Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Adelzon Alves
Entrevistado por Arnaldo Ferreira Marques Júnior
Rio de Janeiro, 05/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_07_Adelzon Alves
Transcrito por Francisco Guilherme Ribeiro Ruiz
P/1 – Senhor Adelzon, boa noite.
R – Boa noite....Continuar leitura
Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Adelzon Alves
Entrevistado por Arnaldo Ferreira Marques Júnior
Rio de Janeiro, 05/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_07_Adelzon Alves
Transcrito por Francisco Guilherme Ribeiro Ruiz
P/1 – Senhor Adelzon, boa noite.
R – Boa noite.
P/1 – Para começar gostaria que o senhor desse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, meu nome é esse mesmo só, Adelzon Alves, sou de 5 de setembro de 1939 e sou paranaense, de Cornélio Procópio, norte do Paraná.
P/1 – Seus pais eram de onde?
R – Eram de Minas. Meu velho era de Lavras, fica na Fernão Dias, né, São Paulo-Belo Horizonte. E minha mãe era de Itajubá, que é perto também, é Minas, né, mas é na região do Sapucaí, é perto de Santa Rita do Sapucaí, que já está na Fernão Dias. Mas é Minas, os dois são de Minas.
P/1 – E eles mudaram para o Paraná por quê?
R – Naquela época do ciclo do café, quando o norte do Paraná explodiu terra roxa e que muita gente ia para lá, gente humilde de interior, de roça e como muitos retirantes do Nordeste foram para lá, japoneses também foram. Bom, primeiro devido à importância do principal produto de exportação do Brasil na época, era praticamente a exportação do Brasil era café. Então, qualquer região que produzisse café como lá, o Espírito Santo e tal, havia um chamariz de gente que ia para lá. Aliás, inclusive, a propósito como esse é um projeto dos Correios e essa ideia dos retirantes, do pessoal que sai da terra para ir para a região, que está na época oferecendo oportunidade de trabalho e tal. Então, meu velho não só derrubou as primeiras matas, plantou os primeiros cafezais, tanto que quando ele pegava o café em grão e ele mesmo torrava naquele torradorzinho pequeno, moía e fazia o café, meu camarada, aquele conhecia do início. Mas a propósito dos Correios e a propósito dos retirantes tem uma história, só um entre aspas, porque lá tem uma cidade que chama-se Maringá, que eles chamam de Cidade Canção, porque ela foi fundada quando explodiu a música Maringá, “Maringá, Maringá, depois que tu partistes, tudo aqui ficou tão triste, eu agarrei a imaginar”. E Maringá foi fundada, o nome, a música foi criada em função de carta, aquilo daquele filme Central do Brasil, que a Fernanda Montenegro interpreta uma mulher que escrevia carta.
P/1 – A Dora, né?
R – Isso. O doutor Joubert de Carvalho, que era um médico e foi um grande compositor, têm vários clássicos de Orlando Silva, Francisco Alves, aqueles grandes cantores do passado, que são dele. E ele como médico era de vez em quando um mandado daquelas campanhas de interiorizar campanhas, contra a malária, contra isso, contra aquilo e ele está no Nordeste e assiste uma cena como aquela da Central do Brasil. Era um nordestino muito humilde, analfabeto, ditando a carta, que nas levas de nordestinos que chegaram lá. Eu vi muitos chegarem lá no Paraná na época, ele era meio covarde, a mulher que era atirada, diante da fome dos filhos ela entrou em um caminhão de pau de arara e foi. Porque o seguinte, por exemplo, para você ter uma ideia, hoje em uma frente que trabalhava do Nordeste, que o cara ganha, por exemplo, cinco reais por dia, como o fazendeiro queria pegar preço alto na Bolsa de Nova Iorque, ele pagava mais para acelerar a colheita. Então, eram três meses de colheita de café e três de algodão e o cara ganhava como se fosse hoje 150 por dia. Hoje, comparando hoje, uma frente lá no Nordeste ganharia cinco, lá ele ganharia 150 e podia trabalhar seis meses, até sábado e domingo, o fazendeiro bancava, porque são duas principais commodities de exportação. Então, ela entra em um caminhão de pau de arara e vai para lá. Então, o doutor Joubert lá no Nordeste assiste o marido ditando a carta, aí, quando a mulher pergunta: “Mas para quem é que vai essa carta? Qual é o endereço?”, “Não, é da Maria do Ingá”, porque era Ingá de Bacamarte, é uma cidade Pernambucana. Coitado, ele na ingenuidade dele, na ignorância dele, como ele era conhecida, que intimidade todo mundo sabe quem é no local, ele pensava que o mundo inteiro sabia quem era. Diz: “Não, essa carta vai para a Maria do Ingá”, “Mas quem é Maria do Ingá?”, “Não, minha mulher, a Maria do Ingá. Todo mundo sabe quem é ela. Manda para a Maria do Ingá”, “Mas onde é que está a Maria do Ingá?”. Coitado, ele não tinha a menor ideia. Doutor Joubert assistiu essa cena, aí, fez: “Maringá, Maringá, depois que tu partistes tudo aqui ficou tão triste, eu agarrei a imaginar. Maringá, Maringá, para ver felicidade é preciso que a saudade vá bater noutro lugar”, lembra aquela briga do casal, filho passando fome? Ela resolveu sair, aí, que ele foi ver a falta que ela fazia na vida dele. E a cidade começou a ser desenvolvida quando essa música explodiu, aí, botaram o nome da cidade Maringá, que é Maria do Ingá, Ingá de Bacamarte.
P/1 – E o senhor morou em Cornélio Procópio até que época? Até que idade?
R – Morei até pouco depois do Serviço Militar, o Tiro de Guerra, que eles chamam de Caçador de Rolinha no interior. Até uns 22 anos, por aí. Daí, fui para Curitiba, que é a capital do Paraná, e lá trabalhei nas rádios Cruzeiro do Sul, que era meio parecido com a JB aqui, Rádio Guairacá, aí já uma rádio mais popular.
P/1 – Gostaria de ficar um pouquinho mais em Cornélio Procópio ainda. Como é que era a sua infância lá? As brincadeiras? Como era naquela época?
R – Ah, como qualquer cidade do interior. Naquela época era, devido a esse pioneirismo, cidade sendo desenvolvidas. Então, eu sou nascido na roça, no interior, meu pai tinha uma pequena propriedade, talvez até uns seis, sete anos. Depois uma pequena vila perto de Cornélio Procópio, minha infância foi nesse lugar chamado Congonhas, e como qualquer outro garoto, de bola de gude, pipa, papagaio, nadar em rio, porque interior tem muito rio, você nada muito, pescar lambari, no interior água doce você pesca lambari. Então, é mais ou menos isso, como qualquer outra criança de interior.
P/1 – Tinha escola nessa vila ou o senhor tinha que viajar para ir à escola?
R – Tinha, tinha escola, o primário foi feito ali. Aí, depois para Cornélio e foi a parte ginasial, inclusive a minha professora de História, Gilda Poli, depois chegou a ser Secretária de Educação do Paraná, não sei se o Governo Ney Braga, uns daqueles governadores lá. Aí, fui para Curitiba, porque comecei como radialista lá em Cornélio.
P/1 – O senhor sempre morou no campo com o seu pai ou o senhor chegou a mudar para a cidade?
R – Não, no início tanto eu como o meu pai, a família morava na roça, depois fomos para a pequena vila, meu pai foi Vereador nessa pequena vila. Meu pai é um cara com espírito público.
P/1 – Mas essa vila já era uma cidadezinha? Para ter vereador.
R – Pequeninha, tipo distrito.
P/1 – Como é que era o nome?
R – Congonhas.
P/1 – Congonhas?
R – Congonhas.
P/1 – Ele era vereador por Congonhas?
R – Nessa Congonhas é que chegavam os caminhões de pau de arara. E até um fato que para mim marcou, e gozado, veio me chamar a atenção agora, dois, três anos atrás, que eu tenho 73 anos. Chegavam os caminhões de pau de arara, né, aí, o pessoal descia, os caminhões faziam uma rotatividade nos pneus, reabasteciam, muda o motorista e entrava gente da minha cidade, que vinha para um lugar chamado Urucânia, aqui perto de Ponte Nova, que tinha um padre negro, padre Antônio Ribeiro Pinto, que fazia milagres. Mas, aí, isso durante um longo tempo, chegava o caminhão, daqui a pouco o caminhão saía. E quando as pessoas voltavam traziam um pequeno busto dele, assim, ele era um padre negro, pelo busto, e uns que não enxergavam voltavam enxergando, pessoas com vários problemas, alegres, felizes de rever a família e a família abraçada, aquela emoção e tal. Isso foi na minha infância praticamente, dez anos, 12 anos.
P/1 – Urucânia era aqui no Estado do Rio?
R – Não, interior de Minas.
P/1 – Interior de Minas.
R – Ponte Nova, perto de Juiz de Fora, um pouco na área da Rio-Bahia.
P/1 – E o pessoal saía do norte do Paraná para ir para lá?
R – Ia.
P/1 – E como é que chegou a fama do padre?
R – Deixa eu te explicar. Eu tenho um amigo, o Elson do Forrogode, que é um cantor. Eu estou domingo passeando com a minha mulher onde eu moro, na Pedra de Guaratiba, ele para de carro de lado: “Adelzon, fazendo o quê?”, “Estou fazendo nada”, “Entra aí, vamos comigo ali”. Era domingo, não estava fazendo nada, entrei, eu e minha mulher, aí, ele pega Rio-Santos, vai em direção a Itaguaí, porque a Pedra de Guaratiba já é perto, é Zona Oeste, Santa Cruz já é a última é ponta da linha da cidade do Rio do Janeiro. Aí, pouco a frente já é Itaguaí e Rio-Santos. Mas pouco depois, onde tem hoje a Nuclep, a antiga Casa da Moeda, que era aqui onde era a Rádio MEC, agora está lá. Na verdade ele queria ver uma namoradinha, (risos), ele estava doido para ver a namoradinha. Aí, quando chegamos lá, aí, ela veio falar com ele e tal, “Elson,” não sei o que, pararã, pararã. “Elson espera aí, deixa eu dar um recado aqui para o Tião”. Aí, fomos atrás dela, Tinha um cara assim mais ou menos da tua estatura, claro, mais jovem, pouco forte. Aí, ela está conversando com o Tião, ele veio, aí, chegou um mulato, alto assim, com duas muletas, andando com dificuldade, falante, dizendo que tinha vindo pedir uma ajuda, mas que não acreditava, um papo assim, aí, o Tião chamou a mulher, que é a casa era logo atrás assim, falou um negócio lá com a mulher, a mulher veio com uma leiteira e um litro de álcool, encheu a leiteira de álcool, botou fogo, assim, na palma da mão e ficou com a leiteira, o fogo lá em cima na palma da mão na cara do mulato, que chegou falante e continuou conversando comigo e o Elson e a namoradinha do Elson. Aí, quando eu vi aquilo, eu conheço um pouco desse lado, falei: “Pô Tião, agora que eu estou vendo, isso é característica de médium, de materialização e tal, é um fenômeno espírita isso”. Aí, o mulato, quando viu aquela labareda e até acabar o álcool na palma da mão, aí, o cara foi ficando quieto, quieto, sentou, botaram uma cadeira e ele sentou lá. “Vem aqui, deixa eu mostrar aqui onde é que a gente ajuda as pessoas”, um quartinho dentro da casa dele e, assim, do canto tinha um altar. Altar, tipo altar de umbanda, imagens religiosas de católica, imagens afro e lá no meio eu vi o busto, que eu via no tempo de criança lá nesse meu lugarejo, lá do Paraná, que as pessoas desciam carregando aquilo como lembrança. Aí, quando fiquei um pouco mais íntimo dele, eu falei: “Tião, por acaso aquele busto ali no meio daquelas imagens é do padre Antônio Ribeiro Pinto?”, “Sim, é ele sim. É ele que me ajuda a fazer as operações, às vezes eu estou operando e olho ele está do meu lado”. Padre Antônio já é falecido há muitos anos. Aí, eu comentei no ar no meu programa, que eu tinha revivido uma cena da minha época de infância, isso que você está me perguntando, “Como é que foi a tua infância?” Então, na época eu não percebia muito a importância daquilo, aí, eu comentei no ar uns 15 dias me mandaram dois livros, que eu não sabia, a história dele. Negro, pobre e dentro da igreja também tem as mamãezadas, têm os preconceitozinhos, como era negro e pobre, ele sempre era mandado para os lugares mais humildes e a mãe era alcoólatra. E ele achou que era muito duro uma mulher ser alcoólatra, frequentar botequim ouvindo fuleira de vagabundo, às vezes caía, dormia no relento, chovia em cima, às vezes apanhava, porque bêbado as vezes um briga com o outro, dá tapa. Ele pediu para o problema passar para ele, o problema passou para ele, o livro traz tudo isso, ele ficou alcoólatra, aí, que ficou pior, porque quando ele ficou alcoólatra, a igreja com vergonha de um padre negro e alcoólatra, aí, que jogavam ele para os lugares mais longes. E manda ele para Urucânia, aqui no Rio tem até um conjunto habitacional, chama-se Urucânia em homenagem a ele, que era uma rua, meia dúzia de casas de cada lado e uma igrejinha lá no final. Os frequentadores da igreja eram gente da roça. Só que ele não deixava de ser o padre verdadeiro, andava a cavalo, ia dar a extrema unção, batizado. Mas parava em botequim, passou a dirigir time de futebol. Aí, é que surgiu então, sabe como é, dentro da igreja têm aquelas fofoquinhas, familinha, não sei o que, mandava carta para o bispo de Mariana, porque é Mariana que comanda, é um seminário de formação de sacerdotes e tal. E o bispo, então, aí a última vez que manda ele, manda para Urucânia. Só que passou a fase alcoólatra, ele começou a fazer milagre, foi quando repercutiu lá. Fez milagre que abalou o mundo, abalou o mundo, começou a vir gente do Paraguai, Bolívia, América Latina toda e começou vir gente da Europa, Portugal. Então, você vai ver o livro, carta da rainha da Inglaterra, rainha Elisabeth: “Padre Antônio, por favor, interceda em favor da pessoa tal que está com um problema assim”. Dom Hélder, carta de Getúlio Vargas, o próprio bispo que vivia jogando ele para lá e para cá, (risos), carta: “Padre Antônio, por favor, interceda em favor”. Impressionante, tem uma repercussão mundial. E agora que estavam procurando um milagre para santificar o João Paulo Segundo, estava difícil para conseguir, o padre Antônio tem milhares de milagres espalhados por aí, mas é problema e até hoje nem se fala nisso. E ele que curava as pessoas, ficou doente, veio aqui para o Rio, levaram ele para o Hospital Marcílio Dias, que é um hospital da Marinha, tem aqui no Grajaú, Andaraí. Aí, o povo descobriu ele aí e começou a ir para lá, os borbotões de gente, os médicos ficavam bravos, porque iam procurar o padre e não eles. Aí, tiveram que trazer a santa dele, a Nossa Senhora de Fátima, ele dava benção com ela atrás, tiveram que trazer, ir lá buscar a santa, trazer, que ele ficou um período aí de uns seis meses e é até por isso que tem o conjunto do Urucânia, que é no final, perto de Santa Cruz, em função disso. Então, é uma lembrança de infância que veio se concretizar.
P/1 – Mas naquela época de Cornélio Procópio o senhor não desenvolvia nenhum lado espiritual?
R – Não, não.
P/1 – O senhor praticava alguma religião? Não?
R – Não. Era católico como qualquer família, como sou até hoje.
P/1 – Mineiros deviam ser católicos devotos.
R – Pois é mineiro do interior é católico mesmo. Meu pai, minha mãe e tal. Mas o conhecimento espírita é uma coisa que vem, às vezes sem você nem esperar, vem de um lado que você não procura e aparece.
P/1 – A sua família se correspondia? A gente pegando um pouco a questão, já que a sua família veio de Minas, deve ter deixado talvez pais lá, parentes, irmãos. Eles se correspondiam? O senhor lembra disso na sua infância, de chegar cartas de Minas para os seus pais?
R – Me lembro, chegava. Chegava, mas pelo o que me consta quando eu comecei a ter percepção mesmo, eu acho que os avós já eram falecidos, os pais do meu pai. Os pais da minha mãe ainda não, mas faleceram aqui em Brasópolis, Itajubá. Itajubá você vindo na Dutra, na altura de Lorena tem uma estrada que sai em Piquete, onde tinha uma famosa fábrica de armas do Exército, Piquete, que sai em Venceslau Brás, sai em Itajubá, aí, Brasópolis é região, mas era gente de interior, de roça.
P/1 – E quando o senhor passa pelo Tiro de Guerra e aos 22 anos o senhor vai para Curitiba. O senhor foi para fazer faculdade? Foi para trabalhar?
R – Não. Já fui como radialista.
P/1 – Ah, o senhor já era radialista em Cornélio Procópio?
R – Isso.
P/1 – E como é que foi essa sua aproximação?
R – É que eu tinha um amigo, o Roberto Carlos Sottile.
P/1 – Ele era amigo de onde?
R – Ele era meu amigo de Cornélio.
P/1 – Mas de colégio?
R – De colégio, amigo de colégio desde Congonhas e de Cornélio, e ele já estudava em Curitiba. “Bom, vamos lá para Curitiba, então”. Porque realmente rádio de interior você, tem aquele que se acomoda a situação do interior, mas quem tem um pouco mais de visão, você quer ir um pouco adiante.
P/1 – Mas porque é que o senhor entrou no rádio? Porque uma criança, em tese, pode escolher qualquer coisa, né?
R – Isso.
P/1 – Porque é que em Cornélio Procópio... O senhor começou com que idade no rádio em Cornélio?
R – Uns 18 anos. 18, 19 anos.
P/1 – E o que é que levou o senhor para isso? Ao invés de querer ser médico? Advogado?
R – É que minha tendência na área escolar sempre foi para o lado de História e Geografia, em função da professora Gilda Poli, que foi Secretária de Educação do Paraná, igual eu te falei, professor José Gomes, que era um excelente professor de Geografia. Eu não tinha tendência para área científica propriamente dita, Matemática não era bem. Então, foi um convite de um amigo, tinha um grande radialista que faleceu há pouco tempo, Carlos Alberto, foi meu mestre, primeiro mestre, aquele cara de sempre ver o interior, mas é grande mestre. Inclusive ele para mim foi quem descobriu o Booker Pittman, que o Booker Pittman, ele era da orquestra do Tommy Dorsey. E o Tommy Dorsey veio aqui quando teve um famoso encontro com a Tabajara no auditório da Tupi. E ele usava droga, e ele saiu na Praça Mauá e sumiu, e foi bater numa cidade lá perto da minha, chamado Santo Antônio da Platina, que é perto de Ourinhos, Ourinhos é a última cidade de São Paulo, tem o Paranapanema, aí, já entra no norte do Paraná, Cambará, Andirá, Bandeirantes, Santa Mariana, Cornélio Procópio e tem um ramal que vai para Curitiba, Santo Antônio da Platina. Mas essa época eu ainda era menor, eu acho, ele e mais um ou dois, depois que terminava o trabalho, “Não, vamos lá para Santo Antônio, que tem um negão que fica lá no porão da Zona, que de vez em quando ele sobe no salão, pega o instrumento e toca”, era o Booker Pittman, impressionante isso, né. Depois vim conhecer ele aqui, eu sou amigo da Eliana e tal. Mas na época eles também não sabiam que era ele.
P/1 – Era o pai da Eliana?
R – É o pai da Eliana. A mãe da Eliana foi mulher, ela não era prostituta, ela trabalhava, mas era uma mulher que trabalhava na área e tal e ela descobriu ele, foi ela que resgatou ele. Ele voltou a trabalhar, voltou a ter uma presença aqui no meio artístico brasileiro, voltou a tocar nos Estados Unidos.
P/1 – Mas o senhor se sentiu chamado? Ele comentou com o senhor, “Ah, vamos trabalhar lá na rádio”? Por isso o senhor aceitou?
R – Não, não.
P/1 – Seu amigo.
R – Não, eu ouvia rádio, já ouvia. Eu não me lembro bem se foi ele que me chamou, porque esse negócio tem tanto tempo.
P/1 – Ainda não havia televisão lá em Cornélio essa época?
R – Não, não. E lá muito menos.
P/1 – 57?
R – ZYR5, no tempo a rádios de interior eram ZYR5.
P/1 – ZYR5, qual era o nome da rádio?
R – Rádio Cornélio Procópio.
P/1 – E o senhor começou lá fazendo o quê?
R – Comecei fazendo locução comercial, porque rádio pequena de interior você faz tudo, faz locução comercial, lê notícia, vai para campo de futebol.
P/1 – Porque era tudo ao vivo, né?
R – É ao vivo.
P/1 – Não tinha nada gravado?
R – Não, não.
P/1 – Era comércio lá em Cornélio do quê? Dos armarinhos? Do açougue?
R – Ah, era uma Casas Pernambucanas, essas coisas assim.
P/1 – Só tinha essa rádio na cidade?
R – Só tinha essa.
P/1 – Então, não tinha concorrência?
R – Não.
P/1 – E o senhor gostou?
R – É, foi.
P/1 – O senhor já estava formado?
R – Não, não, eu estava fazendo o ginásio. E uma coisa que eu acho interessante também, com relação a uma coisa do passado, que depois de muito tempo que você conecta uma coisa à outra. Eu já estudava a noite e passava na porta de um bar que estava ouvindo a Rádio Tupi do Rio de Janeiro, o programa do... O programa que ficou mais de 50 anos no ar, como é? É um radialista tradicionalista, daqui a pouco eu lembro, você vai ficando velho, o alemão ataca, o Alzheimer, aí, você esquece, daqui a pouco lembra. Eu passava na porta do bar ouvindo a Rádio Tupi, aí, eu parava ouvia aquilo, uma voz muito bonita ele tinha. Depois que eu descobri que era um colega nosso da rádio que era poeta, Neodo Noronha Dias, ele escrevia poemas e mandava para cá e ele lia no ar. Então, ele ficava no bar ouvindo Rádio Tupi para ouvir seus próprios poemas ditos pelo radialista. Anos depois eu vim ser concorrente dele, quando eu comecei na Globo, eu comecei também como locutor comercial, locutor de notícias, Globo no Ar, ser o redator-chefe e depois é que eu fui fazer a madrugada, e ele fazia a madrugada e fui ser concorrente dele, quando eu entrei no ar, eu falei: “Poxa, que coisa engraçada isso, eu tinha 16 anos”, nem imaginava nessa época ainda ser radialista. Passava na porta do bar, via, ouvia e hoje sou concorrente dele. Como a Rádio Globo era uma rádio muito potente e eu fiz um trabalho pioneiro no rádio, né, que o rádio não prestigiava o cara do morro.
P/1 – Mas calma que a gente ainda está indo para Curitiba, a gente já chega na Rádio Globo do Rio.
R – Pois é, então, mas é um pedaço ainda lá de Cornélio Procópio, que eu passava na porta do bar, ouvia Rádio Tupi, o Neodo Noronha Dias, que era o poeta, lá dentro ouvindo. E era isso, ele escrevia poemas.. Como é que é mesmo nome dele, rapaz? Está indo e antes de pronunciar volta. E depois vim ser concorrente.
P/1 – E quando o senhor resolveu sair de Cornélio Procópio, você não morava ainda com os seus pais?
R – Morava.
P/1 – E qual foi a posição deles quando o senhor falou?
R – Acharam estranho. Gente de interior, de roça, já vivendo na cidade e tal, mas você vai para a cidade grande, capital, porque Curitiba. O Paraná, ele é bem dividido entre o norte e sul, o norte é uma região quente, região cafeeira, de lavouras, milho, algodão, café, arroz, enfim, e o sul é frio, colonização europeia, em volta de Curitiba tem colônia polonesa, colônia ucraniana. O meu operador de Curitiba é ucraniano, Wasyl Stuparyk nascido na Ucrânia, veio bebê para o Brasil. As colônias de gente russa, holandesa, italiana. Santa Felicidade é um bairro de Curitiba que é um bairro italiano, então, Curitiba já parece Europa, é frio. Agora, por exemplo, esses dias chegou perto de zero, inverno lá mesmo abaixo de zero. Então, para eles ir para Curitiba... Mas quando você é jovem, você, eu acho que isso é uma coisa da natureza, alguma coisa te atira.
P/1 – Mas eles não procuraram impedir?
R – A minha mãe sim, mãe sempre é mais... O velho não, fica meio naquela de mais durão e tal.
P/1 – O senhor tinha irmãos?
R – Tenho duas irmãs.
P/1 – São mais novas, mais velhas?
R – Mais novas.
P/1 – Mais novas?
R – É.
P/1 – Elas ficaram em Cornélio?
R – Ficaram. Hoje uma está na Alemanha, é casada lá na Alemanha e a outra mora aqui mesmo no Rio. Então, aí, Curitiba, né.
P/1 – Como foi chegar em Curitiba? Como é que era Curitiba naquela época?
R – Era época do Ney Braga governador.
P/1 – 61, né? O senhor tinha 22 anos.
R – 61, 62 é exatamente. Olha, era uma capital do interior mais tranquila, mais calma. Hoje a Rua das Flores, antigamente ainda não era, que Curitiba é uma cidade universitária. Então, quando terminava as aulas à tarde, era aquele passeio, aquele namoro de estudantes na avenida principal, para lá e para cá, o trottoir. Aí, quando começa chegar oito da noite, que a temperatura, principalmente inverno, caia o pessoal ia se recolher.
P/1 – O senhor ia paquerar na Rua das Flores ou não?
R – Ah, todo mundo ia, né, um cara jovem ia para lá. Inclusive, o Sottile, Roberto Carlos Sottile, a mulher dele Gladis, ela era de Curitiba, ele namorava ela, a gente ia fazer serenata para ela, ele e uma turma cantar na porta da janela dela, o pai jogava água. E inclusive tem uma cena que também que não me esqueço nunca, lá tem um Alto do Cajuru, que do alto você vê Curitiba em baixo. Sabe aquele tipo de noite que chove muito, depois o tempo limpa e parece que a visibilidade fica clara, nítida, as luzes ficam. Era um local que tinha arvoredo e tinha pingentes de pingos d’água, que pareciam pequenos diamantes faiscando, e a gente ia sair de uma serenata para a Gladis, que ela morava perto, estávamos nuns três ou quatro carros, madrugada, umas duas horas da manhã, uma coisa assim, frio perto de zero grau e um deles ligou o rádio e entrou a Elizeth cantando canção de amor: “Saudade, torrente de paixão, emoção diferente que aniquila”, é um clássico, né, o Moacir Silva de sax atrás e você vendo Curitiba aquela cena límpida, parecendo diamantes faiscando no ar e aquela voz da Elizeth, aí, todo mundo ficou em silêncio, pô, parecia uma prece aquilo. Cena que eu nunca mais esqueço. E aquilo já, que eu já era interessado na música brasileira.
P/1 – Já desde Cornélio ou foi em Curitiba?
R – Já desde Cornélio.
P/1 – Desde Cornélio? Lá o senhor começou com notícia, locução comercial. E em Cornélio, o senhor começou já com programas de música?
R – E programava também, porque esse meu mestre de rádio, o Marcos Alberto, ele morreu em Jales não faz muito tempo, ele era um cara que se estivesse aqui no Rio seria um grande radialista da Rádio Nacional e se fosse de São Paulo, na Bandeirantes, uma coisa assim, mas sempre ficou no interior. Ele tinha muito bom gosto, tanto você vê, ele ia ouvir o Booker Pittman, pô, descobriram o Booker Pittman. Saía da minha cidade, para Santo Antônio da Platina é meio longe, não é tão perto.
P/1 – Bom, mas ele passou esse bom gosto para o senhor?
R – Eu fui aprendendo com ele a programação. Essa era época auge da boa música americana, música do Rodgers & Hart, Hammerstein, Cole Porter, os compositores do Sinatra. Depois mais tarde veio surgindo Elvis. Depois virou barulho, a música americana também, até o Elvis quando ele fazia Love me tender, Paul Anka quando fez My Way, que foi o último grande sucesso de Sinatra, era a verdadeira música americana. Aí, quando entrou o rock, o próprio Elvis já morreu louco com 46 anos dando tiro dentro da mansão que ele morava. Aí, a música americana virou inclusive. Então, aí, Ella Fitzgerald, aprendi a programar Ella Fitzgerald, o Sinatra, Tony Bennett, Nat King Cole.
P/1 – Isso em Cornélio Procópio?
R – Ainda em Cornélio Procópio.
P/1 – Você tinha receptividade? Naquela época o senhor recebia cartas ou não?
R – Não, a rádio recebia. Eu como radialista eu nunca pedi para ninguém me mandar carta, como eu te falei, quando eu comecei era o auge do iêiêiê. E se você pede para mandar carta, o cara queria ouvir Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso. E o meu negócio era tocar Cartola, Nelson Cavaquinho, Elizeth Cardoso, Ciro Monteiro, Paulo Vanzolini, Adoniran Barbosa.
P/1 – Mas o senhor já tocava essas coisas em Cornélio ou foi depois?
R – Já, tocava já em Cornélio.
P/1 – E como é que o senhor tinha contato com essa música? Chegava lá como?
R – Discos, chegavam discos, a gente ouvia e gostava e programava.
P/1 – A rádio tinha uma política de comprar discos ou tinha que ir na loja?
R – A rádio comprava discos.
P/1 – Ou ela recebia das gravadoras?
R – Não, não.
P/1 – Não?
R – As rádios de interior não recebiam, as de grandes cidades recebem, as gravadoras mandam discos para as rádios, de interior não.
P/1 – E a rádio comprava?
R – Aí, comprava.
P/1 – O senhor fazia pedidos de compra ou não? Havia um setor de compra?
R – Não, não. A gerência da rádio é que se encarregava disso e tal.
P/1 – E, aí, o senhor tinha contato com essa música popular?
R – É, porque nessa época como eu estava começando, era uma coisa que o Marcos Alberto, que era o radialista principal, meu mestre, é ele que eu acho que levava os pedidos para, “Oh, compra o disco tal que tem uma música boa, que a gente quer programar. Compra disco tal, pá, pá, pá”.
P/1 – E o que é que levou o senhor realmente a ir para Curitiba? Quer dizer, foi a ideia de sair de uma cidade menor?
R – Isso, sair da cidade menor e fazer alguma coisa mais adiante.
P/1 – E como é que foi a sua chegada lá? O senhor já tinha lugar para morar?
R – Não, não tinha. Eu fui com o Sottile, que é meu amigo até hoje. Engraçado que é o seguinte, interior tem umas politiquinhas, meu pai era adversário político do pai dele, mas eu, minha mãe, minhas irmãs, éramos amigos do pai dele, da mãe dele, tudo e eles eram amigos dos meus velhos.
P/1 – Seu pai era de que partido?
R – Era UDN e ele era PSD, era a época do PSD. Só os dois é que não se cruzavam, mas não interferiu no nosso relacionamento. Nunca, nem ele, o pai dele nunca disse nada sobre o relacionamento da mulher dele, dos filhos com meu pai, minha mãe, bá, bá, bá, todos eram muito bem tratados e vice-versa. Agora os dois, na época a grande rivalidade política era UDN e PSD, né.
P/1 – Seu pai tinha contatos em Curitiba ou não no governo?
R – Não, não tinha. Quando ia lá, tinham líderes políticos que iam, eu não me lembro quem era o líder político, mas o Ney Braga, foi época mais ou menos do Ney Braga, talvez um pouco antes, não me lembro quem era antes. Que o Ney era mais do lado da UDN, que era o lado Juarez Távora, Brigadeiro Eduardo Gomes, foram aqueles velhos patriarcas da liderança política da direita brasileira, que na época nem se usava esse termo direita, né, era dito: “Não, porque a pessoa que tem um moral, ética, valores e tal”. O outro lado era o lado popular, que na verdade a liderança era o Getúlio Vargas. E o Getúlio, inclusive, era através da Rádio Nacional que ele atuava, que ele falava com o povo brasileiro, o Getúlio tinha uma linguagem direta, ele se comunicava muito bem com o povo, falava bem.
P/1 – Em que rádio o senhor foi trabalhar em Curitiba?
R – Trabalhava na Rádio Cruzeiro do Sul primeiro, que era tipo mais ou menos JB daqui e Rádio Guairacá. Tem uma outra que eu estou querendo lembrar o nome, estou esquecendo, mas Rádio Guairacá, que era uma rádio tradicional de lá.
P/1 – Como foi a sua recepção? Que Cornélio Procópio não é exatamente a maior cidade do interior do Paraná?
R – Não, maior é Londrina.
P/1 – Como é que foi a recepção ao senhor? Acharam que o senhor era um caipira, vim do interior? Ou o senhor foi muito bem recebido? Na rádio?
R – Não, fui bem. Se fazia teste, né, dava sorte de chegar num lugar, estar precisando de um locutor, às vezes tinha acabado de sair um, locutor de comercial, que você entra normalmente como locutor de comercial, lê anúncio, lê notícia e tal. Aí, depois você vai desenvolvendo ali dentro, os caras vão vendo o seu potencial, vão te delegando mais espaços e você vai indo em frente.
P/1 – O senhor já era elogiado em Cornélio Procópio, antes de entrar na rádio, por ter uma voz diferenciada ou foi uma coisa que você modulou na rádio?
R – Não. Na época nem me atinava para isso não. Nem mesmo aqui, nunca dei bola para esse lado.
P/1 – Porque o senhor tem um tom de voz extremamente especial, a gente ouviu o seu DVD, o seu CD. O senhor tem uma voz, não é uma voz comum, ela não se encontra em qualquer esquina. Isso não é uma coisa que os amigos lá em Cornélio falam: “Nossa, você tem que ir para a rádio”?
R – Não, não.
P/1 – Uma coisa que surgiu natural?
R – Eu não sei se o Sottile, que era esse meu amigo, porque estudava em Curitiba, percebia isso, falava: “Não, vamos lá para Curitiba e tal”. E foi quando eu fui para Curitiba e, aí, fiquei dois ou três anos, ou quatro anos em Curitiba e, aí, vim para cá em 64.
P/1 – Mas em Curitiba mesmo, o senhor já começou a trabalhar com música também na rádio?
R – Já.
P/1 – Já?
R – E, aí, em Curitiba tinha também um, Euclides Cardoso, que faleceu agora, que era excelente programador e bom gosto tanto com música internacional, quanto música nacional, mas música nacional de qualidade, não esse lixo cultural não. Ele programava muito bem. E me senti como se estivesse junto do meu primeiro mestre lá em Cornélio, que se pareciam muito o gosto.
P/1 – E em Curitiba era mais fácil entrar em contato com a música do que em Cornélio?
R – É, porque a Rádio Cruzeiro do Sul era uma rádio musical, como a JB aqui foi a rádio musical do Rio de Janeiro, que marcou muito no Brasil na época, uma programação, assim, mais classe A, tocava o popular, mas o popular de bom gosto. E, enfim, então, a Cruzeiro do Sul era assim. A Guairacá era mais popular, programa de auditório, transmitia futebol, tocava musiquinha brega e tal. Trabalhava nas duas, era do mesmo dono, era uma rede de rádio, mas a minha afinidade era com o Euclides, por causa da afinidade que sentia, muita semelhança com o meu primeiro mestre lá do interior do Paraná.
P/1 – Euclides, qual era o nome dele?
R – Euclides Cardoso.
P/1 – Euclides Cardoso. E porque a ideia de vir para o Rio? De lá o senhor veio direto para cá?
R – Olha, um colega meu, que era locutor comigo, veio para o Rio na frente e me ligou, falou: “Vem para cá, vem para o Rio”. Manoel Wambier, era um excelente jornalista, locutor, depois acabou sendo até, foi para a voz da Alemanha, esteve um tempo lá na voz da Alemanha, depois voltou aqui, chegou a ser diretor da Rádio Roquette Pinto aqui. E ele veio para a Rádio Globo e ele me ligou dizendo: “Olha está precisando de um locutor aqui e tal”. Aí, eu vim, vim ser locutor comercial, como sempre.
P/1 – O senhor veio fazer um teste ou o senhor já veio?
R – Não, a gente fazia um teste, todo mundo fazia um testezinho. Eles estavam precisando de um locutor comercial e do Globo no Ar, então, como sempre, os locutores sempre começam assim. E tem aqueles que ficam só locutores mesmo.
P/1 – E o que é que era o Globo no Ar? Para quem não conhece.
R – Globo no Ar é um noticiário da Globo, é uma marca da Globo, chama-se Globo no Ar, é de hora em hora e na meia noite tem o seu redator chefe. A CBN hoje, na verdade é uma derivação disso, que na verdade aquilo era um... Porque a rádio no início, ela era no prédio do jornal, no mesmo prédio, depois que se mudou para a Glória. E como a tradição do Roberto Marinho é jornal, o pai, o Irineu Marinho era um jornalista, o fundador é o Irineu Marinho. E depois que vem ele, o Roberto Marinho, quando o pai morreu ele era menor. Muita gente não fala, eu não sei se alguém nisso, ele era menor e a Dona Chiquinha, a mãe do Roberto Marinho, era Roberto, Ricardo e... São três irmãos. Mas Roberto era o mais velho e era mais centrado, mas era menor. E o segundo do Irineu Marinho, era um cara chamado Lucílio, que era diretor do Partido Comunista, um cara ético, nunca usou uma linha do jornal, porque durante anos, o Roberto Marinho era menor e a Dona Chiquinha delegou a ele, ele que formou o Roberto Marinho. Então, ele chegou no chefe de redação, diz: “Oh, é o dono vai mandar, mas por enquanto não sabe nada. Vai aprender contigo como qualquer outro operário, hora de entrar, hora de sair. Quando estiver bom, me avisa”. Aí, foi para o Departamento de Publicidade, a parte administrativa, botou ele seis meses, um ano em cada seguimento desses. Aí, ele foi ficando, atingindo a maioridade, ele foi passando para ele. Quando houve a Revolução de 64, todo lugar tem os maus caráter, tem os dedos duros e eles viam aquele velhinho, de cabelo grisalho, que ninguém mexia com o velhinho, muitos não conheciam essa história e às vezes um pouco de ciúmes, porque via ele sendo muito considerado pelo Roberto e tentava fazer alguma futrica e não sabia, que ele era o cara que formou o Roberto Marinho. Tudo o que a empresa é hoje, foi esse homem que passou ao Roberto Marinho isso. Então, a única coisa que acusavam ele, é que o Comandante Aragão, que era o chefe do Fuzileiros Navais, que era de esquerda, chegou a ocupar a Globo na Revolução de 64. Então, diziam que: “O Lucílio autorizou, abriu o portão para o Comandante Aragão entrar na Globo”, mas era fofoca para ver se indispunha o Roberto Marinho com ele. Então, como o Roberto Marinho é essencialmente, tudo deles, você vê a tevê Globo tem muita coisa de jornalismo, como a rádio tem, a CBN na verdade é um filhote disso do jornal, como a rádio também tinha e tem até hoje o Globo no Ar.
P/1 – Eu estou com muita vontade de perguntar, mas nós vamos chegar nisso, da mudança para Rio que, o Rio grande cidade do Brasil na época, mas para a gente terminar a fase de Curitiba, como é que era Curitiba naquela época na sua vivência? Em termos de cinemas, de bares? Onde que o senhor frequentava, que tipo de vida o senhor tinha lá em Curitiba?
R – Curitiba, como eu te falei, é uma cidade universitária, até hoje é. Hoje ela se desenvolveu mais, mas na época era muito mais, a vida de Curitiba era centrada em torno da Universidade do Paraná, tinha outras grandes faculdades e tal e era muito movimento estudantil, a vida de Curitiba girava em torno da visão estudantil da vida. Tinha, lógico, tinha comércio, tinha indústria, mas era basicamente isso, uma cidade universitária.
P/1 – E aonde que o senhor frequentava?
R – Hein?
P/1 – Aonde que o senhor frequentava? Tinha a Rádio.
R – Bom, a Rádio era na praça principal, Praça General Osório e depois foi para a Barão do Rio Branco, que era uma outra rua também e perto, o Centro de Curitiba não era muito grande, onde tinha a Catedral e a Rua da Flores é a rua central até hoje, que foi a primeira rua a ser transformada em rua só de pedestre, que é a Jardinada. Então, trabalha na Rádio, às vezes ia até uma hora da manhã, aí, tinha uma boemiazinha de barzinhos com estudantes fazendo serenata para as namoradas e tal e de dia era o trabalho.
P/1 – Onde ficavam os bares? Eram ali no Centro mesmo?
R – Era basicamente onde que é a Rua das Flores hoje. Como era o nome da rua mesmo? Ela tinha um nome antigo, depois que virou Rua das Flores.
P/1 – Bom, isso não importa. A entrevista não é um jogo de memória, o que o senhor lembrar, lembrou, o que o senhor não lembrar não tem problema nenhum. Em termos de que o senhor da boemia e tal, a imagem que a gente tem, quem não era da área da imprensa é, principalmente, talvez não de hoje, mas do antigo jornalismo, que eram aquelas figuras fantásticas, de que havia uma vida cultural tanto dentro dos jornais, as emissoras, as redações, enfim, como fora. Quer dizer, essas pessoas frequentavam alguns lugares que era da boemia, mas não era só uma boemia como algum pai ou mãe pensam uma boemia, de farra, não, era de discussões. O senhor vivia isso em Curitiba com aquela comunidade de jornalistas?
R – Bom, nessa época eu já vi um pouco daquela efervescência de 64, então, já se conversava relativamente bem, já se procurava ter uma consciência politica para a situação do país, o que é que estava acontecendo e no meio estudantil. Mas não era tanto, porque depois é que isso...
P/1 – O senhor estudou em Curitiba ou não? Só trabalhou?
R – Estudei em Curitiba.
P/1 – O senhor fez o quê?
R – Acabei de fazer Científico lá, coisa assim, mas ainda era bem jovem, que esse tipo de coisa que você falou são pessoas mais adultas, mais da área política, área literária. Como era uma cidade estudantil tinha a nata de professores universitários, que é uma elite, mas eram já de idade, aquele negócio das diferenças das idades você não se cruza muito, a da gente era mais mesmo negócio de rua, boemia, serenata e tal, papos. Mas já tinha alguns papos sobre política.
P/1 – E o cenário musical, tinha shows? Os grandes artistas brasileiros iam lá? O senhor frequentava?
R – Não, não me lembro bem desse detalhe. Tinha barzinhos que tinha música, porque o movimento artístico mesmo era do Rio e São Paulo, daqui que se irradiava.
P/1 – Essa é uma questão que eu gostaria de perguntar para o senhor. A imagem que a gente tem, não sei se é falsa ou verdadeira, mas muita gente fala, de que o Rio atrai muito Bahia, os baianos vem todos, Minas e Bahia. E que de São Paulo para o sul, em geral quando as pessoas migram vão para São Paulo, os grandes profissionais e tal. O senhor nunca teve intenção de ir para São Paulo?
R – Não.
P/1 – Quando saísse de Curitiba? Seu foco sempre foi o Rio?
R – É, gozado, meu foco foi Curitiba, Rio. Tenho amigos em São Paulo, o Pelão, que é um produtor de discos, como eu também. Mas nunca tive a menor ideia de São Paulo.
P/1 – Em que mês que o senhor chegou aqui de 64?
R – Não lembro. Não tenha a menor ideia.
P/1 – Mas foi antes ou depois do golpe?
R – Foi mais ou menos simultaneamente, rapaz.
P/1 – Aqui no Rio deve ter sido o momento, né?
R – Não, não, foi antes, foi antes, porque o golpe foi detonado mesmo foi antes. Eu lembro quando o General Mourão, aquele maluco General lá de Minas vem com a tropa via Juiz de Fora para chegar no Rio e tal.
P/1 – O senhor estava em Curitiba ainda?
R – Carlos Lacerda, governador. Não, já estava aqui no Rio.
P/1 – Como é que foi viver isso aqui? Como foi chegar no Rio de Janeiro?
R – Não, gozado, como a gente estava no Globo, embora intelectuais de jornalismo trabalhassem no Globo, mas o Globo tinha uma certa blindagem, que eu vim saber disso bem tempo depois. A gente sabia do papel do Globo na defesa da Revolução de 64, mas a Rádio Globo era dirigida por um cara chamado Luiz Brunini, era um cara de São Paulo, interior de São Paulo, São Manuel, cidade do Tonico e Tinoco, da dupla sertaneja. O Luiz, o irmão dele, Raul Brunini, era o braço direito do Carlos Lacerda, foi o líder de oratória da Revolução, que os militares não tinham talento de oratória para convencer o povo, eles precisavam de um líder de oratória. A intenção era botar um militar no poder, não era botar Lacerda, o Lacerda que não sabia disso, ele descobriu depois. Que eles já tinham feito isso nos Estados Unidos, então, teve um momento que tinha que botar um militar no poder lá, que foi o Eisenhower. Mas tinha que ter um líder de oratória e o governador da Guanabara era o Lacerda, falava maravilhosamente bem, carismático e eles jogaram muito dinheiro no governo dele, aqui ele fez coisas, foi até bom governador. Para ele se empolgar e botar o bloco na rua. Só que quando botou, logo em seguida ele viu que não era ele, logo em seguida vem o Roberto Campos, que era embaixador do Brasil há 18 anos nos Estados Unidos.
P/1 – E a Rádio não tinha problema de censura?
R – Não.
P/1 – Não entrava gente lá?
R – Não. Deixa eu te explicar, então, o Luiz, que era o diretor da Rádio, ele é que era o principal executivo do Roberto Marinho, não era Walter Clark, Boni, quem o Roberto Marinho consultava para tudo era ele, era um economista muito seguro, tinha um poder de execução. Chegava na mesa dele, dirigia um rede nacional de rádio, você não encontrava um papel acumulado, ele acionava tudo na hora, chamava o contador, Amaro, conversava, explicava, falava, discutia, pá, pá, pá, ia lá e consertava, quando voltava ele assinava. Sempre assim, de terno e gravata, mais ou menos nessa posição, olhava assim, “Amaro e tal, pá, pá, pá. Olha aqui e tal”, o Amaro ia lá consertava e vinha. E o Luiz era americanófilo, era de direita, mas era um cara leal. O Roberto Marinho devido aquela criação dele com o Lucílio, ele respeitava os profissionais, e o Luiz, eu nunca fui de ter amizade com chefe, minha amizade sempre foi com o pessoal de baixo, sempre foi. E ele era o tipo de executivo que dirigia através de chefes, se ele visse um funcionário fazendo uma besteira qualquer, ele não falava nada, chamava o chefe, “Oh, teu funcionário tal está fazendo coisa assim”. Cobrava mesmo, ele era rígido e a partir dele próprio. E um dia eu estou atravessando a rua, alguém me chama, quando eu olho para trás é ele e o Miguel Gustavo, Miguel Gustavo é que fazia aquelas músicas do Moreira da Silva, “Começa o baile da, di, ri, da, ri, re, ra”. O Miguel era um publicitário engraçado, brincalhão, gaiato e ele criou um folclore que o Luiz era muito branco, andava de terno branco, porque ele não largava a boca do cofre do Roberto Marinho, então, tinha um folclore na Rádio assim. Aí, quando ele atravessou para falar comigo, ele estava meio queimadinho de sol, aí, eu fiz uma brincadeira com ele assim meio do lado político, quando eu chegava na Rádio tinha um bilhete na portaria para eu subir no gabinete dele, mas ele só conversava comigo sobre política e eu dizia para ele assim: “Presta atenção que você vai ver o Carlos Lacerda que é seu ídolo, ser destruído pelo país que você adora, que são os Estados Unidos”, “Você é o único comunista que entrar no meu gabinete para dizer isso na minha cara”. Eu dizia: “Não, eu não sou comunista, eu sou socialista e você sabe que isso é verdade”, “Não”. Aí, um dia eu entro no gabinete dele, ele me chamava e tal, aí, estou vendo um cara, assim, bem vestido e vi que não era um visitante comum, eles tinham... Aí, depois de um papo, ele falou para o cara assim: “Pode dizer para o Adelzon aquele negócio do Roberto. Ele é comunista, mas é da nossa confiança”, eu falei: “Já te falei eu sou socialista, é uma diferença, socialista, democrático, né, socialismo é uma coisa que só vale se vier democraticamente, imposto como é qualquer outra ditadura”. Aí, o cara falou: “Teve um momento que o Roberto Marinho foi chamado nos Estados Unidos, botaram na mesa, disse, oh, passar um rolo compressor na América Latina, fica do nosso lado, senão”. E passou, mataram Allende no Chile, Argentina, Uruguai, aqui, um rolo compressor. Então, ele era de alta confiança, lá no Globo você era meio blindado naturalmente por isso. E ele protegia também, tanto que teve um momento que houve uma reunião no Itamaraty, na época era o Juracy Magalhães o Ministro de Relações Exteriores, ex-governador da Bahia, da direita, convocou uma reunião no Itamaraty para chamar donos de empresa do Rio, São Paulo, para dar um pito neles que estavam abrigando comunistas. E na verdade os melhores talentos de jornalismo a maioria é de esquerda, né, a maioria é de esquerda. Que o Roberto Marinho precisava de bom profissional e, aí, diz que ele levantou na hora, disse: “Oh, nos meus comunistas mando eu”. Diz que ele levantou e deu um chega para lá no Juracy Magalhães.
P/1 – Do ponto de vista político, o senhor estava em uma empresa que estava blindada. Do ponto de vista pessoal, como foi chegar aqui no Rio maravilha, nessa metrópole enorme?
R – Bom, o Rio realmente ele sempre encanta, ele tem.
P/1 – O senhor já conhecia o Rio? Já tinha vindo a passeio?
R – Não, não. Não conhecia.
P/1 – Já chegou para morar e trabalhar?
R – É.
P/1 – O senhor foi morar onde?
R – Morei no Flamengo. Catete, no Catete. Primeiro levei um susto, não conhecia mar, mas graças a Deus sempre nadei bem, eu fui aluno no Paraná. O Japão teve na época da Segunda Guerra Mundial, eles usavam o esporte para fazer o lado da propaganda, como todos usam. E os quatro ou cinco maiores campeões mundiais de natação eram do Japão. E um deles quando chegou a idade, tinha família lá em Cornélio Procópio, foi bater lá. O japonês deste tamanho assim, Sakaomaki e o pessoal da cidade descobriu ele e levou ele para dar aula para a gente, dava aula de natação. Ele era impressionante. Já não era mais aquela forma, piscina olímpica, ele batia, assim, dava três puxadas, saía do outro lado. Depois veio ser técnico aqui do Fluminense e tal. Então, eu não conhecia mar, Copacabana e você não tem ideia de mar e eu, como sabia nadar, entrei. Rapaz, rapidamente assim, negócio de pouquíssimo, quando eu olhei só via a ponta de prédio, eu tinha entrado em uma corrente em direção ao alto mar. Aí, quando percebi aquilo, aí, eu já sabia que você tinha que nadar a favor e derivando até sair da corrente, mas quando eu sai da corrente, só via a ponta de antena, estava lá longe no mar, eu levei um susto. Se bem como eu já tinha a técnica de natação, mas foi o meu primeiro susto, aquele negócio não conhecer mar.
P/1 – E como foi ver o mar pela primeira vez?
R – Pois é, foi isso, entrei logo, como eu sabia nadar, estou vendo muita gente ali, mas como eu sabia nadar, entrei para nadar. Porque praia não é para você nadar, mas bobão, chegando do Paraná, eu fui nadar. Quando eu olhei.
P/1 – E o senhor fez logo uma turma aqui?
R – Não, aí, é o pessoal de rádio mesmo, colegas de rádio.
P/1 – O senhor tem algum apelido de ser do Paraná ou não?
R – Não.
P/1 – Ninguém chamava de Paraná? Nem nada assim?
R – Não. A Globo que tinha muita gente e se misturava um pouco o pessoal do jornal, que era tudo o mesmo lugar, o restaurante, todo mundo comia no mesmo lugar. Era uma vida mais profissional mesmo. Aí, final de semana sim, praia, ir frequentar a noite.
P/1 – Como é que era a noite do Rio de Janeiro nos anos 60?
R – Bom, nessa época ainda existia a antiga Lapa, do Rio de Janeiro. Madame Satã, ainda era a grande figura da Lapa, Wilson Batista, o grande compositor, Ataulfo Alves no auge, Stanislaw Ponte Preta, o grande cronista da noite, com Antônio Maria, que era grande compositor. Inclusive há pouco tempo aqui, conheci um filho do Antônio Maria e, aí, que ele me conta a história, porque uns dos clássicos do Antônio Maria é Rosa Amarela, “Guarde a rosa que eu te dei, esquece os males que eu te fiz, a rosa vale mais do que a sua dor”. É um clássico, foi gravado pela Rosana Toledo, eu acho, de São Paulo na época, estourou. Aí, ele me contando a história, os dois eram amigos, mas o Ponte Preta era bonitão, galanzão e o Maria era poeta. Na época a mídia artística era feita através da coluna do Ibrahim Sued, sendo que o artístico, Ibrahim Sued era mais sociedade, o artístico da noite, Dolores Duran, Tom Jobim, Bossa Nova explodindo no Beco das Garrafas e tal, era através da coluna dois, Ponte Preta e Antônio Maria. E os dois cruzam na entrada de um motel, um com a namorada do outro e a namorada era, já não era uma simples namorada mais, já estava mais aprofundada e ficou aquele ar meio estranho, embora eles eram da noite, frequentavam os mesmos lugares, então, estava passando o Pedro das Flores, era um negro alto, andava elegantemente, primeiro cara que eu vejo fazer isso, ele andava com um cesta de flores, entrava nas boates e botava na mão das mulheres. Aí, os caras elegantemente davam dinheiro a ele e o Pedro das Flores estava passando na hora, o Antônio Maria pegou uma rosa amarela e botou na mão do Ponte Preta. Dias depois, apareceu no rádio: “Guarde a rosa que eu te dei, esquece os males que eu te fiz, a rosa”. O filho do Antônio Maria que me contou essa história, bonita, né, romântica.
P/1 – E o senhor frequentava? O senhor viu essa gente toda nessa época?
R – Vi, nessa época vi, andava na noite. Porque nessa época o Rio vivia um grande momento, porque é o inicio da Bossa Nova, predominava ainda Rádio Nacional, os grandes cantores, como Orlando Silva, Ciro Monteiro, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Trio de Ouro, Ataulfo Alves no auge como compositor, Amélia com Mario Lago. Wilson Batista que era um boêmio da noite, da Lapa, um misto de malandro e grande compositor, alguns clássicos da música brasileira é Wilson Batista. Inclusive tem uma história dele que eu fiquei sabendo há pouco tempo, ele como reclamava o negócio de direito autoral, aí, um dia deram uma passagem para ele ir para a Europa e, como ele era boêmio, meio vagabundo, meio bandido, meio malandro, mas grande sensibilidade, as músicas dele foram gravadas pelos maiores artistas da época. E ele ficou duro, ficou duro, em Paris, aí, procurou o consulado, o secretário do consulado era o Vinícius, que gostava das músicas dele e arrumou a passagem para ele vim de navio de volta. E o navio para em Barcelona, o navio quando para, para descarregar, carregar, demora às vezes um dia, dois. O cais de Barcelona é como a Praça Mauá, onde inclusive a Rádio Nacional era ali, lugar de prostituição. Então, era o ambiente dele, igual a Lapa. E ele então conhece a Dolores Sierra, “Dolores Sierra, vive em Barcelona, na beira do cais. Não tem castanhola, e nã, nã, nã, a quem lhe der mais. Viveu em Salamanca, seu pai”, é história de qualquer prostitua no interior, tem um namorado, vai para cama com o namorado, o namorado não casa e aquela moral espanhola, católica, que o catolicismo na Espanha foi radicalíssimo, então, vira prostituta. E era prostituta em Barcelona e o Wilson desce nesse ambiente, talento, fez uma das mais bonitas músicas do cancioneiro brasileiro. Isso é época...
P/1 – Isso a gente está em 65, 66, 67?
R – Isso.
P/1 – O senhor já tinha algum envolvimento no rádio com música ou só com notícia? Só na Globo no Ar?
R – Não, o seguinte, aí, locutor do Chacrinha. Chacrinha tinha um programa na Rádio.
P/1 – Era de auditório também?
R – Era mini auditório, era um estúdio, mas era mini auditório, tinha uma cerca, tinha um mini auditório, tinha um piano.
P/1 – O que é um mini auditório? A gente não sabe, quantas pessoas mais ou menos?
R – Mais para umas 50 pessoas.
P/1 – Porque quando era um programa de auditório mesmo, era grande?
R – É maior.
P/1 – Aqueles da Rádio Nacional? É bem maior?
R – Isso, Nacional, Tupi e tal. E eu era um locutor no Programa do Chacrinha.
P/1 – E o que é que era o locutor do Programa?
R – Você lê os comerciais, os comerciais, lê as notícias e a parte artística, música, receber os artistas, entrevistar era ele. E eu tive uma briga dura com ele por causa do Caymmi, o divulgador da Gravadora Odeon era o Erasmo Silva, que foi um grande compositor, também um grande sucesso da Elizeth, Dá-me Tuas Mãos, “Dá-me tuas mãos”, é um clássico, Erasmo.
P/1 – O Caymmi pai, né?
R – Hã?
P/1 – O Dorival, o pai.
R – O pai. Ele era da Odeon, foi o último grande sucesso do Caymmi. Que o Caymmi pegou aquela fase de Ari Barroso, Lamartine Babo, anos 30, 40, quando chegou no Rio de Janeiro e tal. E o Erasmo vem com o último disco do Caymmi e botou na mesa para o Chacrinha tocar, aí, o Chacrinha empurrou para lá, eu falei: “Poxa Chacrinha, não prestigiar o Caymmi? Fica tocando essas porcarias de iêiêiê? Essas breguices”, “Ah, não sei o que. Isso é duro, não, eu ganho não sei quantos milhões, não sei o que".
Mas ele acabou tocando o Caymmi, uma semana depois o Erasmo volta com o disco, que a gravadora insistiu um pouco.
P/1 – Esse Erasmo era?
R – Erasmo Silva era divulgador da Odeon. Ele foi um grande compositor, foi parceiro que o Wilson Batista, tiveram uma dupla, Preto e Branco, isso na antiga Lapa. Lapa era uma efervescência e a zona de prostituição do Rio de Janeiro era na Lapa, na Rua Conde Lage, depois é que mudou aqui para onde é a Prefeitura no final da Presidente Vargas.
P/1 – Aquelas demolições que ocorreram na Lapa foram ruins?
R – Isso, isso é que destruiu a Lapa Antiga, que agora reacendeu. Aí, tinha a Leiteria Bol, todo mundo fala Leiteria Bol, tinha uma água mineral famosa Hidrolitol. Mas a noite musicalmente cada lugar que você passava estava tocando um negócio, um samba. E era aquela mistura de Ataulfo, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Altemar Dutra começando a aparecer, Nelson Gonçalves, era essa época. Mas no Beco das Garrafas, já estava começando aparecer a Bossa Nova do Tom Jobim, porque a Bossa Nova nasce na Rua Nascimento Silva, onde ele morava, onde tinha o Colégio Brasileiro de Almeida, porque é Antônio Carlos Brasileiro de Almeida, é o nome do Tom.
P/1 – Mas Adelzon, a gente está falando do Chacrinha.
R – Isso, Chacrinha.
P/1 – Ele tocou o Dorival?
R – Tocou pela primeira vez, na semana seguinte, o Erasmo trouxe o disco de novo, aí, ele empurrou para lá, aí, eu dei uma dura no Chacrinha, falei: “Pô Chacrinha, continua? Não respeitar um Caymmi, rapaz? Dá uma colher de chá para botar alguma coisa decente nesse programa, só esses”, que a Gravadora CBS, que era a gravadora americana, a gravadora do Roberto Carlos, era a gravadora do iêiêiê, senhor Evandro, era um americanófilo e negócio dele era tocar música, versão da música americana, vinha a ordem para empurrar o produto americano, para eles faturarem. O Rossini Pinto fazia a versão, Renato Barros, do Grupo Renato e Seus Blue Caps e, Wanderléa, Roberto Carlos, viviam gravando isso. Ah, Roberto Carlos, rei da música brasileira, nada disso, rei da música brasileira é um cara chamado Luiz Gonzaga, que desde que começou passou a cantar o Nordeste, Roberto Carlos cantava iêiêiê, cantava versão. Depois sim, depois ele amadureceu, fez uma obra até bonita, mas culturalmente falando o Gonzaga é infinitamente, cantava o Nordeste, tem música do Gonzaga que ele dá um seminário de economia. Você pega Triste Partida do Patativa do Assaré, que é um poema do Patativa, é um caro rústico da lavoura, trabalhador rural, que as obras dele são estudadas na Sorbonne, em Paris, intelectuais da Europa. O Gonzaga botou música em um poema dele, é um clássico. A própria Asa Branca, né. Bom aí, tivemos um pega e o Chacrinha era meio frouxo, quando você dava uma dura nele, ele tinha um cacoete, ele começava passar mal, “Hum, hum”, ficou assim e desmaiou no estúdio. (risos)
P/1 – Não no ar, espero.
R – Desmaiou e tinha um banco comprido, assim, deitaram ele lá, aí, veio a direção e eu era relativamente novo na Rádio, ele já era um nome, “Você mata o Chacrinha”, “Eu não sabia que o Chacrinha era frouxo dessa maneira”. (risos)
P/1 – Ele já tinha o programa de televisão?
R – Já estava começando o programa na televisão. E, aí, tive que terminar o programa e tal, aí, um mês e meio depois a música do Caymmi estourou no programa do Ed Sullivan, que era o maior programa da América do Norte. Quando um programa da América do Norte atinge o coast to coast que ele chamam, né, que eles ligam Nova Iorque a São Francisco, Pacífico e Atlântico, a música do Caymmi estoura, vieram buscar o Caymmi no Brasil para cantar ao vivo no programa do Ed Sullivan Show. Aí, os caras começaram a me respeitar um pouco mais.
P/1 – Até então o senhor não tinha contato na área de música?
R – Não, eu era apenas no comercial de notícias do redator chefe, que era meia noite e tal. Aí, a rádio começou a anunciar que ia virar 24 horas, a primeira rádio a virar 24 horas foi a Globo. E muita gente reivindicava, eu também reivindicava, mas eu como tinha umas posições de esquerda, de vem em quando explicitados essas posições, eles... Bom, chegou na hora de botar no ar, ninguém quis, aí, o diretor não me obrigou, mas mais ou menos me condicionou a fazer uma programação para ele ver. E o rádio naquela época, como gravadora, vive de tendência, é o que é que está fazendo sucesso, então, toca o que fazendo sucesso, pode ser uma merda e toca. Aí, eu fiz uma programação dele de Jerry Adriani e Wanderley Cardoso e Roberto Carlos. Falei: “Madrugada, eles não vão ouvir,” entrei de madrugada tocando Cartola, Nelson Cavaquinho, Candeia, Paulinho da Viola. E, aí, dois ou três minutos depois um divulgador entrou na sala do diretor, “O que é que você quer?”, “Não, é que a gravadora quer autorização para entrar a noite”, porque tinha a segurança do jornal, a rádio era no quarto andar, tinha que passar pelos andares de redação do jornal, gráfica e tal. “Autorização para entrar aí na madrugada?” “Mas vai fazer o que na madrugada?”, “Não, é que a gravadora tem uns discos de samba que não tem onde tocar”, porque o rádio só tocava iêiêiê, onda “E tem um programa de samba aí na madrugada”, eu digo: “Programa de samba na madrugada?” “É, e a rádio quer tocar, Elizeth, Ciro Monteiro”. Aí, eles foram ouvir, mas nunca me incomodaram mais, nunca ninguém me chamou, porque quando eles foram ouvir, já estava tendo repercussão.
P/1 – Como é que era o nome do programa?
R – Era “Adelzon Alves, o Amigo da Madrugada” e eles mesmo que botaram esse nome.
P/1 – O senhor recebia telefonema? Tinha esse costume de ligar?
R – Não, nunca pedi para ninguém me ligar, nem escrever carta, sabe por quê? Porque como o auge, como o público estava condicionado aquela porcaria do iêiêiê americano, se você bota, nego ia pedir música americana. Ia pedir aquilo e o meu negócio era... Nunca, tanto que eu estou praticamente 50 anos no ar, nunca pedi para ninguém escrever nada para mim, nem para ligar. A não ser que tenha alguma notícia para dar, alguma coisa, pá, pá, pá. Alguma mensagem, por exemplo, é muito comum pessoa de morro, de escola de samba se relacionar comigo, “Adelzon, quer divulgar aí uma roda de samba? Uma feijoada que vai ter na Portela, vai ter no Império, vai ter na Mangueira”, aí, sim. Mas por causa disso, porque o ouvinte ele é muito condicionado, é o negócio do Goebbels, o chefe da propaganda nazista do Hitler, uma mentira dita muitas vezes vira uma verdade. Tem gente que ouve rádio e nem sabe por que é que ele ouve. Pede uma música, você vê esse jogador de futebol, “Ah, fez três gols, pede uma música”, eles pedem cada música que não é música, porque música tem que ter melodia, pô.
P/1 – Mas Adelzon, agora uma coisa, a gente olhando de hoje para o passado, tudo parece muito natural, mas se a gente for lá atrás, um jovem de Cornélio Procópio que vai para Curitiba e que chega no Rio. O que é que aconteceu com o senhor para o senhor ficar imune ao iêiêiê? Quer dizer, de onde veio esse gosto musical tão refinado e tão ligado às raízes, aos grandes poetas, aos grandes músicos. Qual é a sua ideia, de porque o senhor não foi levado pela onda como todo mundo ou como a maioria?
R – Por causa de uma consciência político-cultural, disse que isso aqui é Brasil. Por exemplo, esse programa que eu gravo aqui, que é o Fole e Viola, é um programa que a gente toca música regional do Rio Grande do Sul ao Amazonas. Tem poetas no Rio Grande do Sul do mesmo padrão do Chico Buarque de Holanda.
P/1 – Mas isso será que foi, então, da sua professora de História, de Cornélio Procópio?
R – Não, eu tinha uma tendência ao lado literatura, poesia.
P/1 – Porque seu pai era um udenista, né?
R – Era udenista. Meu pai tinha uma ligação com música, ele prestigiava muito banda de música, que ele foi Vereador, incentivava muito banda. Eu tinha um tio que era muito ligado a Folia de Reis, então, eu tinha essa ligação já de interior.
P/1 – Seu pai comprava discos, vocês tinham vitrola em casa?
R – Não, até que não.
P/1 – Mas ouvia rádio?
R – A ligação era mais com a banda de música, Gregório Ferracini.
P/1 – Essa sua postura nacionalista já está lá em Cornélio Procópio?
R – Mais ou menos. Já está um pouco.
P/1 – O senhor acha que desenvolveu mais no Rio, mais em Curitiba?
R – A crença vai ficando mais amadurecido, local que você recebe mais informações.
P/1 – Você tinha contato aqui no Rio? Porque a gente sabe por leituras, pela história, de que nessa época do iêiêiê e depois até mesmo da Tropicália, havia quase que torcidas de gente a favor, contra e tal. O senhor quando veio para o Rio, teve contato com essas pessoas que defendiam a música de raiz, o samba, o senhor entrou nesse círculo de pessoas?
R – Aí, eu passei a ligar diretamente, que devido essa consciência político-cultural e um pouco de político-social, falei: “Porque é que o negro, porque é negro e vive no morro, na favela, mas que faz o bom trabalho o rádio não prestigia, a mídia não prestigia?”. É tanto que o Cartola ficou 30 anos desconhecido, o Ponte Preta que viu ele lavando um carro num prédio que ele era segurança e quando terminava o período de segurança ia lavar carro em Ipanema, ele olhou e falou: “O senhor não é aquele compositor da Mangueira? O Cartola?”, “Sou eu sim meu filho” e, aí, começou a escrever. Nelson Cavaquinho, alma boêmia do Rio de Janeiro não é Caetano Veloso, Chico Buarque, é Nelson Cavaquinho. Do Rio de Janeiro que eu digo, que o Nelson Cavaquinho, você chegava aqui na Central do Brasil, área de vagabundo, malandro, Nelson sentava, começava tocar, enchia de malandro, vagabundo, prostituta em volta dele. Teve uma cena que eu praticamente assisti, o pessoal estava ouvindo ele, que Nelson ficava aqui, entrava em qualquer pé sujo, ele bebia, aquele violão rústico dele, beliscando, beng, beng, mas “Tira o teu sorriso do caminho, que eu quero passar” e aqueles sambas dele.
P/1 – O senhor frequentava o morro? O senhor ia escutar samba lá?
R – Frequentava, fui amigo do Cartola, ia muito no morro, Cartola, Padeirinho.
P/1 – E o senhor ia com quem? Quem é que levou o senhor pela primeira vez?
R – Eu comecei o programa tocando eles e eles não eram recebidos no rádio, o rádio não.
P/1 – Mas como é que o senhor conhecia eles? De onde que? Da Lapa?
R – Porque eu já me interessava pelas músicas, que já tinha um cara chamado Zé Com Fome, conhecido com Zé da Zilda, que era um grande compositor de Mangueira que já gravava, de vez em quando um samba de morro entrava num disco. Chico Alves mesmo ia para morro, comprava samba de compositor de morro. A obra do Noel já existia e o Noel falava do morro, era um cara branco de nível universitário e que era amigo pessoal do Cartola, vivia no barraco do Cartola. Eles não falam isso. Então, que em 1945, Orson Welles esteve no Brasil e ele era amigo do Villa Lobos e o Villa Lobos era amigo do Cartola. E a casa de Tia Ciata, que foi o maior núcleo afro-brasileiro na Praça 11, onde estava Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Heitor dos Prazeres, Ismael, fundador da primeira escola. Ali que começaram os desfiles das escolas de samba, e levaram o Orson Welles na Mangueira e era época de Carnaval e levaram ele para ver um desfile das escolas de samba. E naquela época ele era o maior gênio da comunicação do mundo, fez o filme Cidadão Kane, fez aquele famoso programa, ele descreveu a invasão do planeta Terra, que causou um pandemônio nos Estados Unidos, quando ele vai embora ele deixa uma carta reconhecendo que o desfile das escolas de samba, em 45, era o maior espetáculo audiovisual do mundo, não era nenhum espetáculo da Broadway. Mas a nossa mídia só falava da Broadway, que a nossa mídia tem complexo de vira-lata, acha que tudo que é bom só é de lá, não tem coragem de dizer. Você vê o Patativa do Assaré, por ser lavrador, Patativa de mão cheia de calo, lavrador, a nossa mídia nunca falou dele, começou a falar quando descobriu que os intelectuais da Sorbonne, os poemas deles eram temas de aulas de Sociologia na Sorbonne.
P/1 – Uma curiosidade de saber, quem eram seus companheiros dessa descoberta dessa música que era pouco divulgada? Amigos, pessoas que subiam o morro com o senhor ou que iam lá com o senhor?
R – Quando eu botei o programa no ar e que comecei tocando eles e abrindo os microfones para eles, eu até nem sabia, nem atinei, depois que um me chamou, diz: “Oh, Adelzon, antes de você a gente ia divulgar a Mangueira, o ensaio da Mangueira, a gente dava o papel para o cara ler. Você não, você botou a gente no microfone”. O Simões da Mangueira, negão do morro: “Oh, eu dizia para minha mãe, mamãe fica aí, eu vou dar um alô para a senhora daqui a pouco. E ela ficava e eu dava alô para ela e, ela ficava feliz da vida. Os outros liam o papel que a gente entregava.” Eu tinha, sempre tive esse lado mais aberto.
P/1 – Então, no seu programa você também recebia os compositores, os cantores?
R – Quando eles descobriram que eles eram bem chegados, eles passaram a frequentar o programa, todos eles.
P/1 – Havia outros lugares em que eles podiam se exprimir? Seja na rádio?
R – Não.
P/1 – Seu programa se tornou um marco?
R – Aí, quando o programa aconteceu, começaram, aí, o rádio começou tocar samba. Aí, foi quando eu estourei o Martinho da Vila, porque o Martinho da Vila começa em São Paulo, ele ganha uma música no festival em São Paulo, Casa de Bamba, “Na minha casa todo mundo é bamba, todo mundo bebe, todo mundo samba”. Mas não foi ele que cantou, ele mandou a música, a música aconteceu. Ele era cabo do Exército, o Comando do Leste não é muito longe daqui, é aqui na Presidente Vargas. E ele é filho único, homem único, tem três ou quatro irmãs, mas uma meio mal casada, que marido largou com dois, três filhos, outro o marido muito humilde, trabalha em serviço de salário mínimo. Então, a mãe dele, na hora do almoço, eram 20 na mesa. E como a música dele aconteceu em São Paulo, São Paulo sempre pagou melhor à noite, muita gente do Rio vai muito para São Paulo e não deixa de elogiar São Paulo em função disso. Então, ele tinha convite para ir a São Paulo e ele tinha que ir para ganhar um pouco mais para ajudar a mãe, mas quando estava lá tinha que pegar o primeiro ônibus ou o primeiro trem ou quase que vinha a pé, porque tinha que bater continência para o Sargento dele aqui que não aceitava, e milico não aceita chegar fora de hora. Então, ele faz um sambinha, fazendo média com São Paulo, dizendo assim: “Não sei se fico aqui, se fico lá. Se fico lá tenho que voltar para aqui, se estou aqui tenho que ir para lá”, porque tinha que ir para lá para ganhar o dinheiro da mãe e estava lá, tinha que vir bater continência. Mas, aí, ele fez o Pequeno Burguês, “Da faculdade, ela é particular” e, aí, deram chance dele gravar um compactozinho, como ele me ouvia na madrugada, que ele foi criado em uma região aqui do Méier, chamado Morro do Preto Forro, Gambá, onde a Carmen Miranda foi criada. E ali teve um grande mito do samba chamado Zinco, falecido, mistura de malandro, vagabundo e grande compositor, que é um mito dele e do João Nogueira, que também é da região. Mas ele me ouvia e ele chegou lá com o compacto para tocar a música de São Paulo, eu falei: “Não senhor, a música é o Pequeno Burguês”, “Não Adelzon, você conhece o drama da Mãe Tereza”, ela morava em Pilar, “20 na hora do almoço, eu tenho que ajudar ela, tenho que fazer essa média com São Paulo”. Falei: “Não senhor, a música é o Pequeno Burguês, você não vai precisar fazer mais média com São Paulo, você cai explodir no Brasil inteiro” e meti o cacete na madrugada e, a música explodiu. Aí, depois foi “Um rio que passou em minha vida” do Paulinho da Viola, a mesma coisa, a gravadora queria divulgar uma outra coisa, eu disse: “Não, a música é o Rio que passou” e explodiu. Aí, eles começaram a ver que o programa era um programa do compositor de morro e os dois explodiram. Aí, eles começaram vir e o programa durou 26 anos no ar e só parei por causa de uma sacanagem, depois que eu fiquei sabendo da Odebrecht, essas empresas compram terrenos e não quer saber se aquilo ali é área de lazer, que a comunidade preza aquilo, compra e quer botar. E tinha um campo, chamado Campo da Jurema, na Penha, perto de igreja da Penha, que era um campo tradicional, muito garoto que depois se tornou grandes craques de futebol do Vasco, Flamengo, Botafogo, se formou ali e tal e festas juninas, festas. Era uma coisa da comunidade e eles compraram aquilo para fazer um prédio lá e o pessoal veio no meu programa, um deles era o meu amigo, eu botei eles no ar e levantou um movimento, que eles não puderam construir o prédio, eles eram amigos do Roberto Marinho. Aí, o Roberto Marinho pediu a minha cabeça, direto, o Roberto Marinho. Aí, sai do ar, depois de 26 anos.
P/1 – Isso foi que ano?
R – 90. Mas, então, aí, quando o Orson Wells vai e deixa a carta reconhecendo, você vê, o desfile de escola de samba já fazia o maior espetáculo audiovisual do mundo. Bom, e reconhecido por quem era autoridade para falar sobre o assunto. Mas a nossa mídia falava só da Broadway e continuou falando da Broadway, mudou um pouquinho quando o Jobim estourou lá, que o Sinatra gravou Garota de Ipanema, quando o Caymmi estoura lá com a música das rosas, do Ed Sullivan. É porque na verdade o seguinte, os americanos criaram uma máquina de propaganda para divulgar o produto deles e a música entra nesse corredor aí. E tudo deles tem um super enfoque, o Brasil nunca entendeu isso, nunca percebeu isso. Agora até espero, está começando a circular no ar a ideia de economia criativa, pelo o que eu ouvi falar era uma ideia que nasceu na Áustria ou Austrália, ficou um pouco adormecida e agora começou vir à tona e estão começando entender o que a arte gera do PIB do país, porque até então, por exemplo, o Ministério da Cultura na hora de dividir o PIB é o que fica com a sobra da sobra, ainda vai lá algum Senador e Deputado ainda mete a mão naquilo, porque não sabe o que é que a cultura gerou daquele PIB. Então, alguns países começaram a fazer um levantamento e até já existe no Ministério da Cultura uma secretária e eu até vi ela dando uma entrevista em uma audiência pública no Senado e teve um posicionamento: “Não, o Brasil é o país que realiza os maiores grandes eventos musicais e tal.” Se ela já sabia o quanto do PIB brasileiro era gerado pela música, pela cultura, ela falou: “Não, a gente ainda não estamos levantando isso”. Os Estados Unidos já sabem, 11% do PIB americano é gerado pelo setor cultural. Então, o Ministério da Educação do Estados Unidos já podem exigir 11%. O nosso está sendo feito agora e vai poder ter moral para pedir e dizer: “Não, agora esse é nosso. Fomos nós que geramos isso”. E se esse senador está certo, a participação da cultura do Brasil no PIB é maior do que a dos Estados Unidos. Então, aí, é capaz do Brasil começar a dar importância a sua cultura, ver que ela tem importância. Que a maioria vive, você vê esses roqueirão brasileiro? O pior é que o roqueiro brasileiro é tudo genérico e fala como se eles fossem Beatles, como se eles fossem, original é Rolling Stones, é Beatles. Brasileiro é genérico, é subproduto.
P/1 – E Adelzon uma coisa, quando você começou em 64 e ainda durante, o que era a aferição do ibope? Da audiência? Tinha essa pressão?
R – Tinha ibope.
P/1 – E já tinha ibope naquela época?
R – Já tinha ibope. Rádio já tinha ibope.
P/1 – Já tinha ibope.
R – Tinha dois ibopes, o ibope de execução, que tem música que toca muito, mas não vende. E tem música que não toca muito e vende. Na verdade essa que toca muito e não vende, você tem que ver bem o que é que é, porque às vezes é uma coisa forçada, o chamado jabá.
P/1 – No seu programa não tinha jabá?
R – Não, no meu não. Nunca teve, que o pessoal de morro é pobre, Padeirinho, os maiores compositores, o Cartola era pedreiro.
P/1 – Quais eram as gravadoras deles? Ou não tinha gravadora?
R – Aí, é o seguinte, aí, eu comecei a produzir disco, aí, fui convidado para produzir a Clara Nunes. Aí, eu comecei a levar ela para morro, porque eu é que tinha ligação com o morro.
P/1 – E produzia os discos em uma gravadora comercial ou não?
R – Era a Odeon, a gravadora da Clara era Odeon. Então, aí, eu comecei a gravar os compositores de morro com ela. Porque a Carmen Miranda também cantava o morro, só que ela foi lá para os Estados Unidos, por exemplo, o principal compositor da Carmen Miranda era um compositor do Morro da Formiga, chamado Sinval Silva e é o autor de Adeus Batucada, “Adeus meu pandeiro de samba, tamborins de bamba, já é de madrugada”. É o maior sucesso da Carmen. Era ele e o... Esse era da Lapa, eu sei o nome, daqui a pouco eu lembro. E aquela roupa da Carmen, era uma baiana estilizada, aquilo que ela usava na cabeça é o tabuleiro, porque a baiana de ganho, as baianas desde a Bahia antiga, aquela música do Caymmi, “Dez horas da noite, a rua deserta, a preta mercando parece um lamento”, Caymmi eu fico até emocionado. Eram as escravas de ganho, inclusive vendiam acarajé, vatapá e dizia: “Acarajé, vatapá, caruru”. Está na música do Caymmi, com aquele tabuleiro na cabeça. As baianas de escola de samba no início tinham tabuleiros, depois que virou um torso. A Carmen tinha um negócio, que a Clara passou a botar aquele buquê de flores. Então, quando me chamaram para dirigi-la, eu disse: “Olha, o seguinte, depois que a Carmen morreu, nenhuma artista é de samba audiovisual afro-brasileiro. Elis é meio jazzista, Gal é tropical, Bethânia é um pouco à la Bahia e tal, mas afro-brasileira como a Carmen ninguém seguiu”. Então, elas me chamaram, eu coloquei para o diretor, escrevi um texto sobre isso e, aí, comecei gravar o pessoal de morro, Cartola, “Alvorada lá no morro que beleza, ninguém chora, não há tristeza, ninguém sente dissabor”.
P/1 – O Cartola já tinha gravado? Ou não?
R – Ele já tinha gravado, a primeira gravação do Cartola mesmo foi o seguinte, na época da Segunda Guerra Mundial, como todos faziam a propaganda do seu lado e os americanos prepararam um navio cultural sobre a liderança do maestro Leopold Stokowski, que era o maior maestro sinfônica da época, que rodou a região dos países aliados e esteve aqui. E o maestro Leopold também era amigo do Villa Lobos e o Villa Lobos era amigo do Cartola e ia lá para o Morro de Mangueira. Ia para casa da Tia Ciata, tocava violão e choro com o Pixinguinha. Eles não falam isso porque, “Não, Villa Lobos é música clássica. O Teatro Municipal é Villa Lobos”, adorava tocar choro com o Pixinguinha na Praça 11. É o caso do Tom Jobim, a elite, né, “Tom, Bossa Nova”, eles não falam, Bossa Nova é samba. O Doca, aquele samba: “Não é que o Doca é um criolo comportado, ficou tarado quando viu a Dagmar toda soltinha dentro de um vestido sacro”, já ouviu isso, não ouviu? Que muita gente pensa que o Doca é uma figura de fantasia, de imaginação, não é, Doca era um criolo no Morro do Cantagalo, amigo da Dolores Duran, que trabalhava na noite, tocava um trombonezinho e trabalhava em divulgação de música de editora, que é o seguinte, quando vai chegando perto do Carnaval, as vezes um compositor faz uma música uma semana antes do Carnaval e a editora percebe que aquela música pode estourar no Carnaval. E quando uma música estoura no Carnaval, ela dá um bom dinheiro, para a editora, então, ela tinha interesse em botar aquilo no Carnaval. O Doca fazia isso, só que a mãe da mulher do Doca era cozinheira da mãe da mulher do Tom Jobim, a Teresa Armani, a Teresa da Praia, “Ela é a minha Tereza da praia, se ela é tua é minha também”, gravada pelo Dick Farney e Lúcio Alves, que quando o Tom casa com a Teresa, trouxe a filha, dona Sílvia para ser empregada da Teresa, mulher do Tom. A dona Silvia é mulher do Doca, do Pistão de Gafieira, então a ligação. E eles eram e até hoje é uma família do Morro do Cantagalo. E a ligação entre eles era íntima, você vê veio desde a vó, então, um dos filhos do Doca assistiu quando o Tom estava fazendo o Corcovado com Nilton Mendonça, “Um cantinho, um violão, esse amor uma canção para fazer feliz a quem se ama”. Assistiu o menino aquilo, que frequentava, era família. E o Tom ia lá para o Morro do Cantagalo, cantava samba lá com o Nelson Cavaquinho, o Nelson era amigo do Doca também. Esse núcleo é que é a origem da Banda de Ipanema.
P/1 – Como é que o senhor sabe disso tudo? O senhor participava? O senhor participava das rodinhas?
R – Em partes participava, eu conheço a família, eu sou amigo da dona Silvia, dos filhos.
P/1 – O senhor, além do seu programa que era de madrugada, lhe deixava o dia livre, se o senhor não quisesse dormir, então, durante o dia o senhor ia frequentar os sambistas?
R – Ah, eu frequentava muita casa, ia.
P/1 – Um indicando o outro, o senhor ia conhecendo?
R – Isso.
P/1 – O senhor se especializou mesmo?
R – E para trazer para a noite e tal. Então, o padrasto do Tom era meio atravessado com música, quando viu que o Tom estava, ele que estava bancando o Tom, porque no início ele estava meio e deserdou o Tom. O Doca, que trabalha em editora, que o Tom tinha estudado com o Maestro Koellreutter, estudou com o Villa Lobos. O Tom escrevia arranjo, partitura e a editora precisava de alguém para fazer aquelas partituras daqueles sambas que uma semana antes do Carnaval, a editora achava que ia estourar, fazia a partitura, porque esses divulgadores como o Doca, tinha uns dez, eles cheio de partitura debaixo do braço, iam para os bailes, grande baile, Fluminense, Sírio-Libanês. E eles ficavam, a orquestra aqui, e o maestro aqui e eles ficavam aqui do lado do maestro, “Maestro, pega a minha”. Quando o maestro pegava a partitura que botava, o cara ganhou o dia. Entendeu? O Doca fazia isso, tinha Valgenaro da Bahia, que é um maluco amigo nosso aí, tal, fazia isso. Então, o Tom duro, o Doca levou o Tom para ganhar o dinheiro para manter a família, fazendo arranjos. Tem muito arranjo de Carnaval que muita gente não sabe, clássica, antigas, que o arranjo é o do Tom. O Doca que levou o Tom e ia lá para o Morro, ia lá cantar samba. Mas se você falar isso, o pessoal da elite, diz: “Não, Bossa Nova”, não, Bossa Nova é samba Bossa Nova, que a Bossa Nova, que tem também uma injustiça, que é feita, que é com o Edson Machado, conhecido com Edson Maluco. Ele era um baterista da noite e ele que criou aquela batida, taqui, ti, taqui, ti, taqui, no aro da bateria, porque o samba mesmo, de morro, ele é mais rústico, ele é mais. A Bossa Nova é uma coisa mais delicada, é mais harmonia, melodia, então, não podia ser aquele, a cozinha atrás não podia ser uma coisa muito agressiva. Quem criou a batida, foi o Edson Machado, Edson Maluco, que é a batida que o João Gilberto faz no violão.
P/1 – Esse Edson Machado é do morro?
R – Não, ele era um baterista da noite, como o Doca. O Doca, ele andava na noite, amigo da Dolores Duran, Antônio Maria, Ponte Preta, tocava na noite, mas era do morro. Fazia parte de bloco lá do morro, tanto que tem músicas do Tom, que é de parceria do Tom com ele. Como é o nome? Tem muita gente que vê o nome, não sabe quem é, não sabe que é o Doca. Alcides Fernandes, então, você vê Alcides Fernandes, é o Doca, do Pistão de Gafieira.
P/1 – O senhor ia nas feijoadas da dona Zica?
R – Fui, muito.
P/1 – Na gafieira?
R – Foi amigo do Cartola, dona Zica. Ajudei ele muito tempo fazer as rodas de samba da Mangueira, o Carlos Cachaça, né, que era o parceiro dele. A dona Zica era irmã da dona Menina, a mulher do Carlos Cachaça. Muita gente não sabe que Carlos Cachaça é ligado ao Cartola só por causa da parceria, por exemplo, Alvorada é Cartola e Carlos Cachaça, “Alvorada”, Hermínio Bello de Carvalho, “Alvorada lá não vou”. Não, eles eram concunhados, a dona Zica era irmã da dona Menina.
P/1 – E a dona Ivone Lara?
R – A do Ivone é Império. Eu que lancei a dona Ivone também, eu que produzi os discos dela, o primeiro disco dela.
P/1 – Pela Odeon também?
R – Também na Odeon.
P/1 – A Odeon foi a gravadora que mais se especializou?
R – Eu produzia lá. O caso de João de Nogueira também, eu que produzi o João Nogueira, eu que lancei ele, eu comecei a gravar os sons dele com a Clara, aí, começou a acontecer, consegui que a gravadora contratasse ele, fiz os primeiros discos e tal, estourou nacionalmente, aí, fiz a dona Ivone Lara. Dona Ivone Lara, ela era uma enfermeira do Hospital do Engenho de Dentro do Carlos Niemeyer, irmão do Oscar Niemeyer, o arquiteto e do Paulo Niemeyer que tinha aquele canal 100, lembra, antigamente se entrava no cinema e tinha o canal 100? O terceiro irmão era neurologista. A dona Ivone era parceira, era enfermeira dele e era de confiança, como ele era um neurocirurgião muito respeitado, era muito chamado para fazer seminário, tinha que sair, mas ele só saía, principalmente, fora do Rio, se a dona Ivone ficasse no plantão, ele não confiava. E eu precisando gravar com a dona Ivone, “Dona Ivone, estou com autorização de estúdio para entrar com a senhora no estúdio”, “Não, Adelzon o doutor Paulo”, “Não dona Ivone, eu pago uma enfermeira para ficar no seu lugar”.
P/1 – E como é que o senhor descobriu a dona Ivone? Indicada?
R – A dona Ivone já era compositora do Império.
P/1 – Já era compositora.
R – Ela já tinha feito o samba “Cinco bailes da história do Rio”, que é um grande clássico, com Silas de Oliveira, que é o maior compositor de sambas enredo até hoje, é o maior mesmo.
P/1 – Mas ela já cantava ou só compunha no começo?
R – Não, ela já cantava, tocava cavaquinho e tal. Mas era na intimidade lá do Império, é como a Juvelina Pérola Negra também, a Juvelina, ela era baiana da cidade, a dona Ivone também era baiana. Saía na ala de baiana, cansei de pegar ela atrás da Candelária, quando o desfile era na Presidente Vargas, ela de baiana. Porque o Império Serrano, é a escola que foi fundada pelo Mano Elói Antero Dias, foi o primeiro negro a ocupar um cargo de destaque no Rio de Janeiro, ele era Presidente da Estiva, que é o maior Sindicato do Cais do Porto, é a Estiva, era amigo pessoal do Getúlio Vargas, até hoje a Estiva é dirigida por gente do Império, ninguém consegue pegar a direção da Estiva, só o pessoal do Império. O marido da dona Ivone, o Oscar era de lá, o Mestre Fuleiro, grande diretor de harmonia do Império, um negão grande. Então, como eles eram da Estiva, eles ganhavam um bom dinheiro, então, era um orgulho vestir as mulheres. Então, as mulheres formavam uma ala de elite dentro da ala de baianas no Império, que chamava baiana da cidade alta. E maior orgulho desses negões, cada negão assim, é tudo estivador, era a mulher dele saía de carro, alugava um táxi, para ela sair vestida com aquela roupa, mas era um negócio deslumbrante. A vizinhança inteira, o bairro inteiro. A dona Ivone era uma dessas baianas, só que ela já era compositora.
P/1 – E ela já tinha uma certa idade, ela não era mocinha?
R – Já era uma senhora, já era enfermeira formada. Aliás, inclusive, a propósito da dona Ivone, fazer uma sugestão para vocês, se bem que seria um pouco difícil isso, você teria, você não alcança mais a pessoa, que era a companheira da dona Ivone, a Tia Alice da Mangueira. A Tia Alice é uma história, ela morreu agora há pouco tempo, Alzheimer, ficou anos. Tia Alice era enfermeira com dona Ivone, mas Tia Alice era uma menina do Morro de Mangueira, que seu Tinguinha, pai do Elmo, que é da direção da Liga das Escolas de Samba, já foi presidente da Mangueira uma ou duas vezes, é uma negona alta, garotona 12, 13 anos, já estava começando a fazer parte daqueles bandos de moleque que passava na mercearia, roubava uma maça, passava no bar, pegava uma balinha. Já perigo de ir para o lado marginal da vida, e o senhor Tinguinha percebeu que ela tinha dons atléticos, no olhômetro, aí, falou com o Sandro Moreira, pai da Sandra Moreira. O Sandro era um dos melhores cronistas do Jornal do Brasil, escrevia sobre esporte e ele era do Botafogo. Falaram com o Sandro, aí, o Sandro levou ela lá para o Botafogo, fizeram um teste com ela, ela tinha realmente dons atléticos. Aí, se torna campeã do Rio de Janeiro, campeã carioca, campeã estadual, campeã nacional, campeã sul-americana de algumas modalidades de atletismo e se tornou um mito da área do esporte. Mas, aí, chegou a idade, vai parando mais um mito no morro, aí, um cara candidato a Presidente da Mangueira, Carlos Doria, ele não tinha prestígio no morro, não tinha popularidade no morro, ele tinha voto na diretoria em baixo. Para ganhar tinha que juntar as duas forças, ela era um mito do morro, aí, ele chama ela para fazer parte da chapa dele, diz para ele assim: “Eu só aceito se você me der a chave da quadra que fica a toa aí a semana inteira, só tem atividade nos finais de semana, para eu botar dentro da quadra as crianças do morro para aprender esporte comigo, folclore, para eu tirar as crianças da marginalidade como um dia me tiraram.” Ela conversou comigo e ele no meu programa, esse papo aconteceu no ar, na Rádio Globo. Ele ganhou a eleição, entregou a chave a ela, ela começou a botar as crianças do morro para dentro da quadra, começou, foi, foi, daqui a pouco o espaço da Mangueira começou. Bom, o Clinton veio ao Brasil, foi na Mangueira dar um pontapé inicial no segmento de esporte da Mangueira e não foi a Brasília. Explodiu, né, se tornou um negócio, aí, mães descobriram, vinham de tudo quanto é lugar, mas aquilo ganhou um vulto muito grande e ela com uma certa idade, aí, ela foi e fundou o Pan-Mangueira, e no Pan-Mangueira dava aula profissionalizante, tem mais de uns mil e tantos, dois mil meninos que trabalham, começou de office boy na Petrobrás, então, né, tudo formado por ela.
P/1 – Mas Adelzon, isso que você colocou agora, de repente surge o seu programa como uma espécie de embaixada dos morros? Era um local onde tinha voz?
R – É, tinha voz. Voz e vez.
P/1 – Existe um sucessor do seu programa? Surgiram concorrências ou não?
R – Não.
P/1 – Com o fim dele?
R – Assim não, com essas características não.
P/1 – Com fim dele se encerrou esse microfone, fechou esse microfone?
R – Eu estou fazendo aqui a Madrugada na Rádio Nacional. A minha filha que me ligou para dar um recado da mãe que trabalha em divulgação, que estava doente, não podia vim, eu botei ela no ar e alguns ouvintes começaram a ligar que tinham gostado dela falando no ar e um diretor da rádio também ouviu: “Oh, Adelzon, tua filha Soraia fala bem”. Aí, ela precisando fazer alguma coisa, eu estou começando a trazer ela para cá. Então, hoje ela está trazendo o pessoal de morro, Monarco, ontem mesmo esteve aqui um menino novo, da nova geração de sambistas autênticos e tal. E aqui vai ser de novo, só que a Rádio Nacional hoje, que a Rádio Nacional foi sucateada pela Revolução de 64, porque a Rádio Nacional era o veículo por onde Getúlio Vargas se dirigia ao povo brasileiro. E veio ordem da CIA para esfriar a Rádio Nacional, tanto que eles foram perseguidos, Mario Lago foi preso, a Janete Clair com o marido. O que hoje é a TV Globo era o que era na Rádio Nacional.
P/1 – Bom, e o episódio da carta do índio? Como é que o senhor contaria essa história para a gente?
R – O episódio da carta do índio foi o seguinte, eu estava na rua, andando na Rio Branco, indo para o estúdio da gravadora Odeon onde eu produzia a Clara, João Nogueira, Roberto Ribeiro, Dona Ivone, Wilson Moreira e pisei em um papel. Aí, no que pisei, por acaso olhei, tinha uma foto de um índio, assim, com a roupa branca, meio tipo bata, já meio aparentando idade. Ainda ficou a marca de poeira da minha sola e tal, aí, peguei o papel, vi o primeiro tópico, achei interessante, dobrei, botei no bolso que eu estava com pressa, horário de estúdio, maestro, músico, dentro do estúdio. Fui para casa, no dia seguinte, eu tinha um carrinho velho, um rabo quente, eu me lembro que eu estava vindo na altura da Lagoa e liguei o radinho, dizia: “Hoje é dia do índio”, alguém lá no ar falou que era dia. Falei: “Ué, ontem eu peguei um papel falando o negócio do dia do índio.” Aí, cheguei na rádio, o nosso chefe dos operadores, Formiga, um sonoplasta genial, o estúdio só de gravação de comerciais. Rádio grande, ela mesmo grava certos comerciais, alguns vem de agência de publicidade, outros é a própria rádio faz. Clientes antigos da rádio e tal, que agência de propaganda é uma coisa relativamente moderna. Então, ele estava no estúdio esperando o locutor que lia, que gravava os comerciais da rádio. Falei: “Formiga deixa eu gravar um negócio aí para eu botar no ar. Gravar um negócio aí para eu botar no ar na madrugada”, ele falou: “Não, o comercial tem prioridade”, rádio comercial, né. O Bianchini que era o locutor que lia esses anúncios, “O Bianchini está descendo aí”, falei: “Mas ainda não está aí Formiga, deixa eu entrar dois minutos só” e não é dois, a carta tem 12 minutos por aí né. Não sei se deu uma dor de barriga lá no Bianchini, o que é que foi, que ele não descia e eu forcei a barra, aí, de tanto encher o saco dele, “Entra aí”. Na época tinha separação o vidro, aí, quando eu comecei a ler o texto, aí, comecei ver que ele começou pular para lá, pegava um disco, botava aqui, pegava outro. Me parou umas três ou quatro vezes, “Melhora a interpretação aí e tal”. Aí, eu fui para o estúdio, aí, tinha a produção de disco, que era a Rádio Ana Glória, o estúdio é no final da Rio Branco, é perto da Odeon. Quando cheguei na madrugada para fazer o programa, tinha um rolinho de fita, na época dos rolinhos de fita, tinha um bilhete dentro, de vez em quando acontecia isso, “Está aí o negócio que você gravou a tarde, está aí”, botei no ar. Rapaz, foi um negócio impressionante, que eu botei no ar, já de cara vieram uns 20 telefonemas.
P/1 – Mas, aí, o senhor recebia telefonema?
R – Não, mas eu não mandava ninguém ligar, porque se você manda ligar, você tem que atender o cara. Mas é telefonema para pedindo que eu repetisse a carta.
P/1 – E o senhor atendia diretamente ou era a produção que atendia?
R – Não, tinha um contrarregra que atendia. Mas, aí, quando eu via que era isso e muito estudante, estudante do Brasil inteiro, ligava de Manaus, Rio Grande do Sul, “Olha, Adelzon, vai ter uma conferência do Meio Ambiente, vai ter uma aula e isso aí não pode faltar e tal. Bota no ar para a gente aí, para a gente gravar aqui e etc.” Bom, finalmente, só a rádio distribuiu mais de 250 mil cópias na época, escritas. Porque o que foi para o ar e que gente copiou no ar para levar para uma aula no dia seguinte, de Manaus à Porto Alegre.
P/1 – Isso foi que ano mais ou menos?
R – Acho que começo dos anos 80, uma coisa assim. Aí, um amigo meu de Vila Isabel, tinha um amigo que tinha uma gráfica, esse amigo falou: “Adelzon, dá o endereço da gráfica do Fulano de Tal, amigo meu, que ele quer também distribuir também cópias dessa carta”. Depois ele me disse que essa gráfica também expediu mais de umas 250 mil cópias, ele gosta do Meio Ambiente.
P/1 – Que é expedido pelo Correios?
R – Pelo Correio.
P/1 – A rádio também, essas 250 mil que você falou também impressa, também foram pelo correio?
R – Ah, foi, porque era na época. Então, e isso aí passou a ficar, ser divulgado muito, o menino que faz o programa aqui depois do meu, ele faz pela Rádio Nacional a nossa aqui, a de Brasília, a da Amazônia. De vez em quando alguém está pedindo para botar a carta, ontem mesmo foi dia do Meio Ambiente, ele rodou a carta umas duas vezes no ar, tem uma melhor do que essa gravação, que essa gravação está meio lenta, a que a gente fez, matriz é um pouco mais. Aí, depois mais tarde foi descobrir o seguinte, engraçado, eu quando fui dirigir a Clara, já dirigi um grupo chamado Conjunto Nosso Samba, que era um grupo de meninos criados aqui nesse morro atrás dessa...
P/1 – Como é que chamava o conjunto?
R – Conjunto Nosso Samba.
P/1 – Nosso Samba.
R – É o melhor conjunto de samba que eu já ouvi até hoje no Brasil. Engraçado, que eles tinham um fenômeno interessante, que é o fenômeno das duplas sertanejas. A maior parte das duplas sertanejas que dão certo, é porque são irmãos, por causa do DNA da garganta, os harmônicos da voz se fundem e a sonoridade fica agradável, quando não se fundem, ela fica meio áspera, o som fica meio áspero. Você pode até estar até gostando da música, mas alguma coisa te incomoda, o ouvido nosso ele é perceptivo, muito perceptivo a harmonia sonora. Então, quando o som faz isso, que se harmoniza, ele tem uma receptividade, quando bate assim, que não cruza. As duplas irmãs são assim, Irmãs de Galvão, Chitãozinho e Xororó, Tonico e Tinoco, é por causa do DNA. Mas são irmãos, eles não, eram um grupo de meninos criados no morro, de famílias diferentes e as vozes eram irmãs. Tinha um chefe, mas não era chefe, não era empresário, é o menino mais velho, que todo mundo respeitava, eu já dirigi esse grupo. Aí, quando fui dirigir a Clara, juntei eles a ela, porque meu projeto com ela era fazer uma carreira. Era um amigo deles que tinha uma pequena gráfica aqui na área da Central do Brasil, que chegou no final do ano, querendo dar um brinde para os seus fregueses e gráfica pequena, pouco recurso, ele gostou da carta, imprimiu algumas, botou no envelope e mandou para os clientes e jogou o que sobrou na rua e eu meti o pé numa dessas que foram para a rua, aí, aconteceu esse fenômeno.
P/1 – Fala um pouquinho da Clara Nunes, onde é que o senhor descobriu a Clara? Como é que ela chegou?
R – A Clara, ela era de Minas, da Rádio Itatiaia e ganhou um concurso, A Voz de Ouro ABC, era uma empresa de Rádio que fazia um concurso de cantores, os ganhadores de cada estado viriam para o Rio e cada um teria a chance de fazer um disco numa gravadora grande. Até fui amigo do que veio de Pernambuco, sou amigo até hoje do que veio do Espírito Santo e ela veio de Minas. Mas era época do iêiêiê, balada americana e a gravadora, como rádio, é igual programação de rádio, eles não sacam uma coisa diferente, com qualidade, “Não, vou esse negócio agora”, “Mas, pô, ninguém está fazendo isso”, o meu caso, “Oh, vai divulgar cara de morro? Criolo de morro?”, “Pô rapaz, sabe quem é Cartola? Aquele humilde criolo de morro que é pedreiro. Sabe o que é que ele é poeticamente?”, não sabiam. “Nelson Cavaquinho, amigos de vagabundos da noite”, o Nelson, eu até ia contando, parei, esqueci. Em uma roda de samba aqui, madrugada na Central, cheia de vagabundo, malandro, ladrão em volta dele, mas todo mundo ficava ouvindo. Aí, de repente alguém deu falta da carteira e falou: “Roubaram a minha carteira”, cheio de vagabundo, ladrão ali na área. Aí, o Nelson olhou assim, “Fica calmo aí meu filho, pode ficar sentado aí”, aí, ele cantou, cantou, o cara meio angustiado lá, daqui a pouco ele saiu, deu uma volta e pegou o violão e voltou a cantar. Daí a pouco um cara veio, entregou a carteira para o cara. Era o prestígio que ele tinha com o vagabundo da noite, sem ser nada, admiração por ele. Quer dizer, esse é o cara. Desculpa, lógico, não é fácil ser um Chico Buarque, tem que ter o talento, mas é um cara que nasceu na elite. Agora o Nelson Cavaquinho, que era policial, que foi patrulhar a Mangueira, amarrou o cavalo lá e foi cantar samba lá na roda de samba, esqueceu o cavalo, voltou sozinho para o quartel e ele foi demitido. Aí, esse cara, você um fenômeno desse, você vê o que é que é a força da arte espontânea, natural, intuitiva. O Nelson era intuitivo, o próprio Cartola, que sempre foi pedreiro, Padeirinho da Mangueira, era padeiro, um cara comum, humilde, magrinho, morava no meio do morro, muitas vezes fui na casa dele e como a maioria deles, porque o cara é humilde e pobre. Por exemplo, o caso da cultura negra, o Eric está aqui até para isso, eu também, preocupado com um pouco isso, eu dirigi um grupo chamado Os Tincoãs, era um trio vocal da Bahia. E a gente que trabalha em área de samba é comum quando o tema é afro, aparece um refrão, Portela, “Ilu ayê, ilu ayê, odara negro cantava na nação Nagô”, e llu ayê odara, quer dizer, terra de gente boa, uma coisa assim a tradução. Mas sempre aparece um refrãozinho. Esse grupo cantava letras inteiras e eu apertava eles, dizia: “Oh Dadinho, Mateus, que é que é isso?”, eles tinham um vocal muito bom, bonito, “Não, isso é da tradição oral dos nossos ancestrais que fundaram no recôncavo da Bahia, o mais antigo tempo de cultura negra em cachoeira”. Só falavam isso, mas eu preocupado em eles fazerem sucesso, que acabaram fazendo sucesso, chegaram primeiro lugar de venda de disco no Brasil e começar a viajar, como viajaram depois. Porque lá fora os jornalistas vão mais fundo, aqui pergunta superficial, tem algumas exceções, mas a maioria é essa mídia de divulgar o artistinha para fazer gracinha no palco, não é uma coisa. Aí, um amigo meu do Império Serrano um dia aparece lá na rádio com um senhor claro de olhos azuis, já tinha 75 anos, “Adelzon, senhor Manoel Queiroga e tal. Ele ouve você falando muito sobre cultura negra, essa tua ligação com pessoa do morro e tal e ele quis te vir te conhecer”. Ele era um caro sério, Avarezi e ele também é um senhor de 70, eu botei ele no ar. Aí, ele falou, mas rádio comercial você tem que ficar um pouco atento ao lado comercial, não fiquei muito prestando atenção no que ele ia falar, eu botei, ele falou. Esteve mais uma vez, depois encontrei o Avarezi na rua: “Adelzon, o senhor Queiroga não te convidou para ir na casa dele?”, “Ah, convidou, mas pensei que era aquele convite oba, oba”, “Não, ele quer que você vá lá e tal”. Bom, o seguinte, o senhor Queiroga era o que eles chamam de Filho de Santo da Mãe Menininha do Gantois, de quando a Mãe Menininha era solteira. Você vê, Mãe Menininha morreu há uns 15 anos atrás com quase 100 anos. Aí, um dia na casa dele eu estava vendo um cara escuro, estatura mediana, mas para baixo do que para mediana, bem escuro e assim meio calado nos cantos. Aí, um dia ele falou para mim: “Adelzon, deixa eu te apresentar esse moço aqui. Ele é Ifa Caiodê,” Ifa é o cara que na cultura negra, ele tem o dom do jogo de búzio, Ifa é o orixá que orienta o jogo de búzio, o cara já nasce com aquele dom, não é qualquer que mete a mão naquilo e vai, não, o cara tem que nascer com aquilo. Ele tem uma coisa que fala com ele, Ifa Caiodê, ele já é formado em Oxford, na Inglaterra, está fazendo um curso de Pós-graduação aqui, ele é filho de um importante líder cultural da Nigéria e herdeiro do pai. O irmão mais velho, inclusive, é o presidente da Companhia de Petróleo da Nigéria, mas é um homem de negócio, não é voltado para o lado cultural. Esse não, esse é voltado para o lado cultural. Aí, disse assim: “Tudo o que existe, onde ele estiver, ele é a maior autoridade em cultura em iorubá”. Aí, quando ele falou aquilo para mim, me lembrei do grupo que eu dirigia, aí, ele me alertou, disse: “Oh, ele quieto assim pelos cantos porque quando ele joga o búzio, ele sabe da vida das pessoas. É igual um padre que não pode ser falastrão, senão ninguém confia se confessar com um padre falastrão. E ele já nasceu assim, é da natureza dele, ele é quieto mesmo”. Eu vi ele, várias vezes ele pegava o obi, uma frutinha africana, cortava em quatro, passava na mão, botava na mesa, chamava as pessoas pelo nome, bicho, gente que ele não conhecia, “Fulano de tal, quem é fulano de tal?” Falava Português meio misturado com o Inglês, a Nigéria é colonizada pela Inglaterra, aí, a pessoa vinha, dizia assim: “Tem uma pessoa em casa”, olhava assim, “Tem uma pessoa em casa com problema assim, assim, assim?” “Ah, tem”, “Procura médico, problema de médico”. Ele passava de novo, botava, chamava outra pessoa pelo nome, “Tem uma pessoa em casa assim, assim, assim? Fala com o senhor Queiroga”, quando era problema espiritual, mandava falar com o senhor Queiroga, vi ele fazer isso várias vezes. Aí, quando ele me falou aquilo, lembrei do trabalho do grupo, que eu apertava ele para me revelar o que era aquilo, explicar o que é que era aquilo, e só ouvia: “Não, tradição oral dos nossos ancestrais e tal”. Aí, falei com ele, expliquei, falou: “Não posso ouvir e tal”. Aí, marcamos e foi ouvir. Aí, eles cantaram, cantaram assim e ele quieto, né, eu preocupado com o que ele ia dizer, eu me lembrava do papo do senhor Queiroga: “Não, ele é quieto por causa da natureza dele, do lado espiritual dele”. Aí, depois de uma hora e tal, assim, ele disse: “Não, já deu”. Me lembro que ele começou exatamente assim, ele disse: “Olha, tudo o que existe no mundo sobre cultura ioruba, nagô”, eu até não sabia que nagô era ioruba, “É da Nigéria, do meu país”. E tudo começou na Nigéria, segundo o caldo de cultura, ele dizia: “Olha, eu sou de Universidade, Antropologia universitária dá 100, 150 mil anos para quando o homem começou a grafar naquelas pinturas rupestres, as suas expressões artísticas, definir as línguas, idiomas e bá, bá. Mas na Nigéria existe um caldo de cultura que diz a cultura nasceu na Nigéria há 250 mil anos” e disse assim: “E esses cantos que vocês acabaram de cantar, tem esses 250 mil anos e estão certos”. Quando ele falou aquilo, levei um susto, falei: “Oh, Caiodê, para mim bastava você dizer que o Brasil preservou a cultura que recebeu da África, mas você está dizendo um negócio”, igual eu falei: “Oh, deixa eu fazer um paralelo para você, o negro americano, o mesmo negro da Nigéria e outros países da África que foram para a América, foi obrigado a ficar católico e protestantes devido ao fanatismo religioso dos colonizadores irlandeses da América. E ele criou o gospel, que é o spiritual, que é a base do jazz, que é o maior movimento musical popular do mundo, é o jazz. Mas você está dizendo que nós temos um gospel, um spiritual muito mais antigo, porque o do negro americano foi criado depois que ele chegou na América, porque ele teve que esquecer tudo da cultura negra dele. Ele fez o gospel, que são cantos cantados naquelas igrejas evangélicas americanas e tal, daqueles negros, Ella Fitzgerald, aquela Mahalia Jackson, saiu daqueles corais. Mas você está dizendo, então, que nós temos um gospel muito mais importante do ponto vista antropológico, que tem 250 mil anos e está certo?”, ele falou: “É isso mesmo, está certo sim. É isso mesmo”. Falei: “Se eu escrever um texto sobre isso, você assina?” “Assino, se você quiser mando para o meu pai, que ele assina na Nigéria e outras pessoas ligadas a isso aí assinam”.
P/1 – Mas Adelzon, vamos voltar um pouco.
R – Não, não, deixa eu completar. Aí, falei: “Poxa, nós temos o canto católico, coral, na Missa do Galo, por exemplo, aquele canto lindíssimo, aquele coral da Missa do Galo, temos os cantos evangélicos americanos, o spiritual, mas nós não temos um canto coral do verdadeiro spiritual do negro, que o que veio da África, que são os cantos dos orixás”, aqueles cantos que eles cantavam, eram cantos dos orixás. Em canto coral e, aí eu consegui uma verbinha na Fundação Roberto Marinho e pegamos o Coral do Correios e Telégrafos e gravamos esse disco, que não conseguimos botar nas ruas até hoje por falta de verba, porque teria que ter um bom encarte sobre isso, um cara como você fazer esse levantamento, escrever isso, né, ter autoridade para assinar, eu sou apenas um produtor, eu descobri isso porque fui preocupado com o problema deles, mas isso era coisa para, assim, na época eles levaram para o Caymmi, Jorge Amado, ele estava vivo ele adorou e ele esqueceu de pedir um texto, falei: “Pô, vocês tinham que ter pedido um texto do Jorge Amado, O Caribé”, aquele pessoal antropólogo ligado ao culto da Bahia, a Mãe Menininha, a Mãe Senhora e gravado com o Coral dos Correios, falei: “Pô, esse negócio do Correios, quem sabe a gente podia se aproximar”.
P/1 – Está inédito até hoje essa gravação?
R – Está inédito até hoje, porque teria que, para fazer o disco propriamente, teria que ter um bom encarte, como um bom texto, porque, poxa, uma coisa impressionante e é a primeira vez que se grava, eu acho que no mundo isso, dessa maneira, entendeu. Então, são cantos da Nigéria e são cantos de Angola, o Martinho foi muito a Angola. Em Angola teve um dia que teve um show que estava o José Eduardo, o presidente de Angola e todo primeiro time do Governo Angolano. Quando eles terminaram de cantar, eles viram que um daqueles caras ali da frente foi no camarim deles, aí, chegou para ele e disse: “Escuta, vocês cantaram os cantos da África que não são de Angola, mas cantaram alguma coisa de Angola. O que é que é isso?”, disse: “Não, é o nosso produtor”, porque na época eu falei: “Oh, vamos ver na Bahia uma outra etnia para o disco ficar um pouco mais variado”. Então, o Instituto de Pesquisas Afro-orientais da Bahia deram para eles dois cantos em quimbundo, que não era da área deles, eles decoraram bem e cantaram lá em Angola. Aí, o cara esperou: “Eu sou Boaventura Cardoso, sou Ministro de Educação de Angola, por acaso eu sou professor de etimologia das línguas aqui e tem palavras nesses cantos, que às vezes aluno me pergunta em sala de aula e eu não sei. E o Brasil preservou isso”. E, aí, os contratou para fazer turnês em Angola mostrando cantos e memoriais da cultura africana de Angola e que eles tinham, devido o Regime Comunista, eles encostam porque isso é o lado religioso que preserva. São os pais de santo, independendo do lado religioso, mas os pais de santo é que preservaram isso. Preservaram os toques, as roupas. Bom, então é isso.
(PAUSA)
P/1 – Bom, como o senhor já havia colocado, num determinado momento, até por conta aí de grandes empreiteiras e tal, o senhor saí da Rádio Globo, saí dessa grande embaixada do morro, da cultura brasileira, da cultura de raiz e, aí, o senhor vai para onde?
R – Eu já era da Rádio MEC, no mesmo tempo da Globo, já eu era da MEC. Onde eu faço esse programa Fole e Viola, que faz na verdade a mesma coisa com a música regional. Aquela hora que vocês chegaram eu estava falando com o Luiz Carlos Borges, que é um cara formado pela Universidade de Santa Maria, acordeonista, super compositor, uma semana antes da Mercedes Sosa morrer ela gravou com ele um música dele, que é a maior realização artística da América Latina dos últimos anos. Você vê, um puta músico, um puta artista, que ninguém sabe. O ouvinte do meu programa sabe, então, esse programa faz isso. Então, já fazia.
P/1 – Essa sua veia nacionalista não é só em relação ao morro carioca, o senhor estende isso para o Brasil inteiro?
R – A cultura de maneira geral. E até um pouco politicamente também, né, porque a política nacionalista sem xenofobias, mas você é um país, você vê a riqueza do seu país ser explorada por outro país e seu povo passando necessidade. Que é um grande problema do povo árabe, a birra deles com os Estados Unidos, eles explorando o petróleo deles a vida inteira e o povo dele lá passando necessidade.
P/1 – E na Rádio MEC também virou uma certa embaixada? Você percebe?
R – Não, não, aí, a MEC é o seguinte, aí, é a MEC que dirige a Rádio Nacional. Aí, me pediram para assumir a madrugada aqui, já está dois ou três anos no ar. Então, a gente está refazendo aquela velha trilha, minha filha está trazendo o pessoal, Eric está participando e tal. Porque muitos já morreram, Cartola já morreu, Carlos Cachaça, Dona Zica, Dona Neuma, a Dona Menina, mulher do Carlos Cachaça já morreu, o Padeirinho já morreu, Waldemiro, diretor de bateria, Pelado, Comprido, Jajá, Xangô da Mangueira. Mas hoje está tendo uma geração nova, por exemplo, o neto do Padeirinho, que foi um importante compositor da Mangueira, Nendo Xalé, está com 20 e poucos anos, está fazendo sambas lindíssimos, samba que você ouve a melodia primorosa, letra simples, mas com arte. Que o cara de morro, que tem o talento artístico, ele não tem como rebuscar, ele não tem cultura para rebuscar, mas ele acha no simples originalidade, naturalmente isso. Então, era um grupo de meninos que saíram na Mangueira do Amanhã, que foi fundada pela Tia Alice, a mulher que eu te falei, essa que fundou o Esporte da Mangueira e para Mangueira.
P/1 – E o seu Instituto?
R – Hum?
P/1 – E o seu Instituto?
R – O meu Instituto foi criado sem eu saber, sem eu querer, porque eu não sou muito chegado nesse negócio de notoriedade e tal, não é muito, porque eu digo: “Olha, o radialista, ele é escada. Você trabalha para divulgar o artista” e eu gosto disso, me sinto bem. Você projeta o artista, você fica aqui. Com a minha outra função, é o produtor de disco, é a mesma coisa, você se reúne com o compositor, eles cantam, cantam, você seleciona, vai para estúdio com maestro, coro, arranjador, músico e produz o disco para projetar o artista, você produtor, está aqui. E eu acho que nasci para isso, pelas coisas que deram certo, a carreira da Clara, a carreira do João Nogueira, Dona Ivone, esse grupo Tincoãs, vários deles. O trabalho de radialista, que graças a Deus deu certo. E me sinto muito bem fazendo isso. E, aí, o problema é que para eu produzia um disco aqui, tinha um selo, de um grupo que fazia o programa de samba com a gente na Rádio MEC.
P/1 – Como é que chamava o selo?
R – Hum?
P/1 – O selo tinha um nome?
R – Selo Rádio MEC, que agora está aqui na tevê, porque a Rádio MEC era lá na Praça da República. Aí, fizemos o disco, a Petrobrás patrocinou cinco discos, o meu era do pessoal do morro, Os Outros... Aí, quando saíram os discos, eles escreveram os Outros no Prêmio Tim, Prêmio Esso, prêmio aquilo e o nosso, como sempre as editaras tem o narizinho um pouco em pé, largou no canto. Mas aí o Ministro Franklin Martins, o Ministro da Cultura do Lula, ele veio aqui na tevê fazer uma palestra, tinha um papo aí que ia ter demissões e ele veio dizer que não, que o pessoal ficasse tranquilo e tal. E a direção do selo abordou ele, falou: “Ministro, o senhor recebeu os discos que a gente mandou para o senhor?”, ele falou: “Recebi e gostei muito do disco de samba”, pô, eles levaram um susto. E começou a falar sobre o disco com eles. Uns 15 dias depois ele foi lá na rádio, eu nunca tinha visto ele, um cara altão, ele é da turma que sequestrou aquele embaixador americano, lembra, foi exilado político e tal. Aí, ele foi lá na rádio, aí me ligaram do gabinete do diretor, “Adelzon, o Ministro está aqui, quer falar contigo”, eu: “Não, eu já subo. eu estava acabando de gravar esse programa aqui”. Antes de eu acabar, ele desceu e tu já viu, Ministro quando vai nesses lugares, aquele monte de gente em volta e tal. E ele com o disco na mão e começou a conversar comigo sobre o disco, começou a elogiar o disco, “Pois é, porque, pararã”. E, aí, no final disse assim: “Pois é, eu fui no Palácio do Planalto dar uma satisfação para o Presidente Lula das coisas que a gente está fazendo, ele me viu com esse disco na mão, o meu e me tomou dizendo que tinha ouvido falar que esse disco estava bom, que ele queria ouvir em casa”. Que o Lula é o amigo do Noca, da Portela, ele gosta de samba, o Lula. E o meu ficou com ele, esse que eu estou aqui agora, me deram agora aqui no gabinete. Aí, eu aproveitei e dei uma cantada nele, falei: “Ministro, o seguinte, quando o disco ficou pronto, a direção do selo deu uma bancada, porque samba, ele vem da poeira para cima, a elite não apoia samba de cima para baixo, ela espera o povo. Porque a elite sabe que ela não sabe identificar muito bem aquilo, então, pode apoiar uma coisa que não é verdadeira, espero o povo consagrar, quando o povo consagra, a elite não é burra, ela pode ser meio, ter uns preconceitos, mas burra não é. E o selo entregou a distribuição para uma distribuidora de elite, só tem disco nos shoppings de Zona Sul. Tem lugar que ele custa 60 reais, mas não tem a Madureira que é área de samba, não tem na Baixada Fluminense. Então, o grupo queria fazer um trabalho de levar para ele vir de baixo para cima”. Ele falou: “Faz o que vocês estão pensando e contem comigo”. Aí, levou mais um papo, elogiou mais um pouco o disco, os caras ficaram tudo meio assustado, assim, ele elogiando o disco. Aí, o grupo se reuniu, descobriu que precisava ter um Instituto para levantar alguma verba, que é o trabalho que o Eric está fazendo, para você levar o grupo. Se você vai em comunidade pobre, que não tem dinheiro para ver um show, não tem dinheiro. Para que você chegar com um grupo já pago, com cachêzinho já bancado, você faz um trabalho social, de levar um lazer para uma comunidade pobre e divulga um trabalho do próprio meio, de gente do próprio meio que tem potencial de se consagrar artisticamente.
P/1 – Senão o morro cada vez que solta uma pérola, vai para elite, fica cara e o povo mesmo não consegue consumir.
R – É, acontece isso. Aí, então, criaram o Instituto sem eu saber e botaram o meu nome sem eu saber, quando eu fui saber, já estava criado. E, aí, eu reagi um pouco, mas, aí, a direção, “Não, você tem prestígio aí como produtor e tal, isso vai ajudar o grupo”. Aí, não vou ficar brigando também com os diretores, são meus chefes e tal. Eu resisti até uma altura, depois. Então, aí, criaram esse Instituto que a finalidade é essa.
P/1 – Você preside o Instituto?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Quem vai dirigir o Instituto é o Eric e minha filha. O grupo é de samba, a mãe da minha filha, ela já foi divulgadora, é divulgadora de escola de samba e ela foi criada no meio de samba, então, ela conhece o meio mais do que o próprio grupo. Então, ela começou a fazer conexões e tal, de levar, já levamos em alguns lugares o grupo. Agora no último ano passado, a família da Clara me ligou: “Adelzon, vai ser os 70 anos da Clara. Será que você não podia fazer uma coisa diferente?” e o grupo eram 15 pessoas, morreram quatro. Um teve um câncer na garganta, saiu, teve que sair, um outro filho do Padeirinho, esse grande compositor da Mangueira, tinha ocupações para lá. O grupo ficou sete mulheres e um homem. Aí, como eu dirigia a Clara, conheço tudo da carreira dela, montei um show, montado, a pedido da família lá. E o prefeito adorou, a família adorou, aí, o grupo está levando esse show, ele tem uma variação e tal. O Instituto foi feito para isso.
P/1 – O Instituto é ligado ao Ministério da Cultura?
R – Hum?
P/1 – O Instituto é ligado ao Ministério da Cultura?
R – Não, ele é ligado aqui à rádio.
P/1 – A rádio?
R – A Rádio Nacional, pela rádio. Porque tem uma parte que é meio burocrática que eu não entendo bem, quem entende é o Eric e a minha filha e tal.
P/1 – Para fechar com uma questão ligada aos Correios, não fechar exatamente a entrevista, mas esse tema, o senhor saiu de Cornélio, foi para Curitiba e de Curitiba veio para o Rio de Janeiro. Sua família permaneceu em Cornélio, o senhor tinha contato por cartas com eles?
R – Ah, tinha. Ia lá sempre, de vez em quando ia lá. Depois eu trouxe meus pais para cá. Depois quando a situação ficou um pouquinho mais tranquila, eu trouxe o pessoal para cá.
P/1 – Mas o senhor usava correio para se comunicar ou já era telefone naquela época?
R – Não, usava correio, mandava carta, recebia carta deles e de amigos também lá. Porque correios você sempre tem alguma ligação, direta ou indiretamente.
P/1 – Na área do samba, tinha alguma troca de correspondência? Uma troca de carta?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Recebo muita correspondência do Relações Públicas das escolas. Recebo muito divulgação de uma feijoada, de uma festa, de um evento, de um show, aí, dou no ar.
P/1 – Mas os sambistas mesmo não se comunicam por carta?
R – Não, quem faz isso são os Relações Públicas das escolas. O sambista falava diretamente comigo, sabia que eu chegava e entrava no ar. E o sambista quer mostrar o samba dele e eu botava eles no ar ao vivo também.
P/1 – Além desse caso que o senhor contou da esportista que conseguiu a chave da quadra.
R – Tia Alice da Mangueira.
P/1 – A Tia Alice da Mangueira. O senhor tem algum outro causo, deve ter muitos, mas que o senhor lembra especialmente que tenha acontecido no ar, ao vivo no seu programa? Que marcou, assim?
R – Ah, tem uma coisa que marcou muito, que aí até não é da área de samba, do Patativa do Assaré, que eu te falei, que eu tinha uma ligação. Teve um ano, quando o iêiêiê, explodiu, Roberto Carlos, o Luiz Gonzaga e o Jackson do Pandeiro, a carreira foi ficando difícil e eu levei eles comigo, eles ficaram 14 anos comigo na madrugada e reacendeu novamente a música nordestina e tal. Aí, um dia eu fiquei sabendo que o Patativa do Assaré estava no Rio, o Fagner tinha trazido ele. O Fagner, se não tivesse feito nada na vida, só por isso ele merecia estar na história, conseguir gravar o Patativa, que é um lavrador, lavrador de mão calosa mesmo, você pegava na mão dele, dura, rosto queimado de sol, vincado. Aí, eu soube que o Patativa estava no Rio, aí, sai atrás, encontrei ele em um hotelzinho em Copacabana, falei com ele, eu até nem prestei muita atenção nele, ele falou: “Não, meu filho, eu te ouço muito lá”. Eu até nem acreditei muito, eu pensei que fosse mais questão de educação dele, “Mas não, eu queria que você fosse lá na madrugada, que o Jackson faz lá comigo e tal”, “Não, eu vou”. Esse dia não era o dia do Jackson.
P/1 – Que Jackson?
R – Jackson do Pandeiro.
P/1 – Ele mesmo?
R – Aí, ele chegou. Aí, quando ele chegou, falei para a operadora: “descarrega a publicidade para eu dar o maior espaço de tempo para ele”. Aí, quando ele entrou, que fui prestar atenção nele, rapaz, ele tinha perna dura, andava assim, puxando a perna, era cego de um olho, tinha um óculos escuro de um lado, aquele chapéu de lavrador, rosto queimado de sol, quando peguei na mão dele, rapaz, a mão, ele capinava, ele morreu capinando roça. Botei ele no ar, meu camarada. Madrugada, começou parar caminhões da Dutra, quando terminou o programa, tinha mais de umas mil pessoas de madrugada em táxi, carro particular, foi chegando na rádio, gente que ouvia não sabia nem de onde. Tinha uns 20 caminhões de caminhoneiro da Dutra parado na Glória aqui, que é um lugar centro, ao lado do Hotel Glória. Falei: “Pô, que coisa, né, bicho”.
P/1 – Vieram para vê-lo?
R – Fico emocionado. Ouvir ele, ele falando os poemas dele. Estou emocionado hoje em te dizer isso. Você ver aquele homem rústico, rude, aqueles versos e tudo de grande conteúdo cultural, não tinha uma abobrinha.
P/1 – Ele falava de memória?
R – E ele era socialista, naturalmente. Mas tudo de contestação, político, cultural.
P/1 – Mas ele lia na rádio?
R – Não, fala de memória.
P/1 – De memória.
R – Falou quatro horas, bicho. Quatro horas. E que negócio, saiu carregado pelo povo. Aí, eu não sei se o Fagner soube, foi apanhar ele de carro, velhinho já, já tinha idade. Madrugada na rádio, eu mesmo levaria ele para o hotel, mas o Fagner acho que chegou. Mas teve que teve que dar atenção, que gente segurou ele lá, até cinco manhã todo mundo queria falar com ele. No Rio Grande do Sul tem um também assim, hoje é falecido também, que é o Jayme Caetano Brown, os poemas gaúchos de contestação, de análise.
P/1 – Ele veio no seu programa ou não?
R – Não, esse nunca veio. Eu é que sempre toquei ele muito aqui, ele é conhecido no Rio por causa do meu trabalho. Hoje também o Geraldo, que faz na Rádio Nacional também, mas o Jayme, tem cada poema, que negócio assim. Os dois, né, aí nunca ninguém teve a ideia de fazer um encontro, porque o encontro dos dois era para ser num anfiteatro de uma universidade para estar em volta catedráticos de literatura, para analisar aquilo tudo, estudar aquilo tudo, porque daria cursos. Porque você caras que, o Jayme era de Boçoroca, o lugarejo lá da região das missões do Rio Grande do Sul e o Patativa Assaré, lavrador. Um caso parecido é o da Cora Coralina também, que era uma mulher simples lá de Goiás. E, aí, tem um outro lance também, que o Luiz Gonzaga, as duas grandes estrelas da música nordestina eram o Jackson e o Luiz Gonzaga, mas eles eram meio estremecidos um com o outro, eu não sabia. Todo o universo artístico do Rio de Janeiro que girava em torno dos dois e eles cuidavam das carreiras do pessoal menor, não cuidavam só... Eles eram cuidadosos com os artistas e procurava dar espaço para gravação. E eles sabiam que eles eram estremecidos, eu não sabia e o Jackson comigo já, programa explodindo no ar, mas eu também não tinha muita noção assim a nível...
P/1 – O Jackson vinha sempre ao seu programa?
R – O programa era com ele, eu trouxe ele para fazer comigo.
P/1 – Ah, era com ele?
R – É.
P/1 – Desde o começo?
R – Não, quando a música nordestina caiu, eles ficaram em situação difícil, ele me procurou, eu abri o espaço para ele. E o Jackson era um gênio, o Jackson tocando um pandeiro, ninguém até hoje tocou a metade de pandeiro que o Jackson tocava. Teve uma época, que é lugar de pandeiro, escola de samba, fizeram um concurso de pandeirista aí, resolveram botar o Jackson. O melhor dos melhores não chegou nem na metade. Só que cantava também no mesmo nível.
P/1 – Mas, aí, é o com o Luiz Gonzaga?
R – Aí, eu não estou sabendo de nada e era um estúdio meio pequeno, era o corredor da entrada da rádio, tinha uma porta, uma mesa assim como essa, um espaço não muito maior do que esse e, aqui é a porta que vinha da entrada e a gente ficava praticamente encostado ali até. Aí, alguém abria a porta e falou no meu ouvido: “O Luiz Gonzaga está aí”, eu, mas para mim aquilo era normal o Luiz Gonzaga estar ali. Aí, chamei o Jackson, falei: “Jackson, o Luiz Gonzaga está aí”, aí ele: “O Luiz Gonzaga está aí”. Aí, que eu percebi que tinha alguma coisa. Aí, falei: “Bom, coisa ruim não vai sair”, aí, chamei o operador: “Descarrega” igual quando falei o caso do Patativa, “Descarrega a publicidade para os dois terem o maior espaço”. E, aí, quando o operador me deu o sinal, que estava tudo certo e, aí, o Jackson, “Adelzon, quem é que vai fazer? Quem é que vai chamar o Luiz Gonzaga?”, falei: “Você. Já não te falei que o radialista é escada, a estrela do programa é você”. O Jackson era um cara alegre, ele não tinha gestos lentos, ele era, aquele ritmo que ele tinha de rojão, o ritmo mais rápido do Nordeste, ele era especialista em rojão, tac, ticu, ticuru. Pô, um negócio. Aí, ele chamou o Gonzaga, aí, eu abri a porta, olhei o Gonzaga, o Gonzaga, ele tinha um carisma, você chegava perto dele dava impressão que ele tinha dois metros, cara, com o acordeom no peito, falei: “Oh, Gonzaga, tudo bem?”, “Não, tudo bom meu filho. Tudo bom. Estou aí”. Bom, quando chamou ele, e ele tinha uma voz meia majestática disse assim: “Jackson”. Aí, eu já estava desconfiado, eu falei: “Esse povo”, a preocupação de sair, desculpa, uma merda. E o Jackson: “E aí Gonzaga, tal”, ele era todo alegre, ele era uma figura. “O seguinte”, que o Gonzaga era mais sério, cantava Asa Branca, só músicas sérias de peso, falando do Nordeste, os dramas do Nordeste e tal. Que agora a gente está vendo com essa seca, que a gente está vendo a televisão mostrando, lá na própria região dele, gado morrendo assim de dar pena. Ele já conheciam aquilo ali. “Jackson, seguinte, fui fazer um show aí no interior da Bahia, estava viajando pela Rio-Bahia e na área de Governador Valadares, mas na parte rural, houve um acidente que fechou a estrada nos dois sentidos, aí deu vontade de ir no banheiro, comer um negócio, beber um negócio, sair com a minha equipe. A gente andou para trás e o trânsito foi acumulando, acumulando, parecia um trem noturno, a gente só vê aqueles faróis traseiros vermelhos. E o que a gente andou para frente e para trás, mais de um quilômetro para frente, um quilômetro para trás, todos os rádios de caminhão, ônibus, carro, estavam tudo ligado aqui contigo. Aí, eu entendi que eu tinha que estar aqui. E tem mais uma”, aí começaram: “Tem mais uma, eu fui fazer um show em Garanhões”, não sei se ele falou Garanhões ou Caruaru, “E um amigo, amigo de consideração me convidou para fazer um lanche na casa dele depois do show e era um conjunto habitacional, casas iguais e a casa do meu amigo era no fundo do conjunto. Os alpendres todos na mesma posição das casas. E, tipo, duas e meia da manhã e tal, e a gente foi entrando, cada casa daquela, a família estava no alpendre com lanche e um rádio ouvindo vocês aqui. Mais uma vez eu conclui que eu não podia deixar de estar aqui”. Aí, ele abriu, “Aí boiadeiro que a noite”, ah, fico emocionado até hoje. Aí, eles reataram a amizade ali, aí, depois que eu fui descobrir o que é que era. Que a carreira do Luiz Gonzaga começa no Rio, no começo no Nordeste. Que o Gonzaga tinha 16 anos namorava uma menina, porque o velho Januário, o pai do Gonzaga era um tipo, que tem um nordestino que é claro, de olhos claros, cabelo até loiro. E a mãe, a Dona Santana era mulata e o Gonzaga saiu mulato. O Zé Gonzaga, irmão, saiu igual o pai, era loiro, alto. E ele era mulato e lá tem o preconceitozinho, a família da moça deu a entender que não estava gostando da ideia, porque ele era mulato e ele quis pegar a mulher da moça. A aquela família nordestina, rígida, de moral, bons princípios, a Dona Santana pegou ele em uma surra de vara de marmelo, ainda tinha 15 para 16 anos e disse que o velho Januário estava do lado, ele estava crente que o velho Januário ia entrar do lado. Quando a velha cansou, o velho pegou, “Seu moleque, esse negócio de querer matar os outros”. E eles viviam em uma fazenda no interior, no pé da Serra do Araripe. A ideia pé de serra, esse negócio, forró de pé de serra, não é por causa do Luiz Gonzaga, é por causa do pai, é que fazia os forrós, o velho tocava oito baixos no pé da Serra do Araripe, que do outro já é o Juazeiro do padre Cícero, Crato, Aurora, Barbalha, Missionária, a cidade já é o Ceará.
P/1 – Por conta disso ele veio para o Rio?
R – Não, ele vai para o Ceará. E estava passando fome na rua, estava na idade de entrar no Exército, entrou no Exército para não ficar com fome na rua. Naquele tempo Exército eram dois anos, foi transferido para Juiz de Fora, esteve em Juiz de Fora e em Ouro Preto, uma ou duas vezes, alternando ali. Quando terminou o serviço é que ele veio para cá e tocava no Mangue. No mangue, aí, até tem a história dele com o Gonzaguinha, que muita gente não sabe a história, só a gente. Ele tocava no Mangue e ele tocava bem, que o Gonzaga era muito bom músico e já compunha, mas tocava na Zona, como qualquer lugar de interior, o único trabalho de músico na noite é na Zona. Cidade grande é que tem boate, mas cidade e naquela época, essa área aqui tinha a boate Bacana de Zona Sul, mas aqui, a área aqui era lugar de barzinho, de botequim, de cachaceiro, então, era Mangue. Então, ele começou a ganhar um dinheirinho, o pessoal de rádio descobriu ele, começou a levar ele para o rádio, ele alugou uma casazinha aqui onde é a Apoteose, da Marquês de Sapucaí. Mas ele trabalhava no Mangue até fechar, mal dormia, já era programa de rádio, então, não tinha tempo de cuidar da casa, da roupa, da comida. E o músico dele, um casal muito bem constituído falou: “Gonzaga, você podia resolver dois problemas. Você está com esse problema de não ter tempo de arrumar a tua casa, tua comida, tua roupa. Tem uma moça no morro que é escrava de três irmãos vagabundos, pilantras, batem nela, ela tem que trabalhar na noite, se prostituir às vezes para levar dinheiro para eles tomar cachaça. Você podia trazer ela, resolvia o teu problema e você tirava ela dela escravidão”. Era a mãe do Gonzaguinha e já estava grávida do Gonzaguinha e ele trouxe ela. Os irmãos dela pegaram o Gonzaga, deram uma surra nele, quase mataram. Ele tinha uns sinais, assim, você foto dele, era isso. Aí, o Zé Gonzaga, que saiu parecido com o Januário e que ninguém imaginava que era irmão do Gonzaga e fortão, subiu lá no morro, armou um ardil, pegou os três, deu um pau nos caras, largados semimortos no chão.
P/1 – E agora fiquei curioso que o Jack do Pandeiro entra nisso.
R – Isso, calma aí. Então, o Gonzaga começa a carreira dele no Rio. Foi daqui que ele começou, que ele mal saiu do Exército. Aí, começou a gravar, se une a Humberto Teixeira quando faz Asa Branca, aqueles grandes clássicos. Humberto Teixeira, Zé Dantas, “Tu que andas pelo mundo sabiá”, aqueles clássicos do Nordeste, o Zé Marculino, que é um grande poeta rústico lá do Nordeste. Então, ele vai a Pernambuco pela primeira vez, já era sucesso nacional e ele pernambucano, ele me contou isso. Então, ele está em um hotel, esperando a hora de ir para o auditório da Rádio Jornal do Comércio, o contrato era fazer uma apresentação na Rádio Jornal do Comércio e com rádio na cabeceira do quarto do hotel ligado na Rádio Jornal do Comércio e o auditório bombando, a todo vapor. Aí, chegou na hora de ir para a rádio, ele se arrumou, foi para a rádio, no camarim ele estava com o radinho também, ouvindo o auditório, o auditório bombando, pegando fogo. Quando anunciaram ele, o auditório murchou, era o Jackson que estava no auditório, a grande estrela da Rádio Jornal do Comércio era o Jackson. O Jackson é o único artista que estoura fora do eixo Rio-São Paulo, estoura como programa de rádio, estoura no disco. Que todos os artistas que gravavam no Rio e São Paulo, as duplas sertanejas gravavam em São Paulo, pessoa de samba, no tempo de Francisco Alves gravava no Rio. Ele grava lá no mocambo, estoura lá, é um clássico, “Eu fui para Limoeiro e gostei do forró de lá” e era a grande estrela. Então, quando o Gonzaga e ainda meio jovenzão, meio um pouco de ciumada, depois ele falou: “Não, Adelzon, a gente fica mais velho, a gente entende. No começo você”. Aí, quando chegou aqui, meio bravo, alguém, “O que é que houve lá Gonzaga?”, “Ah, quando me anunciaram tinha um neguinho serelepe lá no palco”, era o Jackson, o Jackson era todo alegre, todo, ele ficou bravo. Eles refizeram a amizade nesse programa nosso, quando ele chegou, quando ele falou assim: “Jackson”, falei: “Ô, meu Deus”.
P/1 – Durou anos então, hein?
R – E, aí, cantaram juntos, bateram papo, foi uma noite. E aquele grupo que, Abdias, Maria Inês que era grande cantora nordestina, muitos compositores, que você não sabe o nome, mas foram grandes compositores, que no fundo eles torciam para eles se entenderem. Mas devido o mito que eram ninguém se ousava a propor isso, mas todo mundo ficava torcendo. E aconteceu lá, quando aconteceu, virou uma festa do auditório, o programa explodiu. Foi um dos grandes momentos do programa.
P/1 – Para a gente encerrar a entrevista, o senhor falou de uma carreira imensa, tenho certeza que a gente tratou aí de 1% das realizações ou nem isso. Olhando para o futuro, quais são os seus planos, seus sonhos?
R – Bom, eu estou velho, com 73 anos, mas não perco e eu sou idealista. Pessoa que é idealista, você quer sempre, pensando em fazer alguma coisa. Então, a gente tem esse plano de lançar esse trabalho dos Tincoãs, tentar falar com o pessoal dos Correios. Esse grupo formado em função daquele disco, foi fazer o show na cidade da Clara, em homenagem a ela. Eu tenho um projeto também devido o programa Fole e Viola, um dos maiores poetas da natureza brasileira, não é o Tom Jobim, o Tom Jobim gostava de natureza, fez “Chovendo a Roseira”, fez muita coisa boa. Não, é um poeta de São Paulo, chama-se Zé Fortuna, o Zé Fortuna é o autor da versão da música “Índia”, “Índia teus cabelos nos ombros caídos, negros como a noite”, que é uma música paraguaia e que ele fez a versão, estourou comercialmente e “Meu Primeiro Amor”, estourou em São Paulo. Mas ele era da área sertaneja, tinha uma dupla, Zé Fortuna e Pitangueira.
Eu comecei aqui, eu botei no ar, comecei a ouvir a letra, uma música chamada “Chuva na Serra”, dizia assim: “Chuva na serra, qual cortinas caindo, tal véu do chão vestindo, o chão de rara beleza, chão que parece uma noiva de verdade, casando com o sol da tarde no altar da natureza, a enxurrada correndo pelos caminhos, a orquestra de passarinhos é a fé”, ele descreve um casamento do homem e da mulher na natureza. E, aí, descubro uma segunda música “Terra Tombada”, dizia assim: “Terra tombada é o futuro que se esteia no quarto verde dos campos, a grande cama vermelha, onde o parto das sementes faz nascer de suas covas o fruto da natureza, cheirando”, é uma música sequencia da outra. Aí, eu comecei a prestar atenção nele, rapaz, ele tem uma obra, que não é esse sertanejo meio comum não, é uma obra de poeta mesmo. Então, o seguinte, o cara que mais escreveu sobre tropas e tropeiros, boiadas, boiadeiros, é obra dele. E sobre a natureza ele escreveu. Aí, eu falei: “Poxa, esse cara” e depois fui ver, não conhecia a história dele. Depois fiquei conhecendo a filha dele, tem uma filha que tem uma editora, porque ele era muito bom autor e muita gente gravou ele. A dupla que ele tinha com o irmão, ele já é falecido, mas o irmão ainda é vivo, está com 80 e tal anos. Aquele negócio de dupla sertaneja mesmo, cantar em cirquinho, mas ele tinha um lado de poeta da natureza.
P/1 – E os seus planos para ele?
R – É, então, a ideia era fazer um vídeo com um câmera que tivesse tanto talento de imagem para botar em imagem o que ele descreve na poesia. A ideia era fazer um vídeo para a Petrobrás, tem um seminário sobre Meio Ambiente, a Petrobrás tem contencioso, derrama olho no mar, de vez em quando ela tem que dar satisfação à opinião pública. Mas fazer um seminário, aí, lá no meio diz: “Olha, vamos ouvir para dar uma descansada na mente do pessoal depois do debate, vamos ouvir um poeta que escreveu sobre a natureza” e bota o vídeo.
P/1 – Com a música dele de fundo e passando?
R – Isso. É. E a música dele foi gravada por Chitãozinho e Xororó, Sérgio Reis gravou, Sérgio Reis gravou “Geração de Boiadeiros” que é uma obra prima. Tem cada verso, morreu um grande compositor, o Goiá, o Goiá foi aquele que fez, “Que saudade imensa que sinto do nada”, que é um clássico. Quando o Goiá morreu, ele faz um verso em homenagem ao Goiá, diz assim: “No livro aberto, azulado do infinito, seus versos estão escritos pelos raios do luar. Você poeta, que cantou para os pirilampos, conversou com a flor do campo e entendeu o sabiá”. E tem esse tipo de coisa, falei: “Pô, essa obra desse cara não pode ficar”, porque eles só exploraram o lado sertanejo comercial e esse lado é o lado, você vê o Brasil, você começa a ouvir, impressionante. Tem uma música chamada Cama Verde: “Cama verde é meu sertão, o sertão que cheira cheiro de chão” e descreve coisas lindas. E a gente queria realizar esse clipe. É um projeto, né. Até a filha dele, a família sabe que a gente tem, ela até falou: “Pô, você é um cara do Rio, do rádio do Rio, foi ser ligado com meu pai, que é um cara daqui”. Eu falei: “Não, é que eu faço um programa no rádio e descobri que o teu pai tem esse lado que muita gente não saca, não sabe. E isso é uma preciosidade cultural, além de ser, pela origem dele, porque ele é aqueles tipos de cara que nasceu lá no interior de São Paulo, Pratápolis”.
P/1 – Quer dizer, na verdade o que a gente pode perceber ao longo da trajetória, é o tempo inteiro revelando para esse Brasil que não se conhece as pérolas e as maravilhas que estão por aí?
R – Hoje o Geraldo faz isso também no programa dele, o que eu falei para vocês, o Geraldo faz o programa em três rádios. E hoje ele é quem mais divulga, na minha opinião, a música regional brasileira, que ele faz pela Rádio Nacional do Rio, Nacional de Brasília e a Solimões. Ele também, ele se dedica a pegar aquele pessoal autêntico da música sertaneja, da música gaúcha e ele é nordestino e é poeta. Esse é um peão de obra que é poeta, se tu ver ele falar os poemas tu cai duro para trás.
P/1 – Senhor Adelzon, infelizmente a gente precisa encerrar a nossa entrevista. O senhor teria matéria para a gente fazer aqui quatro dias e ainda ia sobrar coisa.
R – Ah, mais ou menos.
P/1 – Mas, não somos ainda o tempo da televisão, que senão a gente já teria terminado há muito tempo.
R – Ah, já.
P/1 – Mas a gente tenta. Então, eu gostaria que o senhor desse uma palavra final, que o senhor gostaria para esse projeto dos Correios, para a questão da memória brasileira, enfim, não necessariamente ligada aos Correios, uma mensagem final.
R – Não, queria primeiro parabenizar o pessoal, dentro dessas grandes empresas, tem aqueles executivos frios, que só pensam no capital da empresa, no dinheiro, na lucratividade, mas tem aqueles que têm sensibilidade artística, que eu acho que é neles que batem esses projetos. Então, como eu consegui o Coral do Correios para gravar os Tincoãs. Então, parabenizar esse grupo lá dentro da empresa, que é necessário que tenha, o Brasil precisa de ter grandes programas ecológicos, de defesa da natureza, de Meio Ambiente. Então, primeiro parabenizar por esse apoio, que agora com essa criação da Secretaria de Economia criativa, eles vão poder dar mais apoio a cultura, porque a economia vai provar a importância da arte e da cultura, inclusive na própria economia e consequentemente manter vivos os grandes temas da ciência, da cultura, das artes. Que a arte é uma das maneiras de você fazer cultura e transmitir cultura, quando você pega os talentos, pintores, escultores, cineastas, atores, teatrólogos e compositores, na minha área é de compositores, músicos, cantores e tal. E a minha esperança hoje é que essa Secretaria de Economia Criativa consiga deslanchar, porque tem muita gente boa, muito talento aí, porque aí vai ter verba. O que tem aí de projeto aí precisando de dinheiro, o próprio Ministério da Cultura vai ter, o dinheiro para, por exemplo, tem um cara querendo fazer um bom filme aí, interessante do ponto de vista cultural ou editar um bom livro. E às vezes tinha que correr para empresário e, às vezes bate naquele empresários que, aí, é o lado do empresário, eu mesmo tenho um amigo, hoje dia estava vendo o Carrasco, esse autor de novela, mas ele tinha um projeto, fazer uma peça teatral e tinha uma amiga que era amiga de um empresário e, aí, que levantou, que ia ter uma verba, quando chegou a hora de fazer o cara queria a verba para ele, quer dizer, o cara não tem espírito de mecenas. Então, os empresários que são mecenas, que tem sensibilidade artística. E eu acho que essa Secretaria de Economia Criativa, mais esse tipo de empresário, de executivo, eu acho que vai dar uma nova dinâmica na cultura do país, melhorar o cinema, o teatro, enfim. Um projeto como esse do Zé Fortuna e por aí vai, eu espero que isso seja uma realidade o mais rapidamente possível. Eu não sei se a Marta Suplicy, a Marta tem umas tietagens, mas tem muito gente dentro do próprio partido que acha ela meio amarrada, meio difícil de deslanchar com as coisas e tal. Mas tomara que ela dê carta branca, que já tem essa secretária, eu acho que é Marta Leitão, eu vi ela falando em uma audiência pública do Senado. Então, minha esperança é essa e a gente tem vários projetos para realizar e todos eles sérios, você esse dos Tincoãs, para fazer através de Correios, são cantos de 250 mil anos.
P/1 – A gente precisa encerrar.
R – Ahã.
P/1 – Então, obrigado, foi um prazer essa sua entrevista.
R – Eu também que agradeço, muito obrigado. Desculpa, aí, se a gente estendeu muito essa conversa.
P/1 – Imagina, foi um prazer, queríamos nós estender mais. Obrigado.
R – Está legal, muito obrigado. Disponha.
FINAL DA ENTREVISTARecolher