vila Belmiro para o São Bento. Estava um a zero e eles fizeram dois a um, de virada. Assim, nós perdemos o campeonato, em 1954. Então, quando chegou 55, foi iniciado novamente, todo mundo já consciente da sua obrigação, já sabendo nós iríamos em qualquer time... e já em Bauru, ou Campinas, “nós já sabia” onde pisar, onde tinha um buraco, onde você tinha que sair por fora, quer dizer, então, você pegou experiência, é isso que eu digo. Em 54 não fomos campeões porque éramos muito novos. Em 55 já sabíamos tudo, então, foi fácil. Não foi difícil porque nós já sabíamos, em primeiro lugar nós éramos unidos, o time era unido, tinha a maioria só de garotada. Em 55 foi mais fácil, nós já sabíamos direitinho onde pisar, onde jogar, os jogos mais difíceis, os jogos que nós podíamos ganhar, os jogos que nós podíamos perder, nós fomos fazendo a conta direitinho e chegamos lá fácil.
P/1 - Manga, no início do campeonato de 55, quem jogou as duas ou as três primeiras partidas foi o Barbosinha, você estava machucado?
R - As duas primeiras não, o Barbosinha... Eu não me lembro... Em 55? Não, eu acho que foi no final que eu machuquei o joelho, no final de 55, que eu acho que estava jogando contra o... Eu acho que foi contra o Jaú. Eu torci o tornozelo e faltava um mês e meio para terminar o campeonato, faltavam cinco jogos. Eu torci o joelho, fiquei um mês fora. Depois faltando três jogos, dois em casa e um fora, foi que o Barbosinha jogou. Ele foi infeliz, perdeu para o Corinthians, perdeu para o São Bento, e eu entrei contra o Taubaté. A final ganhamos de dois a um e fomos campeões. Mas ele também participou no final.
P/1 - Você lembra desse jogo da final? Conte-nos um pouco.
R - Lembro bem. O que vou falar é que nós precisávamos ganhar, porque nós tínhamos um grande rival, que era um dos maiores times do mundo, o Corinthians. O Corinthians com Hidalgo, Goiano, Roberto, Baltazar, um timão de bola. E nós sabíamos de antemão que se nós empatássemos o jogo, tínhamos que fazer outro jogo lá com o Corinthians, e o Corinthians estava dois pontos atrás da gente. Então, nós tínhamos que de qualquer forma ganhar do Taubaté. Foi um jogo dificílimo e o Taubaté tinha jogadores bons. Às vezes, dentro da partida, nos chegavam assim: “Puxa, vocês vão querer ganhar da gente, pra dar outro título para o Corinthians, fica aqui conosco, deixa nós ganhar, aí vocês participam das festividades, nós nunca fomos campeões paulista.” E dentro da partida nós conversamos com os jogadores, e não é que eles entraram nessa, viu? Foram legais, eles faziam força, mas, a gente pedia chorando dentro da partida. Sabe lá o que é ser campeão paulista, gente. É coisa impressionante! E nós, chorando, pedíamos pra eles, coisa e tal... Amoleceu um pouquinho o coração deles. No final nós ganhamos de dois a um...
P/1 - Quem abriu o marcador?
R - Quem abriu o marcador foi o Álvaro, de cabeça. Meia ponta de lance, irmão do Ramiro. Depois o Taubaté empatou e eu, aleijado debaixo do gol, não tinha condição nenhuma. Aleijado com duas joelheiras... Eu estava machucado, estava voltando aquele dia e então, foi uma festa linda, maravilhosa.
P/1 - Como é foi? Quando o juiz apitou...
R - Os quatro cantos do campo fecharam. Cada portão a torcida fechou, aí nós fomos carregados em triunfo por aquele povo... Ai, minha Nossa Senhora, que coisa maravilhosa! Depois acostumamos, né? Fomos campeões em 55, bi em 56, vice em 57, campeões em 58, vice em 59, e assim... Campeões da Taça Gazeta Esportiva, 24 jogos sem perder, campeões Rio-São Paulo, campeões pentagonal no México, e assim foi. Foram as grandes performances do Santos.
P/1 - Mas, o Manga, então nesse jogo, você jogou muito mais na raça. Que você ainda estava aí com os joelhos machucados, é isso?
R - Ah! Estava machucado. Eu entrei naquela questão moral, né? É que o rapaz, o Barbosinha, ele não falhou, mas a imprensa achava que ele tinha falhado. Perdemos de três a dois para o Corinthians em Santos, e perdemos de três a dois para o São Bento, lá em Santo André. Então, disse: “Tem que voltar o Manga de qualquer jeito.” Aí, nem que seja aleijado, tem que ir. Aí dei sorte, voltei machucado, pus duas joelheiras, joguei, quer dizer que... Foi igual a Ronaldinho na Copa do mundo, tem que entrar Ronaldinho de qualquer jeito. (risos)
P/1 - Pelo menos você ganhou o jogo.
R - Graças a Deus, é sorte, né?
P/1 - Manga, você falou da joelheira, como era o equipamento do goleiro na sua época? Era igual o de hoje?
R - É tudo, vamos dizer assim, quem fazia isso eram os próprios jogadores. O Gilmar quando fomos campeões mundiais na Suécia, né, o Gilmar inventou a luva, né. Jogar de luvas. E eu inventei a joelheira, então hoje é ao contrário, hoje os jogadores jogam de luvas e sem joelheira. Eu acho contra, eu acho totalmente errado isso, porque você pega uma luva, você põe uma luva na mão, você não sente o contato da bola, você sente, a bola bate e fica, essa luva geralmente é para amortecer o chute, mas pra fazer uma defesa bonita, você cruzar uma bola, você sair por cima e agarrar, cair com ela e fazer uma defesa fantástica, isso não acontece. Pode ver os campeonatos paulista... Regionais... Não tem isso, aquele goleiro voando por cima das cabeças dos adversários e caindo com ela. Difícil fazer uma ponte. Chama-se ponte. E no nosso tempo nos fazíamos isso fácil, agora é ao contrário, joga de luva, joga sem joelheira. Só o Zetti que está inventando novamente, jogar de roupão pra não se machucar.
P/1 - Então você jogava sem luva?
R - Jogava sem luva. E tenho alguns dedos quebrados, não é por falta da luva, é que às vezes a bola estava escorregadia, estava molhada, ela batia no chão e batia e quebrava. Mas isso não favorecia o adversário, nada disso, ao contrário, nós tinhamos certeza daquilo... Quando nós saíamos do gol no ar pra pegar uma bola, seja chovendo ou não, mas saía com convicção.
P/1 - Como era o seu estilo de jogar, Manga?
R - Era um estilo muito bonito. Eu não fazia filigrana não, eu não fazia palhaçada, eu era um goleiro sério. Pra fazer um gol em mim era um Deus nos acuda. Eu cheguei a ser convocado em 58. Fui convocado para a copa do mundo, eu, o Gilmar e o Castilho, mas eu só não segui, porque eu sabia absoluto que o Gilmar era o titular e eu não ia tirar o lugar dele. Eu tinha confiança em mim, mas de antemão você já vê quem vai jogar. E o Santos ia para a Europa, o Santos não tinha goleiro, só tinha eu e o outro goleiro, mas, o outro não oferecia garantia, consistência. Então, eu pedi dispensa para o Dr. Paulo Machado de Carvalho, para eu ir com o Santos para a Europa. E me dispensaram. Mas eu cheguei a ser convocado para a seleção brasileira, graças a Deus.
P/2 - Nessa excursão que foi feita para a Europa, vocês ganharam também o Tereza Herrera, não foi? Em 59?
R - É, nós somos bi campeões da Tereza Herrera. Esse ano nós ganhamos. Depois, o outro ano, nós perdemos. Mas o Santos sempre foi lembrado e era um time que qualquer torneio que era efetuado, participava. Porque, em primeiro lugar, o nome que o Santos tinha, e em segundo lugar, que era um futebol primoroso. Nós chegávamos, não tínhamos medo, nós respeitávamos os adversários. Eu vou contar uma passagem aqui pra vocês. O Santos, o time do Santos era tão bom, nós pegamos... Inclusive, ele está atualmente aqui. Aqui no Brasil, o Mazzola - Altafini. O Rio-São Paulo hoje é uma moleza. O Rio-São Paulo hoje é só São Paulo e Rio. O Rio-São Paulo que nós disputávamos, era o campeão e vice-campeão de Pernambuco, o campeão e vice-campeão de Porto Alegre, e assim sucessivamente, de cada Estado, campeão e vice-campeão. Quer dizer que, então, pra você ser campeão do Rio-São Paulo, era um campeonato brasileiro, e o Santos chegava e “comia eles todinho”. E num dia dessas partidas, nós estávamos jogando com o Palmeiras, no Pacaembu. No primeiro tempo nós viramos... O Palmeiras com um timão de bola, Mazzola, Altemar, o Carabajo da seleção uruguaia, e o primeiro tempo virou cinco a um para o Santos. Aí nosso técnico chegou no vestiário e falou assim: “Agora vamos manter, vamos tocar a bola, vamos segurar, pra poder correr os 45 minutos, e ficar tranqüilo.” Mas, o Palmeiras era o Palmeiras, né gente. O Palmeiras no segundo tempo fez seis a cinco. De cinco a um, foi seis a cinco, em cima da gente. O Mazzola fez cinco gols. E faltava dois minutos, nós viramos pra cá, fizemos sete a seis. Nesse dia morreu três torcedores, dois do Palmeiras e um do Santos. Era futebol, né, filho, futebol fantástico, futebol maravilhoso, espetacular!
P/1 - Mas como é que o Palmeiras conseguiu fazer cinco gols, assim?
R - O time deles era muito bom também, filho, não tinha moleza não. Nós também jogamos uma vez aqui com o Corinthians na Vila Belmiro. Perdemos de quatro a zero. Nós jogamos com o Palmeiras lá no Parque Antártica. Perdemos de cinco a um. Eles vieram aqui e perderam de sete a um. Era assim, filho, não tinha conversa não. Quem bobeasse o cachimbo caía. (risos)
P/1 - Dizem que o Santos tinha um grande ataque, mas, às vezes a defesa era um pouco mais frágil?
R - Não se trata de defesa frágil, se trata, gente, é isso que eu falo, dá valor, porque se nosso time era bom, e os outros também eram bons. Nós pegamos o Vasco no Rio-São Paulo, com Ademir Queixada, campeão, artilheiro da copa do mundo. Chico na ponta esquerda, o Tesourinha na ponta direita, o Maneca na meia esquerda, o Barbosa, Augusto, Wilson, Eli, Danilo e Jorge. Era time de futebol, gente! Então, se nós tomávamos três, quatro, é porque o time dos homens era muito forte, também muito bom. O Corinthians era um senhor time de bola, Gilmar, Hidalgo, Goiano, Roberto, Luizinho, Baltazar, né? Timão. A Portuguesa de Desportos tinha oito elementos da seleção paulista. Santos, Brandãozinho e Ceci, Nininho, Renato, Pinga e Simão. Timão de bola! Então, a gente tinha que respeitar, filho.
P/1 – Qual é o atacante que te deu mais trabalho?
R - Tiveram vários, mas mais trabalho, foi o Baltazar do Corinthians. Esse jogava lá... Se ele pedia cruza, cruza e me abraça. Cruzava e ia lá fazer o gol... A gente saía do gol... Às vezes ele subia mais alto do que o próprio goleiro. Ele se colocava bem dentro da área, né, tem que dar valor a isso, né?
P/1 - A cabeçada é difícil de defender, né?
R - É, principalmente quando o cara sabe o que faz. O Baltazar sabia o que fazia. Ele subia com você de olho aberto, então, se ele quisesse tocar no seu canto esquerdo ele tocava. Tirava sempre fora do goleiro. Era maravilhoso! (risos).
P/1 - E você na carreira teve, assim, contusões graves?
R - Tive, eu tive uma contusão desse joelho direito no segundo campeonato, bi campeão. Tornamos-nos bi-campeões. Jogando em Jaú, o gramado era um pouquinho ruim, as condições do campo eram péssimas. Eu subi numa bola cruzada, quando eu desci, pisei em falso no buraco, essa rótula aqui do lado direito ela veio aqui pra trás. Criou um buraco na frente, aí o médico veio, olhou direitinho, e disse: “vou dizer: é um pouco grave.” Mas, eu também era um cara frio, um goleiro frio, eu não tinha medo, não tinha receio, eu ia lá e respeitava, vamos partir e vamos lá. Aí ele chegou, ele deu uma batida atrás onde a rótula estava, e ela veio pra frente outra vez. Voltou para o lugar dela, e nós pusemos duas joelheiras e eu continuei, não tinha regra três, continuei até o final. No dedo mindinho houve luxação exposta, essa parte aqui veio cá embaixo. Chovendo... O médico veio e puxou pra cima, pôs o dedo no lugar, passou esparadrapo e eu continuei jogando. Esse dedo aqui arrebentou na frente, contra o Corinthians, estava um a zero pra nós. Fiquei até o final, e naquele tempo tinha que ser um pouco homem, né, também, um pouco de moral, vibrar... Chamava-se garra e hoje eu vejo aí, o jogador tem uma contusão simples, já sai, já pede pra trocar. No nosso tempo era machismo mesmo, filho. Tinha que ser, senão você não jogava. Se você olhar pra trás, eu cheguei a ter na minha suplência, seis, sete goleiros, e tudo bom, não tinha moleza não, então se eu perdesse a posição, eu não entrava mais. O Santos jogava dez, ganhava nove e empatava um. Onde eu ia entrar? Onde mais? Então é isso que eu falo pra você. O sujeito pra entrar no time do Santos, tinha que manter. Você tinha que treinar. Marcava treino às oito e meia, mas às sete horas já estava no campo treinando, porque você olhava pra trás, tinha um monte de goleiro atrás de você. Se você perdesse a posição c'est fini, acabou. (risos)
P/1 - Então, na época que você jogava você tinha que peso?
R - Eu tinha 79 quilos.
P/1 - E qual é a sua altura?
R – Eu tenho um e oitenta. Eu achava pouco, mas é que nós treinávamos demais, nós tínhamos muito treino. Então, dava gosto você treinar porque você estava sempre em forma. Eu era um goleiro, modéstia à parte, eu era um goleiro que você jogava lá em cima, mesmo com o Baltazar, eu voava em cima da cabeça dele e saía com a bola na mão.
P/1 - E você se lembra de algum pênalti que você defendeu?
R – Lembro. Lembro pois foi um dos pênaltis que ficou marcado. Estava Santos um a zero no Maracanã contra o Vasco. Aos 44 do segundo tempo houve um pênalti contra o Santos e o Ademir Queixada, que é o artilheiro da copa do mundo, bateu o pênalti e eu defendi, rebati, ele chutou outra vez, eu rebati, ele chutou outra vez, eu rebati, na quarta vez eu segurei o pênalti. Aos 44 do segundo tempo. Também me lembro que eu defendi um pênalti, dois pênaltis no Bahia, quando eu jogava no Bahia. Fui emprestado e joguei. E era um dos maiores batedores de pênalti, também, graças a Deus. Na minha carreira eu peguei seis pênaltis. Agora, isso vai ficar. Amanhã ou depois. Nessa reportagem, alguém pode chegar a escutar minha conversa, eu vou dizer uma coisa pra vocês. Vocês que estão presentes, enquanto meus amigos goleiros inventaram... Inventaram... Eu vou falar duas vezes. Querer adivinhar o canto, eles não vão segurar um pênalti. Porque hoje um atacante vai bater um pênalti, o goleiro já dá o canto, sai antes. É por isso que o Sr. Marcelinho faz nome em cima de fulano, faz nome em cima de sicrano. Por causa disso. Se ele ficar plantado no meio do gol, o chutador fica sem ação, porque se ele... Hoje os treinamentos, que hoje efetua os goleiros, se eles baterem mal, não faz um pênalti, não converte um pênalti, e os goleiros hoje são muito bem treinados, mas não. Apesar de eles serem muito bem treinados, eles estão “fazendo o troço” errado. Sai antes da batida do pênalti, não vai pegar ninguém, filho.
P/1 - O segredo de defender o pênalti...
R - É ficar estático, plantado, porque se ele pegar mal, quantos pênaltis vai no meio do gol e o goleiro está caindo pra um lado? O gol do Marcelinho mesmo, recentemente, foi isso. Eu não sei, foi em Recife, parece...
O menino... E é um bom goleiro, hein! O menino veio pra esquerda e o Marcelinho jogou no meio, compreendeu? Não dá, filho. Houve um pênalti agora, foi recentemente, nesse campeonato paulista, houve um pênalti que o menino cobrou e bateu, bateu e cobrou e o goleiro defendeu. Foi o pênalti do Romário, parece, no Maracanã, agora. E bateu mal. Se ele pula antes, ele não pega. Ele ficou plantado, o Romário bateu mal e ele defendeu. Não deu nem rebote. (risos) É isso, se ficar plantado, filho, não faz, sabe por quê? Porque quando você vai bater o pênalti, o pênalti fica desse tamanhozinho, para o batedor de pênalti, então, o batedor de pênalti fala assim: “Ih! o cara está com confiança mesmo, não vai ser fácil eu bater.” Então, ele cria aquele negócio na cabeça, que o gol ficou pequeno. Porque o cara não teve medo dele. Se o goleiro se não mexer, o goleiro não teve medo dele, então, ele já põe na cabeça: “Pô, o cara está com confiança.” É igual uma falta. Vão bater uma falta e você põe dez homens na barreira, você está se desmoralizando. Ah, não põe barreira, que eu quero ver se ele vai fazer? Nosso tempo tinha jogadores fantásticos, batiam forte, O Vevé bateu um pênalti pra mim, no Maracanã, Bom Sucesso e Vasco, ele bateu um pênalti que a bola bateu no travessão, caiu no meio do campo. Vê que potência desse homem. Eu fiquei plantado, ele bateu, a bola bateu no meio do gol, em cima da minha cabeça, ela rolou, foi... foi... e parou no meio do campo. Tinha um jogador, você deve saber, tinha um jogador chamado BCC, ele jogou no Palmeiras. É o homem que tinha uma patada tremenda. Tem um outro jogador, também, da Portuguesa de Desporto, ele era central, o Beiço, ele batia um tiro de meta. Era um ataque, a bola caia em cima do pé do outro gol. E nós pegava grandes chutadores.
P/1 - E do lado do Santos, como que era treinar, aí, com o Pepe?
R – Com o Pepe eu sempre dei sorte. Nunca joguei contra ele, nem treinei contra ele. Como eu era titular, sempre treinava no gol dos titulares, o lado dele, né? Nem bola, batia bola, aí faltava 3 minutos para acabar o treino, o Lula falava assim: “Olha, quem tomar um gol vai embora.” E aquele negócio, pagou o chute, aí quando chegava a minha vez e do Pepe, ele ia bater, disse assim: “Senhor Messias, um abraço pro senhor, tchau. Eu quero jogar amanhã.” e ia embora. Eu não batia pênalti, não batia falta com o Pepe, não. Uma vez o Barbosinha, quis pegar: “Eu vou pegar teu pênalti, Barbosinha.” Aí ele bateu o pênalti e Barbosinha defendeu, mas, arrancou a mão. Ficou quase um mês sem bater bola. Arrancou quase tudo da mão dele. Tá louco! E era assim, filho, futebol era isso. O Pepe bateu uma falta, no campeonato, contra o Pé de Valsa, que veio do Fluminense. Estava no São Paulo, o Pé de Valsa, e foi pra Santa Casa. Ele ficou 20 minutos desacordado. Vê a potência do chute desse homem.
P/1 - Estava na barreira?
R - Na barreira, isso. Bateu, caiu duro. Tinha grandes chutadores, Ih! E nós não tínhamos medo, era falta fora da grande área, abre. Você quer ver um grande batedor de faltas, que é do Palmeiras, o Romero. O Romero deu um super campeonato para o Palmeiras. E nós tínhamos respeito. Nós íamos jogar contra o Palmeiras, nós não colocávamos barreira na frente, nós colocávamos a barreira do lado oposto. Ficava de frente pra ele, porque se ele chutasse lá no nosso canto, nós defendíamos. Ele batia forte! E tivemos grandes chutadores. Hoje, a gente vê o futebol, a gente vê esses... Os goleiros fazendo barreira... Eu fico pensando: “Pô, como o futebol caiu!” E caiu mesmo.
P/2 - E essa coisa do goleiro bater pênalti, bater falta?
R - Pode ser, eu aceito. Porque o goleiro tem uma perfeição muito grande. Eu, como falei pra você, que era centro-avante. Eu chutava a bola onde eu queria, eu punha a bola onde eu queria, eu tinha muita convicção do meu pé. E em 58/59, no Rio-São Paulo, o Pepe atravessou uma fase ruim, de faltas, perdendo pênaltis. Eu cheguei a ser treinado pra bater pênalti no campeonato, é porque não houve, mas, eu treinei e estava batendo melhor do que o Pepe. O caso do São Paulo, o goleiro do São Paulo, é lógico, ele faz com convicção. Se eu sou o técnico, sou o Carpegiani, deixo ele bater, ele bate muito bem, chegou a fazer vários gols, né, deve deixar. O goleiro é tudo, filho, o goleiro sabe jogar. Você vê jogando Palmeiras e Santos, agora, no campeonato nacional, o lençol que o Zetti deu no jogador do Corinthians, é jogador que tem certeza daquilo que faz, filho, é isso aí.
P/1 - E eu quero, então, voltar um pouquinho. A gente falou do campeonato de 1955, e outra conquista sua, então, foi o campeonato de 56. Você se recorda um pouco dessa campanha?
R - Recordo bem, nós... É... Facilitou para nós. Eu vou ser sincero pra vocês. Porque é o seguinte: O Santos depois que começou a ser campeão, nós já sabíamos o que tínhamos que fazer, pois já tinha sido campeão em 55. Em 56 foi mais fácil, porque o time, primeiro, já estava entrosado, não vendeu ninguém, ao contrário, nós sempre reforçávamos o plantel. Para o bi, em 56, faltavam quatro partidas. Nós já éramos bi campeões paulista.
P/1 - Por exemplo, olha, aqui está o time do bi. Você podia dizer aqui, desses seus companheiros, vamos falar um pouquinho deles aqui, como é que era o Jair da Rosa Pinto?
R - O Jair era um meia fantástico. Esse é o grande forte do Santos, que você vem aqui, só tem molecada, só tem moleque, garoto, e o Jair com a experiência dele...
Em primeiro lugar, foi campeão em 55. Era o Negri, que veio da Argentina. O Negri tinha 33 anos, pegou a garotada e nos orientava, fomos campeões paulista. Depois, o Negri foi embora, aí contrataram o Jair Rosa Pinto, também pra orientar a meninada e fomos bi campeões. O Santos tem isso, tem esse ajuste de profissional já antigo pra fazer um intercâmbio com os novos, isso é muito bom. Por exemplo, esse trabalho do Pelé, que está tendo no Santos, de treinamento, isso é um trabalho fantástico. Agora, eu só falo uma coisa: Precisa ver se ele vai agüentar. Se ele vai agüentar toda semana vir e vai embora, coisa e tal, porque cansa. O trabalho de renovação é muito grande. Agora, é um grande trabalho, se ele se firmar, se ele quiser mesmo levar, ele vai sofrer, mas ele vai ter recompensa, né?
P/1 - Você se lembra, você já estava no Santos quando chegou um garoto, aí, pra fazer teste, chamado Gasolina?
R - Não me lembro não. Gasolina? Não me lembro.
P/1 - Depois virou Pelé.
R - Não, Gasolina? Nós não sabíamos que ele tinha esse apelido de Gasolina. A não ser que era no Palmeiras que ele tinha, né? Porque diz que ele passou no Palmeiras, né? E talvez lá no Palmeiras eles deram esse nome pra ele, Gasolina.
P/1 - Mas você se lembra da chegada dele?
R – Lembro. O Pelé... Deus me livre.
P/1 - Vamos falar um pouquinho sobre o Pelé.
R - O Pelé, modéstia à parte, ele deve muito a esse crioulo aqui. Porque o Pelé era um jogador que tinha muita fibra, tinha muita garra, ele fazia com que a gente tivesse confiança nele, mas, ele foi ajudado por três pessoas. Ele sabe disso. Amanhã, quando você encontrar com ele, pode dizer que eu falei isso na minha reportagem. Foi eu, o Zito e o Macedo, que ele se recorda, pode tomar nota. Ele se recorda quando jogou, decisão de futebol amador, em Santos, Vasquinho e Santos. O técnico era o China. Estava zero a zero e o Pelé foi bater um pênalti. Errou o pênalti e o Vasquinho perdeu. Ele chorava que só vendo. E quando ele entrou no vestiário do Santos os três fomos os primeiros a ir cumprimentá-lo. E, nós não podíamos perder. Não podiamos, mas perdemos. Então acabou. Aí quando chegou ao fim do ano, nosso técnico, o Lula, mandou todo mundo embora, inclusive o nome do Pelé estava no meio, ele se lembra disso. O nome dele estava no meio pra ser mandado embora. Então eu, o Zito e o Macedo... É por causa disso que ele tem muita consideração comigo. Eu, o Zito e o Macedo fomos falar com o Lula. Falamos: “O Lula, o que é isso, o moleque tem bola, o moleque sabe jogar, deixa o moleque aí com a gente, pô! Ele não está fazendo nada, não está atrapalhando ninguém, ao contrário, é um hominho bem mandado, um hominho que o que você pede ele vai lá e faz.” E ele falou: “Deixo por conta de vocês.” “Deixa o garoto aí.” E ele ficou, e foi aquilo que hoje ele foi, o Rei...
P/1 - Você já prenunciava que ele seria um grande jogador.
R - Não tem dúvida. O Pelé é desses jogadores, filho, ele... Estava tendo um coletivo, aí acabava o coletivo, o Pelé pegava uma bola, punha embaixo do braço. Quando acabava o coletivo ele ia para um canto lá do campo, o que ele via no Pagão, o que ele via no Zito, o que os jogadores bons que o Santos tinham: Chutar de lado, chutar de frente, e cabecear, e pa, pa, pa... Ele ia lá e fazia. Ele sozinho. Ele teve muito esforço, ele tinha muita vontade. Então, o Pelé tinha que ser o que ele é, porque ele fazia sozinho, ele não ficava com ninguém não. Então, ele via o Pagão chutar de lado, o Zito fazer aqueles dribles. Acabava o treino e ele ia lá e fazia. E foi aprendendo, a primeira vez quando... O Pelé entrava sempre, eu posso falar bem do Pelé, eu posso encher a boca e falar do Pelé. Porque quando ele chegou, nós éramos bi campeões paulista. Então, quando o Pelé entrou, o primeiro coletivo, que ele entrou... Porque o Pelé ficava na suplência, ele ficava sempre na suplência, ele não entrava no coletivo direto, e quando faltava 10 minutos, o Lula trocava ele, pra ele treinar também, pra ele não ficar sem treinar. Aí, uma vez, uma dessas vezes, o Lula trocou ele, faltando 15 minutos. Ele no time de baixo, contra o Formiga, no time de cima, e a primeira bola que ele passou, jogou embaixo da perna do Formiga, e o Formiga: “O, seu moleque filho da mãe.” Aí,
quando o Formiga virou, na mesma jogada ele jogou novamente embaixo das pernas do Formiga. Aí todo mundo ficou assim: “Mas não é possível, olha lá o moleque lá fazendo, olha lá... Espia lá...” Aí pronto, aí, já abriu o tímpano de todo mundo: “Esse moleque vai ser craque!” E acabou o coletivo, foi todo mundo para o vestiário. Então, daí pra frente o Lula já não trocava ele faltando 15 minutos. O Lula já trocava ele no início do treinamento. Pronto. Ele cresceu... Tanto que nós fomos disputar um torneio no Rio, um combinado entre Santos e Vasco, na Taça Rio. Foi seis do Santos e seis do Vasco. E o Pelé foi conosco. O Pelé apareceu no Rio de Janeiro, na Taça Rio, um torneio internacional. Disputou o Boca Junior, o Flamengo, o Vasco, o Estrela Vermelha, foram seis... Foi um pentagonal que fizemos no Maracanã, aí que ele apareceu, já no mesmo ano ele foi convocado, sem ele jogar no time do Santos. Ele já foi convocado pra Copa do Mundo, 57/58, foi quando ele fez esse torneio no Rio, pela Taça Rio. Ele explodiu e foi convocado pra Copa do Mundo, ele não jogou nem no Santos e já convocaram dali mesmo, né?
P/2 - O senhor participou de algum Torneio Início? Uma vez, assim, jogos de dez, quinze minutos, né? O dia inteiro... O senhor poderia contar como que foi essa experiência, porque até agora ninguém contou nenhum relato sobre esses jogos do Torneio Início, e teve vários, né? O Santos ganhou alguns...
R – É. Eu fui campeão, Torneio Início, não me lembro se foi em 51 ou 52, e era um torneio relâmpago, era um torneio bonito...
Em 52, está vendo como eu estou por dentro? Em 52 nós ganhamos e eu me lembro bem, porque quando empatava zero a zero ou não tinha escanteios, ia para os pênaltis. E eu fui nessa tarde. Eu fui o goleiro que mais defendi pênaltis, e nós fomos campeões paulista, né, do torneio, quer dizer, do Torneio Início. Foi lindo, maravilhoso! E eu não sei porque que hoje não tem isso aí, esse torneio.
P/2 - O critério dos desempates eram os escanteios?
R - Primeiramente escanteio... Não, primeiramente o gol, se não tinha gol, ia para escanteio, se não tinha escanteio, vai para os pênaltis. Eu era muito feliz, eu tinha muita sorte pra defender pênalti, né? Não sei se por causa do tamanho, se por causa de destreza... Eu dava sorte. (risos) Meu caboclinho era bom. (risos)
P/1 - E, e agora? Vamos dar uma pausa.
P/1 - Então vamos voltar... Conta um pouquinho... Você disse, então, que vocês jogavam muito naquela época, que hoje o pessoal fica reclamando de barriga cheia.
R – É. É o que eu estou falando. Que não tinha a lei das 72 horas, e nós jogávamos, chegamos a fazer quatro partidas por semana, e numa terça-feira nós pegamos o Grêmio, pelo Rio-São Paulo e ganhamos de quatro a zero. Pegamos na quinta-feira a Portuguesa de Desporto e ganhamos de seis a zero. O Tite fez até um gol, também. Pegamos no sábado à tarde o Juventus, pelo campeonato paulista, foi dois a dois, e no domingo pegamos o Palmeiras, empatamos em dois a dois também. Quer dizer, que nós jogávamos três, quatro partidas por semana... Ninguém achava ruim. Nós achávamos até bom, sabe por quê? Porque nós não treinávamos. Era só treinar. E o Santos, nós gostávamos tanto que, o Santos jogava nove jogos ou dez, nós ganhávamos nove e empatávamos um. Quem ganhava com isso? Era o bicho que nós ganhávamos. Ganhava bicho, dinheiro a semana toda. E tinha uma passagem aqui... Tem um jogador que em 60 veio para o Santos, acho que foi em 60, foi o grande capitão da Copa do Mundo, o Sr. Carlos Alberto. Quando ele saiu do Fluminense e foi para o Botafogo, ele veio para o Santos, ele veio para o Santos porque o Santos só pagava bichos. Jogava quatro por semana, ganhava as quatro, e ele quis se impor, pedir uma importância grande no Santos. O Sr. Modesto Roma, falou: “Não, não vou te dar isso aí não. Não vou te dar. Amanhã já tem jogo e o senhor vai ganhar quase isso aí que o senhor está pedindo.” Eu, quantas vezes eu ia fazer um contrato com o Santos, não é só eu não, todos os jogadores, vamos dizer assim: Eu pedia cinco mil por mês, e o Sr. Modesto dizia: “Não, não vou te dar isso pra você não, se eu der isso aí o Santos quebra, você já vai jogar amanhã
contra o Juventus aqui e já vai ganhar quatro mil. Você vai jogar contra a Ferroviária, já vai ganhar.” Então, por semana, nós ganhava três, quatro bichos, já.
P/1 - O bicho acabava sendo superior ao salário?
R - Não tem dúvida. Nós jogávamos dez, ganhávamos nove, filho. Nós vivíamos do bicho. Tanto que o Santos... O dinheiro que o Santos ganhou em todas essas excursões, deu tudo para os profissionais. Hoje o Santos é um time pobre. O Santos vivia só para os profissionais. Eu posso falar que eu participei também, e se algum jogador disser que eu estou falando alguma besteira, é mentira, estou falando a verdade, é verdade. O Santos trabalhava para o jogador. O Santos ficava devendo uma partida, nós fazíamos um clássico com o Palmeiras. Cabia o que, cabia 120 mil para o Santos, aquilo era para pagar só bichos atrasados. O Santos vivia para os atletas, filho. E hoje é ao contrário, hoje os jogadores ganham uma fábula, mas também tem a Nike, tem essas todas que paga, né? Como é essa... Que patrocina o Santos, Unicor, ajuda, ajuda bastante. Os jogadores são caríssimos, mas tem os que ajudam, filho, naquele tempo não tinha nada disso não. A renda saía ali, do público. Eles pagavam para o jogador, o dinheiro do público, não tinha nada de ajuda não.
P/1 - Como é que era a torcida do Santos?
R - Era maravilhosa, era coisa fantástica! Nós chegamos, quando fomos disputar um jogo lá em Santo André, contra o... Eu vou mais além. Nós fomos disputar em 58 para 59, nós fomos disputar um jogo pelo campeonato paulista, em Campinas, e nós levamos 37 vagões lotados, eles iam. Não era criança não. Eram adultos, essa torcida era só adulto, criança é agora, mas, era maravilhoso! Quando nós ganhávamos, principalmente eu, quando nós ganhávamos, assim, uma partida, nós víamos aquele povo de ponta a ponta, a torcida do Santos, nós nos emocionávamos. E, quando acabava o jogo, e nós ganhávamos a partida, eu oferecia a vitória para o torcedor.
P/1 - Como é que você fazia isso?
R – É... Eu... Vinha uma rádio de Santos, vinha uma Bandeirantes, ou qualquer outra emissora me entrevistar, então, eu falava: “Muito obrigado coisa e tal, e eu acho que fiz uma boa partida, o time foi bem, aproveitou as oportunidades, fizemos dois, três gols, mas, aproveitando eu quero enaltecer a torcida pela sua presença, e quero inverter a vitória para a torcida que nos vem incentivar.” Isso é muito bonito, viu, filho.
P/2 - E a torcida gritava o seu nome?
R – Gritava. Quando nós éramos perfilados pra receber as faixas de campeões, ficava embaixo do social, e eu era o segundo mais ovacionado, porque eu nunca larguei o Santos, joguei o Santos todo... Sempre tive amor ao Santos, tive muito amor. O mais querido da torcida era o Pepe, que o Pepe teve vários convites, para ir para a Espanha, para a Itália, e ele nunca foi. E eu também segui essa performance.
P/1 - E como é que era aqui, andar na rua, na cidade, sendo jogador titular do time. Você era muito assediado?
R - Ah! Não tem dúvida, Ah! Se era... Nossa Senhora! A gente ia pra cidade. Nós já tínhamos... Bom, agora, e mais ainda. Nós éramos ofertados com presentes, você ganhava um jogo hoje, aí na terça-feira, na segunda ou terça-feira, você ia pra cidade, você vinha cheio de presentes, era sapato, era camisa, era tudo, você enchia uma bolsa e vinha embora. (risos) Eram os torcedores, os lojistas... Te davam tudo de presente. Meu filho não comprava sapato. Meu filho fazia aniversário, dava o aniversário, assim, para as emissoras e recebia telefonema em casa para buscar sapato, buscar meia, buscar blusa, era assim. A torcida era maravilhosa, filho, eu guardo boas recordações da torcida do Santos. Era muito bom.
P/1 - E me diz uma coisa, você poderia contar agora quando foi que você viajou na sua primeira excursão para o exterior com o Santos?
R - Nós fizemos excursão do... A primeira que nós fizemos foi na América do Sul e Central. O time em 1956, nós tinha sido bi campeão, e o time era tudo menino novo, crianças, e nós iniciamos nossa excursão na Bolívia. Aí, nós chegávamos naquele lugar, assim, os caras... Quase não ia jogador de futebol, quase não iam negros, né, e lá, era uma raça diferente. Então, eles viram aqueles torcedores da Bolívia, eles passavam a mão em você, e via a gente, assim, preto, eles passavam a mão em você pra ver se saía, né, se era tinta. Então, a gente achava graça, levava tudo na esportiva, né. E pegamos, nós fizemos dois jogos, Santa Cruz de La Sierra, já começamos ali, já comemos dois de goleada, que o time era bom, o time era bom demais! Aí, pegamos depois... Fomos para o Peru, do Peru pegamos Costa Rica, pegamos Equador, e ganhamos de todo mundo. Nós levamos 13 jogos sem perder. Aí ficamos... Panamá... Fomos para o México. Chegou no México, o time... Inclusive se você quiser, eu tenho essa fotografia, eu queria até mostrar. A minha senhora vai mostrar já pra você. Nós chegamos e foi um quadricular, um pentagonal. Disputou Duca de Praga, que era a base da seleção da Tchecoslováquia, o Ouro, o Guadalajara, o Nacional de Montevidéu, e tem mais um que eu não me lembro. É, o Santos participou, mas, eram seis, eram cinco. Aí eles puseram o quê? Nós vínhamos de uma boa fama, o time comendo todo mundo, aí eles puseram o melhor time, que era do México, que até hoje é, o Guadalajara. Não aceita gringo, é só mexicano. E pegamos o Sombrero, lotado, 80 mil pessoas, pro jogo contra o Santos, com 15 minutos o Guadalajara fez dois a zero na gente, com 15 minutos, aí eles tem aqueles dizeres deles. Eles tinham um chapéu bonito, que cada movimento que eles faziam... Igual na Copa do Mundo, cada movimento que eles faziam com o chapéu era uma palavra. “Nós vamos ganhar desse gringo, não sei o que, os brasileiros não são de nada, coisa e tal.” Então eles faziam aquele movimento e aquele estádio vinha abaixo. Sabe lá o que é isso, 15 minutos e dois a zero para os homens, 80 mil pessoas no estádio. Mas, nosso time era time, né, virou dois a zero. Nosso técnico, o Lula, não acreditava, né. Pô, você joga contra o Palmeiras, você joga contra o São Paulo, contra o Corinthians, contra o Flamengo... E vocês estão nervosos, vocês estão nervosos, dois a zero desse timinho! Timinho não, o time deles era bom. Aí, viemos embora, nos reunimos... Tinha isso de bom. Nós, quando saímos do vestiário, nós chegamos no túnel... “Nós vamos mostrar pro professor que nós temos vergonha na cara.” Aí, então, entramos pa, pa, pa, 20 minutos já estava três a dois pra nós. (risos) E o time do Santos... Os caras vaiando, os caras vaiando e não adiantava, o Santos era bom demais. Ganhamos de três a dois, aí, pa daqui, pa dali, e fomos disputar com a Duca de Praga, que era a base da Tchecoslováquia, fomos disputar o torneio. O Duca fez três a zero na gente, três a zero, a seleção da Tchecoslováquia. E outra vez, foi outra bronca. Aí nós fomos pro campo no segundo tempo, viramos... Fizemos três a três, aos 42 minutos do segundo tempo, o juiz marcou um pênalti pra nós. Aí o Pepe foi bater, outra vez o estádio lotado, todo mundo vaiando, fio, fiu, fiu, fiu... O Pepe foi lá e “catapimba”, gol. Fizemos quatro a três e era assim, o Santos era isso, o Santos era uma potência, filho.
P/1 - E como é que era o cotidiano dessa excursão? Porque vocês ficavam muito tempo no avião, esperando o avião, visitando os países.
R - Não, não ligava pra nada, filho. Vou contar uma passagem pra vocês aí, de... E se eu contar vocês vão ficar até amanhã aí, viu? Nós disputamos esses torneios e tudo, ganhamos de todo mundo, aí, nós saímos do México, nós tínhamos que fazer o pernoite em Miami, aí tinha o Hotel Central, era hotel bom, hotel de primeira, viu? Porque nós não ligavamos não, se tiver que dormir no ônibus, nós dormiamos no ônibus, ninguém ligava. O time era muito famoso, filho, todo mundo muito simples, e eles nos levaram para o hotel, um dos grandes hotéis de Miami. Mas, quando nós estavamos lá dentro, eles não sabiam que o Santos ia levando sete crioulos. Aí chegou na hora o cara falou assim: “Não, essa delegação não pode ficar aqui, porque tem muitos negros, e o hotel não aceita.” Vai daqui, vai dali, aceita ou não, aí telefonaram para o Hotel Aeroporto... Viemos para o Hotel Aeroporto, ficamos, aí chegamos no Hotel Aeroporto e eles tinha aquela frescura deles, mas, não era tanto. Que é que eles fizeram? Eles colocavam os brancos no primeiro andar e os crioulos no térreo. Agora, quando nós íamos almoçar, que nós íamos conversar com os jogadores do mesmo time, né, Ramiro, Zito, que era o pessoal branco, a turma falou assim: “Não, aqui não pode falar preto com branco não, ficam vocês lá e nós aqui.” E era um sarro. E nós não ligávamos não, filho. Eu vou contar outra pra vocês. No super campeonato, nós fomos nos concentrar em Registro. Registro, não! É aqui perto da Volksvagem, é uma cidadezinha... O Santos só concentrava lá. Aí, quando nós chegamos ali perto de... Nós saímos de ônibus. Quando chegou perto de Cubatão, o ônibus quebrou. Aí os caras falaram assim: “Pô, vamos chegar atrasado na concentração.” “Nós tudo de mala”, né, nós íamos nos concentrar sexta-feira, nossas malas... Aí vinha um caminhão velho, o Lula: “Ô professor, vamos nesse carro aí.” “Como? No caminhão?” “É, vamos aí no caminhão.” Aí eles fizeram pra parar, o caminhão parou. O Lula foi lá conversou com o chauffeur: “Vê se dá pra levar a gente, é um lugar que tem aí em cima.” O cara falou: “Não, eu levo.” Nós pusemos as malas todinhas, com o time de futebol, com todo mundo. Nós “trepamos” no caminhão, jogamos as malas em cima. Foi todo mundo de caminhão, pra concentração. Nós não ligávamos, filho, o time do Santos era muito simples.
P/2 - Onde que era a concentração, ali na Chácara?
R - É perto de Coronel Moran, onde eles fizeram agora, viu. E era assim, nós não tinha frescura, dizer que não vai. Na hora do almoço, nós fomos jogar contra o Real Madrid, na Espanha, e eles esqueceram de providenciar o almoço. Nós comemos duas maçãs cada um pra jogar contra o Real Madrid, e ninguém achava ruim não, ninguém achava ruim, é por isso que o Santos foi aquela grande equipe. Nós éramos muito unidos, viu? Quando brigava um, brigava todo mundo. Nessa excursão que nós fizemos pro México, nós brigamos três horas juntos, contra todos os clubes lá. A torcida invadia e nós íamos brigando, porque não tinha conversa não. Onde ia um, ia todos. O Lula falava assim: “Olha, eu vou dar uma folga pra vocês agora à noite, eim? Amanhã tem jogo, eim? Quando for nove horas, todo mundo aqui no hotel.” Era folga, andava, nós dávamos os passeios, quando nós olhávamos o relógio, 15 para as nove, parecia até aqueles patinhos, um atrás do outro. Vinha todo mundo embora, ninguém faltava. Nós éramos muito responsáveis, nós tínhamos muita responsabilidade. Nós estávamos perdendo o jogo, nós dizia: “Puxa, gente, perder para um time desse!? Vamos lá! O querer é poder, vamos ganhar!” Chegava e virava. Eu tomava dois, três, aí chegava, batia nas minhas costas: “Não se incomode não, Mangote.” Me chamavam de Mangote, né? “Nós tomamos três, vamos fazer quatro.” Ia lá e fazia. Nós éramos muito unidos. Por isso que eu falei pra vocês, na reportagem, antes, falei pra você: O time do Santos era bom, futebol tecnicamente maravilhoso, mas, o leão era mais. Nós não brigávamos um com o outro, nós não levantávamos a mão um para o outro. Ao contrário, um colega nosso errava, nós íamos lá, batíamos nas costas: “Vamos embora. Nós estamos aqui para errar também. Vamos embora.” E era assim.
P/1 - Qual era a rotina da concentração? Era igual a de hoje ou era diferente?
R - Não, a concentração era normal. Às vezes tinha jogador até, que nós éramos tão responsáveis, jogadores casados, não concentravam. Concentravam os solteiros, né, e os casados ficavam em casa com as patroas. Nós éramos assim. E não é porque fulano de tal vem concentrar, que você chega lá, então eu também não vou ficar. Como eu vejo aí o Marcelinho e outros mais aí falar besteira. Não tem nada disso não. Não veio, é porque o técnico acha que fulano de tal não tinha que vir. Fiquei lá, ficamos nós, acabou. Nós não nos preocupávamos com pequenos detalhes. Nós queríamos é entrar no campo lá, pra ganhar o bicho da gente. Vamos jogar pra ganhar o dinheirinho da gente. Nós vivemos disso, então, vamos fazer jus. Chegava lá e... Essas frescurinhas, essas coisinhas mínimas, isso não tinha no Santos, filho. Porque a gente encarava sério. Eu acredito que hoje, dificilmente, dentro do Brasil, no Mundo, exista um time tão unido igual foi o Santos. Nós somos tão unidos. Acabei de frisar pra vocês há alguns minutos atrás, tem o Lalá que faz sempre um churrasco, pra unir o pessoal veterano. Nós ficamos recordando aqueles momentos deliciosos, aquelas vitórias fantásticas, e a gente relembra aqueles grandes momentos também, que se passou conosco dentro das partidas, a gente releva isso também, a gente lembra disso também, isso é bom, isso é maravilhoso.
P/1 - E você jogou no Santos até que ano?
R - Joguei até maio de 1960. Eu tinha até o ano 62 contrato, mas, nós perdemos um super campeonato, e eles acharam que alguns jogadores falharam, que já estavam há bastante tempo, no time, né? Então naquele tempo eles tinham esse negócio aí de jogador ficar muito tempo... Hoje eles fazem força, eles fazem com que o jogador fique mais tempo pra poder pegar um pouco mais de estabilidade no time. Hoje eles fazem isso. Mas, no nosso tempo, você ficava dez,doze anos. “Está muito tempo, quer mandar no Santos, quer fazer isso...” Não é nada disso.
P/1 - Você já estava, então, com 31 anos, né?
R – Isso. Foi quando eu fui para o Sport, né?
P/1 – De Recife?
R – De Recife, isso. Em 1960. Aí fui bi campeão pelo Sport. Eles tinham um goleiro chamado Cilessa. Era o maior goleiro do norte-nordeste, e eu peguei aí... Existia o campeonato brasileiro de seleções, e eu fui... Eu e mais dois goleiros fomos convocados. Eu estava no Bahia. Ele fazia uma defesa, bola atrasada, o estádio vinha abaixo. O cara jogava lá no ângulo, saía voando, caía e batia uma, duas, mas eu vou ganhar. É que eu falei pra vocês aqui nessa entrevista, que eu era um... Tinha muita fibra, eu vibrava muito, eu tinha muita trena. Eu digo: “Vou ganhar... Esse gol vai ser meu, essa seleção ninguém vai tirar.” Ficou dois meses, nós treinando na seleção baiana, e mesma coisa. Aí, quando chegou no dia, eu fui escalado, no campeonato brasileiro eu fui o melhor jogador. Foi quando o Santos, outra vez, me chamou pra voltar. Mas eu não parei não, fui emprestado pelo Santos, mas, eu ganhava deles todos, de graça...
P/1 - Então você sai do Santos e vai para o Sport, é isso?
R - Isso foi em 53, que tinha o campeonato brasileiro de seleções, viu? Do Sport foi em 60. O que eu estou relatando, foi quando eu fui para o Bahia, em 53.
P/1 - De 53 para 54.
R - Isso.
P/1 - Aí você vai para o Sport Recife e fica lá dois anos?
R - Isso, justamente. Aí, disputei o campeonato, logo depois fui bi campeão e voltei para o Guarani de Campinas.
P/1 - Aí você fica mais um ano...
R - Fiquei mais um ano, aí foi quando eu vim pra Portuguesa e fiquei como técnico, né?
P/1 - Ah! Na Portuguesa você já não era mais jogador?
R – Joguei... Mas encerrei como jogador na Portuguesa.
P/1 - Com 35 anos?
R - É, mais ou menos, 34 para 35, foi isso aí. Eu estava bem ainda, estava sossegado, não era de beber, não era de fumar, eu me resguardava muito, né? Eu parei cedo. Pra mim eu parei cedo. Eu podia jogar até 37 anos, igual ao meu xará. Meu xará jogou até os 44 anos, aí pararam ele. Ele não parou, pararam ele, senão ele continuava até hoje, né?
P/1 - Por que, que seu apelido veio a ser Manga?
R - Porque eu gostava muito de manga, e gosto. Você vende manga, aí, eu fico louco, enquanto não chupo uma manga, eu não fico tranqüilo. Então, o pessoal também falava que minha cabeça parecia cabeça de manga, aí ficou. (risos)
P/1 - Mas, isso era no Espírito Santo? Ou você pegou esse apelido aqui?
R - No Espírito Santo. Quando eu jogava tinha um tal de Macumba, um centro-avante que falava assim: “Ô, vai lá cabeça de manga! Pega a bola cabeça de manga!” E ficou, né? E eu já adorava manga, né?
P/1 - Qual manga que você mais gosta?
R - Todas elas. Desde que seja doce, todas elas. (risos)
P/1 - Tem muita manga, né?
R - Tem muita manga! Cada uma melhor do que a outra. (risos)
P/1 - Fala um pouquinho, então... A gente já está infelizmente chegando pro final aí da nossa conversa. A sua passagem como técnico, como foi essa sua experiência? Você foi técnico, eu estou vendo aqui, de dez times.
R - É, eu trabalhei... Tem mais alguns aí que eu não me lembro. A carreira de técnico foi muito boa. Eu tive uma passagem muito boa como jogador de futebol, e você vai tirando aquilo que é bom, vamos dizer assim, do Santos, nessa fase airosa, essa fase maravilhosa do Santos, você vai tirando o que é bom, vai separando, e o que é ruim, você esquece. Compreendeu? Então, você passou por grandes técnicos. Você aprecia, você tira aquilo de bom que ele tem, e guarda. Aquilo que não vale nada você vai deixando, e vai aprendendo como jogador, você vai aprendendo... Os estilos, as performances dos técnicos, você vai guardando. Eu passei por vários técnicos bons. Passei pelo Lula, Aymoré Moreira, o Gladim do Rio de Janeiro, né, e passando... O Artigas... Grandes técnicos. O Antoninho... E você vai guardando o que é bom. E quando eu entrei na carreira de técnico, pra mim foi fácil. O que eu aprendi no Santos e nesses clubes que eu passei, eu encaixei nos clubes que eu fui treinando. Eu saí... Quando eu encerrei em 63,64, na Portuguesa Santista, tudo aquilo que eu sabia, a Portuguesa tinha caído pra segunda divisão de profissionais, hoje a A-2, a B-3. Então foi aquilo, eu cheguei... Foi fácil, eu sabia como o Santos jogava, eu sabia que o Santos ganhava aquelas grandes viradas, como nós jogávamos, como nós fazíamos pra poder virar uma partida, como que nós fazíamos pra poder jogar bem. Como nós fazíamos para o jogador ser disciplinado, como nós fazíamos para o jogador não ser indisciplinado. Isso tudo você guarda, você vai guardando. Quando você pega uma equipe pra treinar, você já impõe aquele trabalho, aquele ritmo, aquele estilo de trabalho, não custa nada. Então, eu peguei a Portuguesa. A Portuguesa caiu e eu era o jogador mais velho, tinha 30 e poucos anos, o nosso presidente falou assim: “Olha, nós não vamos contratar técnico agora não. Nós temos aí, o Manga. É um veterano, sabe trabalhar.” “Pô, mas ele nunca foi técnico.” “Mas ele passou por grandes equipes, ele sabe trabalhar.” Aí, me puseram... Me colocaram primeiramente pra fazer uma série de amistosos. A Portuguesa arrumou três amistosos, em casa, fora, em casa, fora e eu dei uma sortinha, ganhei todos. Fui lá, pronto, o homem está aí, descobrimos o homem. Aí, em vez de eles me dispensarem, já fiz um contrato como técnico e iniciei o campeonato paulista. Naquele tempo o campeonato paulista, era 20 clubes, só um que entrava. E os campos do futebol paulista, Nossa Senhora! Você estava disputando as partidas, igual em Sorocaba, você estava disputando o jogo, batia um tiro de meta... Você ia bater um lateral, os caras te seguravam na camisa. É, eram uns campos horrorosos, pequenininhos, e você entrava no campo, se ganhasse o jogo saía apanhando, tinha que perder, era assim, filho. Então passei essas peripécias todas, como técnico, então iniciou o campeonato...
P/2 - E como técnico do Santos? Você foi técnico no Santos...
R - Do Juniors.
P/2 - Conta um pouquinho dessa experiência pra gente.
R - É, eu disputei a Taça São Paulo, fui vice-campeão da Taça São Paulo, com os Juniors Santos. Ali foi mais outro motivo de direção... Eles achavam que eu tinha que por o jogador deles, sobrinhos, protegidos, e eu, comigo, não tinha nada disso não, vai jogar aquele que estiver melhor tecnicamente, condicionalmente bem. Então havia aquela pressão contra mim, dentro do Departamento Júnior. Eu, vendo aquilo que não valia a pena, que eu ia queimar minhas pestanas, no Juniors, me aborrecer por causa de diretor... Eu larguei, aí fui ser técnico profissional. Voltei pra ser técnico profissional.
P/1 - Desses jogadores aqui, do Juniors de 83, algum chegou ao time aí, campeão de 84?
R - Você fala qual, do...
P/1 - O Santos ganhou o Paulista de 84. Do seu time aí de 83, algum jogador se destacou?
R - Tem, teve o... Não sei se você conhece, o Fernandes, ponta esquerda. Teve outro também, o Rached, centro avante... e o Alexandre, que está nos Estados Unidos. Deixa eu ver... O Cardim quer dizer, eu tive quatro ou cinco que veio para o time de cima, viu? Chegaram a jogar no time de cima... O Rached jogou no time do Santos, o Cardim jogou, o Márcio Fernandes jogou, ponta esquerda, né... Isso tudo era meu jogador, “tudo era” meus jogadores.
P/1 - E voltando um pouquinho, que a gente acabou te interrompendo. Você ia falar do campeonato que você ia disputar pela Portuguesa, fez os amistosos e foi para o campeonato.
R - É, aí fiz um contrato de um ano com a Portuguesa. Dei sorte, fui campeão paulista. Em 64,65, enquanto você faz esses jogos, esses campeonatos, você está sendo observado, logicamente, e a fama vai correndo para o interior, que você trabalha o interior todo, né? Aí a Ferroviária viu meu bom trabalho na Portuguesa, ela tinha caído aquele ano, e eu subi com a Portuguesa. Aí vieram me contratar, fui pra Ferroviária e fui bi campeão. O mesmo trabalho que eu efetuei na Portuguesa, efetuei também na Ferroviária, bem tranqüilo, né? Faltava seis jogos e já era campeão paulista, né, e era assim. E trabalhei em outros clubes, bem. O Grêmio São Carlense, eu trabalhei no Grêmio São Carlense. Eu fiquei 24 jogos... Na divisão intermediária, eim?! Foram 24 jogos sem perder um jogo, de ponta a ponta, não é fácil não, filho, até hoje eles se recordam desse número de partidas.
P/1 - E como é que você definiu o seu estilo de ser técnico? Qual era a sua linha de trabalho?
R - É, eu era um treinador, não era muito disciplinador. Porque os nossos técnicos, que eu passei, aquilo lá que eu falei, o que é de bom, você tira, o que é ruim você deixa. Então, os técnicos que eu passei, que tive minhas maiores performances, meus maiores triunfos, era o Lula. O Lula era um técnico que não brigava com o jogador, ele deixava você à vontade, você é que tem que ter responsabilidade, como eu já falei pra vocês aqui, tinha que ter responsabilidade, senão você saía fora do time. E eu ia levando... Meu trabalho era dessa forma, eu não prensava jogador. Eu era desses técnicos que eu falava pra eles: “Eu falo uma vez só, eu só dou uma orientação, eu quero que você marque fulano, não me deixe fazer isso, não faça isso, não faça aquilo, eu falo uma vez só com o jogador.” Eu não sou desses técnicos que dou instrução pra você, agora, o jogador está errando no campo e está igual uma besta lá, gritando com o jogador. Então isso demonstra que o técnico não tem confiança no trabalho dele. O técnico tem que dar orientação no vestiário, e lá ele olha durante a partida e vê o que está se passando, então ele corrige... Eu mando você marcar o lateral direita, o ponta-direita, o ponta está passando pelo lado esquerdo seu, eu digo: “Eu te avisei que ele só vai passar pelo lado esquerdo seu, estou acabando de frisar isso pra você, não me deixa acontecer isso.” Se eu vejo que meu jogador está persistindo, eu tiro, saco ele do time. Então, o que eu aprendi com esses técnicos era isso aí, não precisava você estar dando soco, não precisava você estar batendo, não precisava você estar gritando pra todo mundo ver, não. Você tem que trabalhar na surdina, você tem que trabalhar na picardia, e graças a essa forma de trabalhar, eu só arrumava amigo. No nosso tempo, ser jogador de futebol não era culto, não tinha estudo, e era difícil você trabalhar com esses jogadores. Você dava uma palavra, eles pensavam que você estava gritando, você estava desmoralizando, então você tinha que ter picardia, você tinha que ter muito tato para trabalhar com o jogador. Você dava uma instrução, você tinha que pegar ele direitinho e coisa e tal, é isso que tem que fazer, senão você perdia o atleta dentro do campo. Isso eu aprendi, dessa forma, e graças a Deus, dei sorte. Aí, tinha outros dirigentes, que achava que você tinha que dar uma esculhambação no jogador, pa pa pa, não, não é assim não, futebol não é isso não. Futebol você tem que saber trabalhar. Nós tivemos um grande técnico, chamava-se Beckenbauer, o homem não gritava com ninguém, ele orientava, dava orientação dentro do vestiário, então, ele olhava dentro da partida e corrigia o jogador. E Alemanha é campeã mundial.
P/1 – E, o Manga, eu queria saber de você agora, podia lembrar, assim, algumas histórias engraçadas, uns fatos aí, que aconteceu na carreira com você ou com outros jogadores, que esse lado também é importante pra gente levantar.
R - Eu tenho fatos, assim, bem poucos. Nessa excursão que nós fizemos aí, na América do Sul e Central, nós paramos no Panamá, e nós não tínhamos quase dinheiro pra gastar. O nosso empresário disse: “Vamos dar cinco dólares para eles jantarem”, nós paramos no Panamá, mais ou menos, umas sete, oito horas da noite, disse: “Vamos dar cinco dólares pra ele jantar”, e, bom, cinco dólares dava bem, aí nós fomos. Saiu eu, o Zito, Ramiro, Pelé, o Fioti, eram sete, e no Panamá é igual ao Estados Unidos, aqueles carros grandes, né, que levavam sete, oito pessoas, né? Você vê aqueles carros grandes de artistas de cinema, né?
P/2 - Limusine?
R - Limusine, isso. Aí disse: “Bom, eu vou levar sete.” O cara falou, vou levar sete. “Bom, pra você levar, quanto você quer?” “Você dá uns cinco dólares.” Pra ir e voltar... Pra ir, quer dizer. “E pra voltar?” “Pra voltar, vou segurar vocês... vocês dão sete.” Cinco e sete pra voltar. Aí eu achei ruim, né, falei: “Pô, você leva yo, pra lá, né, quer pegar cinco, na volta você quer trazer yo, quer por 7, yo fica duro! (risos) Yo, arrumei uma expressão lá... (risos) Pô, você vai leva yo, quer cinco, quer trazer yo por sete... yo vai ficar duro! (risos)
P/2 - Aí, deu desconto?
R - Levou, deu por cinco outra vez. Mas, acho que foi o “yo” que eu arrumei. “Você leva isso... yo, pra cá...” “yo”, que língua é essa? Isso não existe. (risos) Aí, era assim, aí eu vou contar uma do Pelé: Eu era espírita. Eu gostava de ser espírita, né, assim, tinha simpatia por espirita, a gente vê tanta coisa... Inclusive você até perguntou se eu não era espirita, não foi? Não?
P/1 - Eu perguntei da sua religião.
R – É, religião, isso. E uma vez eu estava dirigindo a Portuguesa, e fomos disputar título, depois eu conto a do Pelé... Nós íamos jogar contra em Campinas, contra a Ponte Preta, e aquele monte de gente, nós íamos sair daqui, a Portuguesa, pra jogar em Campinas, decisão de campeonato, né, aí eu estou num cantinho, assim, pensando na partida, vem uma senhora, uma baiana, devagarinho coisa e tal, ela veio andando, chegou perto de mim olhou e disse: “O senhor é o Sr. Manga?”
Eu disse: “Sou sim, senhora.” “O senhor quer ganhar esse título?” Eu disse: “Que pergunta a senhora está me fazendo?” Pra ganhar esse título, até se for pra eu me jogar lá do décimo andar, me jogo e ganho. “O senhor tem uma simpatia pra fazer.” Eu disse: “Pois não.” Aí ela meteu a mão no bolso, tirou um charuto desse tamanho. “O senhor vai levar esse charuto, e vai dar três tragadas quando o senhor entrar em campo.” “Mas eu não fumo minha senhora, eu não sei fumar, nunca fumei.” “O senhor não disse que quer ganhar o campeonato?” “Quero.” “Então o senhor vai fazer eu que eu estou lhe mandando.” Aí eu cheguei: “Tudo bem, tudo bem.” Ela me deu a caixa de fósforo e me deu o charuto. Eu, pra esconder aquele charuto, ai minha Nossa Senhora! Um monte de gente... Naquela oportunidade, deu a maior renda do interior do Estado de São Paulo, 30 milhões. Deu a maior renda, nem Santos jogando com o Guarani, nem o Palmeiras jogando em Araraquara dava essa renda. Era a decisão dos 32 milhões. Gente por cima de tudo quanto era lugar. Aí, quando eu pus o pé no campo pra poder entrar, eu acendi o charuto, aí os caras: “Macumbeiro, macumbeiro...” Que? Eu nunca vi aquilo, seja o que Deus quiser, vamos embora. Aí peguei acendi, joguei pra cima... “macumbeiro, desgraçado” e dei o segundo, dei o terceiro, com sete minutos nós fizemos o primeiro gol, um a zero, em Campinas, e estava uma onda em Campinas, se nós ganhássemos o jogo, ninguém saía vivo de lá. Aí, cheguei lá, dei três tragadas, aos sete minutos fizemos... Aos sete minutos o cara que fez o gol e era o número sete. Era dia sete. Vê que coincidência! O cara da camisa que fez o gol era sete, era dia sete, e aos sete minutos, muita coincidência. E ganhamos o campeonato, na Portuguesa.
P/1 - Foi um a zero?
R – Foi um a zero. Até hoje está na Portuguesa esse negócio aí. E graças a Deus, Ih! Aí eu criei uma moral tremenda. Aí, fui bi pela Ferroviária. Eu trabalhei mais ou menos em 35 clubes, é porque eu não me lembro. Foi tanto clube que eu trabalhei, aí tem uns dez só. Então, eu criei aquele nome dentro do interior de São Paulo, né, como o melhor técnico... Eu fui cobiçado por grandes clubes, mas é que eu não saía. Bom, do Pelé. Do Pelé é o seguinte: No campeonato paulista, de 1958, nós estávamos numa fase boa, fazendo gol, o Pelé fazendo gol de tudo quanto era jeito... No meio do campeonato, o Pelé não estava fazendo gol, ficou seis jogos sem fazer gol. E essa senhora, que eu tinha muita simpatia por ela, gosto de espirita, que ela dava simpatia, aí, chegou um dia o Pelé me cercou, né? “Escuta, aquela senhora, que ela trabalha pra você, não dá pra você dar um toquinho pra mim, coisa e tal...” Eu digo: “Dá, dá, eu vou conversar com ela hoje à noite direitinho.” Aí eu conversei com essa moça, né, conversei com ela... “É, ele está com mau olhado mesmo, nas costas, ele tem que fazer uma simpatia, pra parar com esse troço.” Aí nós jogamos contra quem, meu Deus? Nós jogamos contra Juventus... Nacional da capital, jogamos com o Nacional. “Aí, o senhor vai e fala pra ele o seguinte: Quando ele estiver no vestiário, o senhor dá a camisa pra ele. O senhor vai dar a camisa pra ele pra ele virar pelo avesso, ele vai por a camisa pelo avesso, e vai entrar no campo com a camisa pelo avesso.” Aí eu cheguei: “Já tem uma simpatia pra você fazer. Você quer fazer?” “Faço.” Ele tinha muita fé, filho da mãe. Aí ele chegou, todo mundo batendo bola, todo mundo aquecendo, coisa e tal, e ele com a camisa pelo avesso, mas ninguém falou nada, os jogadores, colegas, ninguém falou nada. Aí nos entramos, quando entramos, aquele central, Mário Travalini, que era o central do Nacional, falou: “O que é que há crioulo? Vestiu a camisa pelo avesso, pô?” Aí ele... “É mesmo, rapaz!” Aí ele desvirou e acabou o encanto. Ele fez sete gols nessa noite. (risos) Sete gols ele fez contra o Nacional. Ganhamos de dez a zero, que são as coisas que a gente guarda, né?
P/1 - Você tem o endereço dessa moça aí pra eu ir também?
R - Ah! Essa senhora faleceu. Infelizmente ela faleceu. Se eu soubesse, não estava parado aqui não, filho. (risos) Eu estava trabalhando porque eu tinha muita fé nela. Eu ganhei vários títulos, graças a Deus, também, porque ela me ajudou. Tem a passagem, lances, nós jogando em Piracicaba, ela falava: “O jogo vai ser um a zero pra vocês.” “Você vai ser a maior figura de campo.” O Santos nunca perdeu em Piracicaba, pergunta para os diretores, esses agora, atual, se o Santos algum dia perdeu em Piracicaba para o XV? Nunca! Então, começou o jogo. Jogo quente, lá e cá, pa, pa, pa... E o Del Vecchio foi lá e fez um a zero, e os homens em cima de mim, e eu pegando, eu pegando... Pra cá, e teve uma hora, que o centro- avante deles, o Guerra, que depois nós contratamos, trouxemos até para o Santos, o Guerra depois. O homem chutava e a bola entortava, ele chegou em cima do penta e deu uma bordoada, pá, e eu vim pra trás, né, pra defender. Quando gritaram gol, gritaram gol. Gritaram gol e eu caí pra trás, né, aí eu olhei para o Zito, olhei para o Dalmo, olhei pro Getúlio, eu digo: “O que é aquilo?” Respondeu: “O que é que há?” Digo: “Cadê a bola?” “E os caras então gritando gol, pararam de gritar gol, cadê a bola?” “Levanta que você está sentado em cima da bola.” (risos) Peguei a bola: bum bum! (risos) No que o cara chutou, eu vim pra trás, eu caí, quando eu caí a bola ficou aqui embaixo. Eu, com aquele impacto do chute, eu não sabendo onde que a bola estava. A bola estava presa no bumbum. (risos) Nunca vi um troço desses, eu tinha sorte. Eu jogava bem e dava sorte, graças a Deus.
P/1 - Qual era o nome aí da dona da simpatia?
R - Dona Leonor. Muito boa, ajudou muita gente, filho. Deus que ponha a alma dela em bom lugar.
P/1 – Manga, estamos chegando ao final da entrevista, né... Então, eu queria que você contasse um pouquinho que você se lembra de algumas pessoas que a gente vai entrevistar, rapidamente, só para inclusive nos ajudar a entender o que é que a gente vai falar com elas. É, o Zito, quando você estava no time é que o Zito chegou, né? Você estava no Santos antes dele, né?
R - O Zito. Eu estava antes do Zito, né? O Zito é uma pessoa maravilhosa, fantástica! O Zito ajudou muito o Santos. Ajudou de que forma? Então eu vou dizer pra você: O Zito, nós errávamos, e desses jogadores que eram novos, com mentalidades de velhos, ele era uma dessas. Nós estavamos perdendo, e ele chegava, em vez de achar ruim, ele chegava, incentivava, batia nas costas... “Vamos embora, levanta a cabeça, não tem nada disso não.” E o Zito era uma pessoa que nós estávamos disputando um campeonato e, geralmente, ele era um jogador de seleção brasileira, Pelé... E esses homens ganhavam muito mais do que nós, né, o ordenado deles era maior. Dentro do campeonato paulista, às vezes eles ganhava, vamos dizer dez mil, nós ganhávamos dois. Mas, nós fazíamos quase igual a eles, né, nós éramos jogadores, estávamos jogando no mesmo time, quando chegava, assim, na terça-feira ou quarta-feira... Ele tinha muita autonomia com o Sr. Modesto, com o Sr. Athié. Nós víamos aquilo e falávamos: “Zito, puxa, eu ganho dois mil cruzeiros, não dá pra você falar com o Sr. Roma, pra ele fazer um reajuste no meu ordenado.” “Só ganha isso?” “Só ganho isso.” “O senhor vê o que eu posso fazer?” Então, ele ia lá, falava com o Sr. Modesto Roma, falava com o Sr. Athié, e “Ô, Sr., Athié, o Manga está ganhando dois mil, coisa e tal, pa... Tem família, é pouco, e tudo...” Porque é aquilo que eu falei pra você, às vezes a gente acertava por dois mil, porque ganhava no bicho, descontava no bicho, mas, tem hora que eu apertava, né? Aí ele ia lá, falava com o Sr. Modesto Roma, falava com Sr. Athié Jorge Coury, e o homem falava: “Pode deixar.” Aí reajustava pra quatro mil. Então ele ajudava a gente. Você ganhava pouco, ele ia lá, falava com o homem, e o homem reajustava seu ordenado. Então ele era esse homem, ele ajudava o colega. Ele nunca foi contra a gente. Então ele era um líder. Ele era o nosso líder. O Pelé o respeitava, né? O que ele falava dentro do campo, o Pelé ficava quietinho. Eu vou contar uma passagem rápida do... Eu já tinha saído do Santos, estava no Guarani, e o Santos foi jogar em Campinas, pelo campeonato paulista. O Santos veio da excursão da Europa, em vez de vir para Vila Belmiro, foi direto para Campinas. Aí o Guarani também tinha um timão de bola, e o jogo estava duro, lá e cá, estava zero a zero, teve uma hora que veio ele e o Pelé, tocando, tocando... Quando chegou em cima da grande área, na risca da grande área, ele fez uma tabela com o Pelé. Então, ele fez a tabela e entrou para o Pelé dar a bola pra ele fazer o gol, e o Pelé chegou e não deu, aí ele perdeu para Eraldo que era nosso quarto zagueiro. Aí ele olhou para o Pelé: “Vai lá, seu nego filha da mãe.” Assim “Seu negrão filha da mãe.” E ele não veio, não? Pelé foi desarmar nosso jogador, na grande área do Santos, já. Você vê a autonomia, a moral que ele tinha em cima do Pelé. E até hoje ele tem. O Pelé foi o grande jogador, o maior jogador do mundo, mas, sempre respeitou o Zito. O Zito é nosso líder, filho. Toda e qualquer confusão ele é que tomava a frente.
P/1 - E o Dorval?
R - O Dorval é um jogador regular. A parte moral era um jogador que não se cuidava, um jogador que gostava de tomar um drinque, pessoa que não tem autonomia, jogador que não tem uma certeza, uma convicção da sua vida, só pode sofrer. Dorval sofreu muito no Santos, por causa disso. Eu até hoje, você vê, modéstia à parte, chego, grito lá dentro, eles me respeitam, digo: “Não preciso de vocês pra nada.” Já precisei do Santos, hoje, já não preciso mais, mas não é comigo que vocês vão fazer injustiça não, eu falo mesmo. Quando eu falo lá dentro, eles abaixam a cabeça, porque eu nunca, graças a Deus, eu nunca fui um jogador indisciplinado no Santos. Sempre fui disciplinado. Sempre cumpri com a minha obrigação no Santos. Nunca chegou o dia e dizer assim: “Suspenda o Manga, multa o Manga porque ele faltou no treino.” Nunca faltei um treino no Santos, em dez anos de trabalho.
P/1 - E o Mengálvio?
R - O Mengálvio é um jogador que ele podia ter mais autonomia, podia ter mais nome no Santos, mas ele se deixava, ele se relaxava um pouco, ele ligava, compreendeu? Tem jogadores que são considerados líder, porque ninguém encosta neles, filho. O Mengálvio faltava treinos, era meio devagar, você vê, jogadores que foram líder mesmo, era o Pelé, era o Zito, Carlos Alberto, Ramiro, Álvaro, jogadores que não davam confiança pra diretor não, filho. Jogador que ia lá e resolvia o problema deles, dentro do campo os caras se matavam. Sabia falar, sabia se pronunciar. Não era jogador que não sabia falar, tinha cultura, o Ramiro falava um inglês bem. O Zito, idem. Então, esses caras, filho, chegavam perto de diretor, o diretor curvava-se perto deles. Até hoje o Ramiro é representante do Santos, no Rio de Janeiro. O Santos quer qualquer coisa, fazem uma ligação para o Ramiro. E assim, jogadores que tem a marca. Agora, já o Dorval é mais devagar, o Mengálvio é mais devagar, viu, tinha receio de falar, eu não tenho. Eu tendo confiança em mim, eu falo. Eu acho que estou certo, eu vou lá e falo.
P/1 - E, Manga, pra finalizar: Como você se sente de estar aqui entrando na história do Santos, dando seu depoimento aí, para as gerações futuras, que vai ficar guardado no Museu do Santos Futebol Clube?
R - Ah! Eu me sinto bem lisonjeado, emocionado. Que é uma marca que dificilmente será esquecida, dizendo tudo aquilo que eu fui, o que eu sou, para um próximo e graças a Deus, estou falando isso de cabeça erguida. Sou um homem com uma moral intocável dentro de Santos. Chego aonde eu quero, vou aonde eu quero, sempre sou muito bem recebido, e graças a Deus eu só posso enaltecer o trabalho de vocês, essa grande oportunidade de falar para os ouvintes, ou para essa imagem, e deixando um grande abraço para aqueles que vão compreender amanhã que eu fui um grande jogador, um grande ídolo e agradecer de coração tudo aquilo que vocês tiveram a paciência de conversar comigo.
P/1 - A gente é que agradece. Muito obrigado. Foi uma ótima entrevista.Recolher