Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Gonçalo Ferreira da Silva
Entrevistado por Arnaldo Ferreira Marques Junior
Rio de Janeiro, 05 de Junho de 2013
HVC06_Gonçalo Ferreira da Silva
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Iara Gobbo
P/1 – Senhor Gonçalo, boa tarde!
R ...Continuar leitura
Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Gonçalo Ferreira da Silva
Entrevistado por Arnaldo Ferreira Marques Junior
Rio de Janeiro, 05 de Junho de 2013
HVC06_Gonçalo Ferreira da Silva
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Iara Gobbo
P/1 – Senhor Gonçalo, boa tarde!
R – Boa tarde!
P/1 – Eu vou começar, para nós registrarmos, tem o primeiro registro o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Gonçalo Ferreira da Silva, natural da cidade de Ipu, Ceará e os meus documentos aparecem como 12 de dezembro de 1937.
P/1 – E o senhor acha que não foi bem nesse dia? O registro foi depois?
R – Sim, porque houve uma confusão, porque eu nasci no dia 20 de Dezembro de 1937, mas uma pessoa que é, tipo assim, despachante, quando foi tirar minha identidade tirou no dia 12 confundindo, que o mês também é 12, Dezembro, aí, ficou 12 de dezembro. Aí, quando eu fui tirar o passaporte, pela primeira vez aconteceu esse tipo de coisa, quando eu fui tirar o passaporte para ir para os Estados Unidos, o primeiro passaporte que eu tirei e também a primeira grande viagem internacional que eu fiz. Aí, a Polícia Federal disse: “Gonçalo, negro velho, tire um documento que seja um confronte, que confronte um com outro, que esse aqui está um com dia 12 e outro dia 20”. Aí, eu fui obrigado escolher o dia 12, porque já estava na identidade, aí, eu tirei o CPF também no dia 12.
P/1 – Mas o senhor ficou mais velho!
R – É, um pouquinho.
P/1 – O senhor ficou oito dias mais velho. Ah, eu não tirava não, mantinha dia 20, um dia que seja já é muito.
R – É, já muda alguma coisa. Mas enfim...
P/1 – Seu Gonçalo, os seus pais. Como chamavam seu pai e sua mãe?
R – O meu pai era Osório Ferreira da Silva e minha mãe Francisca Gomes da Silva.
P/1 – Eles eram de Ipu também?
R – Eram, todos os dois de Ipu.
P/1 – A sua família é de lá?
R – A minha família é de Ipu.
P/1 – Não migrou de nenhum lugar?
R – Não. A descendência mais distante, os ancestrais mais distantes estes sim, eram de outras regiões do Brasil e numa visão mais abrangente, mais distante, seria a minha mãe de descendência portuguesa e o meu pai tapuio.
P/1 – E qual era a atividade deles lá em Ipu?
R – Agricultura. O meu pai era barbeiro e era o barbeiro de elite, da cidade, era quem fazia a barba, cortava o cabelo das autoridades locais, do padre, do delegado, enfim, do prefeito e na semana era lavrador, trabalhava na roça. E minha mãe era da roça.
P/1 – Vocês moravam na cidade ou no campo?
R – Não, nós morávamos distante sete quilômetros da sede do município.
P/1 – Como foi sua infância?
R – A minha infância foi muito difícil, dificílima, aliás, até porque tive paralisia infantil, poliomielite aos quatro anos. E a minha vida foi, portanto muito difícil mesmo e enfrentando secas do Nordeste, intempéries, todo tipo de adversidades, até chegar a idade adulta. Aliás, eu vim para o Rio antes da idade adulta, mas de qualquer maneira o que eu passei no Nordeste... Inventei de cantar Repente, mas não tinha condições de sobreviver naquela situação instável de um ano chover, o outro ano não chover e tudo o mais. Aí, me aventurei a vir para o Rio de Janeiro ainda menor de idade.
P/1 – O senhor tinha outros irmãos e irmãs?
R – Tinha, tinha outros irmãos e irmãs. Estão todos no Rio, com exceção de uma que morreu.
P/1 – E quais eram os meninos, as meninas, quais eram os nomes deles?
R – O mais velho é Raimundo, o segundo José, o terceiro Expedito, o quarto eu, o mais jovem dos homens e as moças eram Maria, Luzia, Francisca, Maria José, Rosinha e a mais nova que morreu, a Luizinha.
P/1 – O senhor teve a pólio e o senhor não podia caminhar? O senhor tinha que ficar…
R – Era uma dor extrema. Eu me lembro muito bem, que apesar dos quatro anos, eu me lembro que era uma dor inquietante, terrivelmente inquietante, que eu não podia ficar parado e a imobilidade da perna causava cada vez mais mal estar. Era uma situação muito difícil. E minha mãe...
P/1 – Isso durou quanto tempo?
R – Durou quanto tempo? Olha, rapaz, mais ou menos até uns 10 anos.
P/1 – Tudo isso?
R – E a minha mãe se desdobrou. A minha mãe se transformou numa verdadeira heroína, tratando de todo tipo de possibilidade que ela tinha, sebo de carneiro, vegetais da flora medicinal e tudo ela se desdobrou para tentar e tentou e conseguiu. Inclusive eu fiz até um soneto lindo sobre o trabalho que ela teve para me deixar em condições de andar.
P/1 – O senhor quer declamar o soneto, senhor Gonçalo?
R – Olha, eu não sei rapaz, porque eu não sei. Só se eu tivesse aqui o livro, porque eu não tenho certeza se eu sei de cor.
P/1 – Não, fica a vontade.
R – Posso ficar a vontade? Então, na hora da edição, vocês vão fazer os cortes, eu vou tentar declamar. É “Bendita Seja” o nome do soneto. “Num dos quartos da escura camarinha orava minha mãe. Naquele instante somente São Gonçalo de Amarante poderia entender dona mocinha. A reserva de fé que ainda tinha gastou toda em preces suplicantes, enquanto Gonçalo agonizante aguardava uma cura que não vinha. Mas valeu minha mãe, pois seu pedido foi por todos os santos atendido, porque feito numa hora benfazeja. Você iluminou o meu destino e atraiu gênio peregrino que poeta me fez. Bendita seja.”
P/1 – (palmas) Muito bem.
R – Tem mais ou menos 20 anos que eu não tinha declamado esse soneto.
P/1 – O seu nome é por devoção a São Gonçalo de Amarante?
R – Isso! Ela no desespero da dor extrema de mãe, ela chegou perto de São Gonçalo de Amarante e disse: “Negro velho”, esse tratamento é fraterno no Nordeste, viu? Ainda é, mas principalmente era, quando você queria conseguir uma coisa do semelhante, você se dirigia: “Negro Velho, vamos fazer isso?”, e a pessoa cheia de brio, em razão da fraternidade do tratamento, fazia qualquer coisa para lhe atender. E minha mãe chegou perto do santo e disse: “Negro velho, se você fizer com que o meu filho fique pelo menos em condições de andar, eu coloco o nome dele de Gonçalo”, e assim foi.
P/1 – Mas o senhor não chamava Gonçalo antes dos quatro anos?
R – Rapaz, essa coisa eu não sei direito, porque normalmente com quatro anos eu já era para estar batizado, mas ao mesmo tempo o meu nome foi o resultado de uma promessa, que a minha mãe fez com São Gonçalo de Amarante. Então, ficou meio que em dúvida, mas eu acredito sinceramente que tenha sido isso, porque às vezes é muito difícil os pais de família em situação extrema, conseguir batizar os filhos imediatamente, entende? Demorava às vezes tempo mesmo, até oito anos. Eu acho que eu estava enquadrado neste caso, porque o meu nome de Gonçalo, seguramente, foi o resultado de uma promessa que a minha mãe fez com esse santo português.
P/1 – Mas seu Gonçalo, graças à dedicação da sua mãe, à graça de São Gonçalo, aos dez anos o senhor estava curado?
R – Eu estava curado, assim…
P/1 – E, aí, como foi a sua infância?
R – Assim, porque eu fiquei com a perna fina e sem força, como estou até hoje. Se você se visse agora com a minha perna você não saberia sair andando, eu sei sair andando, porque eu tenho muito mais de meio século com ela, me acostumei com todo o manejo. Se eu for subir num ônibus, eu colocar a perna boa na frente, enfim, tudo é mentalizado para o que é ideal nas mais diferentes atividades.
P/1 – E como que foi a sua infância a partir daí? A partir da sua cura?
R – A partir daí rapaz, quando foi com 13 anos para os 14 anos eu vim para o Rio de Janeiro. Eu era franzino, fininho, mas era alto.
P/1 – E por que o senhor veio? O senhor veio com alguém?
R – Não.
P/1 – Veio sozinho?
R – Aí é que está, aí é que está o problema, vim sozinho.
P/1 – Mas com ordem da sua mãe e do seu pai?
R – Eles deixaram, porque a única coisa que podia acontecer pior comigo seria morrer, mas antes mesmo do que morrer, qualquer coisa seria melhor, porque a gente não tinha mesmo como sobreviver. Não tinha como sobreviver.
P/1 – Lá em Ipu era normal as pessoa virem aqui para o Sul?
R – Foi num ano de seca. Aí, rapaz, eu cheguei em Fortaleza e aumentei a idade, inteligentemente, mecanicamente eu calculei para mentir a idade de tal maneira que não houvesse qualquer tipo de dúvida. Eu assomei a cabeça – é que você não tinha nascido, é claro que não está entendendo a minha linguagem, mas tinha um buraquinho assim para pessoa atender a gente - aí, quando eu assomei a cabeça naquele buraquinho, denunciando a minha altura, eu era franzininho, mas era alto, quem disse que não tinha 18 anos. Dei a data de nascimento rapidamente e, aí, a mocinha não fez questão de saber, Araponga Número 1 era o pau de arara. Aí, eu subi no pau de arara, que era um tipo de veículo que anunciava um ônibus no futuro, que tinha a estrutura de uma van de hoje em dia, guardadas as proporções do avanço da indústria e cheio de bancos de madeira, chamado de pau de arara. Mas eles lá chamavam como hoje você pode chamar o nome das empresas de ônibus, empresa tal e tal, eles chamavam Araponga Número 1.
P/1 – E algum irmão seu já tinha vindo?
R – Já tinha vindo o mais velho. Já tinham vindo todos os três mais velhos.
P/1 – E eles se correspondiam por carta?
R – Se correspondiam com muita dificuldade, mas se correspondiam, porque as cartas demoravam normalmente um mês para chegar lá e ainda iam aos cuidados de fulano de tal. No caso, aos cuidados de Joaquim Soares, que era o patrão do meu pai, o meu pai trabalha nas terras dele, na cidade. Aí, ele já recebia a carta e somente quando, no fim da semana, quando o meu pai ia à feira, é que sabia da chegada da carta.
P/1 – Seu pai era alfabetizado? Ele sabia ler e escrever?
R – Era alfabetizado.
P/1 – Vocês todos foram alfabetizados? Todos os irmãos?
R – Fomos alfabetizados. Eu cheguei no Rio de Janeiro sabendo ler.
P/1 – E foi em escola ou foi a sua mãe?
R – Sim, em escola que eles chamavam de mestre escola, deste que ensina você a aprender a ler. E eu também aprendi muito a ler no próprio cordel, que foi um excelente canalizador do conhecimento, foi o cordel, milhares de pessoas no Nordeste tiverem o cordel como mestre, aprenderam com o cordel.
P/1 – E o senhor frequentou a escola? A escola era na cidade ou era perto das fazendas?
R – Não. As escolas eram mesmo distante da sede do município.
P/1 – Era uma escola rural.
R – O lugar chamava-se Barrinha, a Barrinha de Baixo e a Barrinha de Cima e tal. E a minha Barrinha era a de baixo e lá tinha as escolas periódicas, porque também o mestre escola não ia dar aula no tempo que não tivesse condição de ganhar alguma coisa dos pais dos alunos.
P/1 – Ah, era pago?
R – Pago, era.
P/1 – Não era do governo?
R – É não. Não era do governo não. Aquilo ali, hoje em dia, se descobrisse o valor daqueles mestres escola daquela época, eles ganhariam medalha de ouro, comendas pela importância deles, porque eles foram desbravadores, ensinaram as pessoas a ler. E o cordel foi um excelente agente, porque como a gente gostava muito do cordel acabava aprendendo a ler, realmente, com o cordel.
P/1 – A gente vai falar muito de cordel, não se preocupe, muito mesmo.
R – Está certo.
P/1 – Mas agora eu estou pensando nessa escola paga, tanto seus irmãos quanto as suas irmãs frequentaram essa escola?
R – Frequentaram essas escolas.
P/1 – Essas escolas.
R – Porque são em momentos diferentes, porque conforme eu já lhe disse, essas escolas eram no período da safra. Se o ano seguinte fosse seco não teria aula, não teria escola, porque não teria como sobreviver, não teria frequência.
P/1 – Mas já era suficiente para aprender a ler, a escrever, as quatro operações?
R – A gente aprendia muito rapidamente as quatro operações, os mestres não sabiam ensinar mais do que isso, você aprendia as quatro operações e era o suficiente. O mestre chegava perto do pai do garoto e dizia: “Não tenho mais o que ensinar ao seu filho. Tudo o que eu tinha para ensinar, eu já ensinei” Primeiramente era desasnar como chamam lá, naturalmente se você pegar um dicionário e você procurar desasnar o dicionário vai dizer: “Sair da condição de asno”. Mas lá chamavam desasnar você conhecer, somar as sílabas e transformar em palavras e finalmente ler, chamava de desasnar.
P/1 – E o senhor teve contato com o cordel como?
R – Lá mesmo.
P/1 – Lá o quê? Na escola?
R – Lá no Ceará, de um modo geral, mais na cidade.
P/1 – Mas como é que era? Alguém vendia? Tinha nas feiras?
R – Vendia, vendia cantando, normalmente cantando, atraia as pessoas à volta da banca, os cordéis eram colocados sistematicamente nos barbantes. Daí, porque chama-se cordel e os folhetos mais significativos da época, o meu pai comprava como O Pavão Misterioso, João Grilo, Cego Aderaldo e Zé Pretinho e outros clássicos, que se tornaram clássicos da literatura de cordel. E a gente acabava, como já lhe disse, melhorando a leitura com o exercício agradável do cordel.
P/1 – Quem comprava era o seu pai?
R – Era, o meu pai comprava.
P/1 – Ele tinha costume de cantar o cordel? De falar o cordel?
R – Não, meu pai não. Ele dizia estrofes, possivelmente, transmitidas da oralidade de seus ancestrais. Dava impressão que ele improvisava, mas não improvisava não.
P/1 – Como um ensaio?
R – Como os ceguinhos quando cantam no pé dos vegetais, solicitando a caridade pública com a mão estirada, aquelas estrofes eles não fazem elas, eles decoram de outros.
P/1 – Eles não são repentistas.
R – Não são repentistas.
P/1 – Não fazem de repente.
R – Eles aprenderam a fazer o baiãozinho de viola com o que possa fazer o apelo público da esmola.
P/1 – E o senhor foi para escola só depois de curado ou o senhor já tinha ido antes?
R – Não, só depois de curado.
P/1 – Só depois dos 10 anos.
R – Só depois de curado dentro das limitações do que se diz curado, em condições de andar e tudo o mais. Até joguei futebol lá, pelada e tudo, a partir dos 10 anos.
P/1 – Eram os sitiantes dali, os sertanejos dali da região que faziam times? Tinha campinho de futebol?
R – Tinha campinho de futebol e a gente já ouvia falar em grandes nomes do futebol brasileiro, como por exemplo, o Guarani, Vasco, Flamengo e tudo o mais. A gente criava outros nomes que não fossem esses, porque nós nunca gostamos de imitar, nós sempre criamos, baseados nas coisas locais, nas coisas da natureza: Piau, Chá Preto, os nomes os clubes que significavam os nomes arrancados do meio ambiente, dos vegetais, das coisas.
P/1 – E dessa alfabetização o senhor já começou a escrever alguma coisa? Os sonetos e tal?
R – Não, soneto não. É uma forma difícil e muito exigente, tem que ser um trabalho polido, igual você viu eu declamar esse que tem que enquadrar um pensamento em catorze versos com o máximo de beleza possível. A gente com aquela idade não tem condições para isso não.
P/1 – O senhor escreveu o quê?
R – Eu escrevi estrofes, sextilhas, que a gente já começou treinar com sextilhas. Sextilhas foi a evolução das estrofes de quatro versos de sete sílabas e redondilhas, a sextilha foi a evolução dessa forma.
P/1 – E isso era comum essa aproximação das pessoas com a poesia, com essa métrica toda?
R – Sim.
P/1 – Naquela época era uma coisa que vários... O senhor era acompanhado de outras crianças ou não, era uma coisa que só o senhor fazia?
R – Não, a gente cantava em duplas, duplas de repentistas, simulando repentistas, ou seja, um embrião do que seriam depois repentistas, caso seguissem a carreira.
P/1 – E o senhor tocava também ou não?
R – Eu tocava baião de viola, fazia o baião de viola, rústico, o instrumento não ajudava e o instrumentista muito menos, (risos) mas a gente fazia o que podia ali e mais já no repente. Porque a coisa toda e qualquer manifestação humana começa pela comunicação oral e com a literatura de cordel ocorreu o mesmo. Então, o repente é anterior ao cordel escrito, é claro, começou da comunicação oral e depois é que surgiu, então, o cordel.
P/1 – Que histórias o senhor criava? O que é que o senhor colocava nesses repentes?
R – Bem, naquele tempo a gente cantava o repente baseado nos acontecimentos locais, políticos, quem ganhou a eleição, quem está candidato, quem vai ganhar. A torcida começava e a gente falava sobre isso e também falava sobre moças, sobre namorados, esse tipo de coisa assim, era comum.
P/1 – Quem que era “a gente”? Eram seus irmãos ou o senhor tinha uma turma mais ampla de pessoas?
R – Havia uma plateia, por pequena que fosse havia a plateia, que ela é que dava à gente o incentivo para poder começar o repente. Sozinho, a partir do nada, a gente nunca começava a cantar.
P/1 – E o seu pai incentivava isso?
R – O meu pai achava bonito, não dizia nada, mas achava bonito, ficava atento. Ele ficava atento às manifestações do cordel em sua parte oral.
P/1 – E quem era a sua dupla? Era um irmão seu ou um amigo?
R – A minha dupla era meu irmão Expedito, que hoje está à beira da morte, coitado, pegou câncer, está à beira da morte e tudo o mais, mas era quem me fazia companhia. Mas eu era melhor, eu era melhor, tanto assim que fui o que sobrevivi nesse negócio de cordel.
P/1 – E o senhor resolveu vir para o Rio por conta do seu irmão que veio para cá?
R – Imaginava que tinha eles aqui, mas na verdade era um aventureiro mesmo. Eu vim contando comigo, é tanto que quando eu cheguei, naquele tempo ainda não existia terminais rodoviários como há hoje, a Novo Rio ou coisa parecida. O pau de arara deixava a gente no campo de São Cristóvão, onde hoje é o Centro de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga, ali deixava a gente no campo, aqui tanto fazia você sair para cá, para cá, para cá, para cá ou para cá dava na mesma, porque não havia, você não tinha para onde ir. Para onde partisse era a mesma coisa.
P/1 – E como foi que o senhor chegou aqui? O seu irmão foi lhe esperar? O senhor tinha um endereço?
R – Foi não.
P/1 – O senhor tinha o endereço dele?
R – Ele morava no Lins de Vasconcelos, mas ele não foi me pegar não, ele nem sabia que eu cheguei.
P/1 – E o senhor foi até ele ou não? Foi se virar sozinho?
R – Nós nos encontramos depois, talvez umas duas ou três semanas, numa obra. Ele era servente de pedreiro, que passou a ser pedreiro e eu acabei também chegando a essa obra onde ele trabalhava.
P/1 – Como é que foi? O senhor chegou numa cidade enorme, o senhor que vinha de uma cidade pequena, passou um pouquinho em Fortaleza, que era bem maior, mas ficou pouco tempo.
R – Sim!
P/1 – E de repente chega na capital federal, no Rio de Janeiro, na época do Vargas.
R – É, na época ligeiramente pós Vargas.
P/1 – E como é que era? O que é que o senhor fez? Tinha alguém que aliciava as pessoas, que encaminhava ou não? O senhor foi batendo de porta em porta?
R – Não tinha não. Era você bater de porta em porta, chegar nas obras e procurar emprego e, então, a minha situação foi difícil, muito difícil por isso.
P/1 – O senhor trouxe um dinheirinho, uma reservinha?
R – Não tinha não rapaz. No meio da viagem eu já não tinha nenhum tostão. Na viagem já não tinha nenhum tostão. Era como diz a juventude hoje: “Era realmente no chute”.
Porque existe o seguinte, uma informação extra que eu vou lhe dar, quando você chega numa metrópole do porte do Rio de Janeiro ou São Paulo, é fundamental que você arranje uma ocupação em três dias, porque se você não arranjar uma ocupação em três dias, a partir do quarto que você pedir a pessoa já está pensando que você é um mendigo, porque a roupa não suportou você ficar só com ela, acabou ficando suja. O cabelo ficou grande, você não tem onde tomar banho e a tendência da pessoa que lhe atendia é que você já era um mendigo e dali para frente, meu amigo, para sarjeta era um pulo. Então, você tinha que ter um anjo de guarda excepcional, capaz de compreender que você chegou e em três dias tinha que ser socorrido.
P/1 – O senhor conseguiu em três dias?
R – Olha, em três dias eu trabalhei numa obra, aí, quando o encarregado da obra chegou, colocou a mão na testa freneticamente: “Rapaz, manda esse rapaz embora imediatamente, isso pode constituir um caso trabalhista irreparável, um prejuízo imenso para a empresa, olha aqui, esse rapaz é podre, ele só tem uma perna. Mande ele embora imediatamente”. Aí, o encarregado rapidamente mandava embora e gente ganhava aquele dia. Eles pagavam o dia, mas não ficava com a gente. Aí, continuava a gente já tinha o suficiente para viver o dia seguinte, respirar um pouco e tudo mais.
P/1 – O senhor fez novas amizades aqui com nordestinos, cearenses aqui ou não?
R – Não, eu não tinha como fazer esse tipo de amizade, porque eu nem sabia da mecânica da coisa. Eu fui parar realmente na Praia do Flamengo, curiosamente na Praia do Flamengo, onde eu lavava minha roupa e deixava secar para vestir de novo e sair sem destino.
P/1 – O senhor lavava na água do mar?
R – Ah, lavava na água do mar e deixava secar. Um biquinho precário.
P/1 – E dormia aonde?
R – Olha, eu não sei se você conhece o Rio, conhece?
P/1 – Mais ou menos.
R – Pois eu dormia nas reentrâncias do Prédio do Ministério da Fazenda, lá no Castelo.
P/1 – Sei.
R – O prédio tem aquelas reentrâncias. Quando você passar lá você vai dizer: “Caramba, é aqui que o Gonçalo dormia”. Na hora da edição retira a palavra caramba, que na Itália não pode falar (risos). Aí, eu dormia naquelas reentrâncias, naquele tempo não era tão perigoso como hoje. Então, podia dormir naquela reentrância, que se você passar você vai ver que o Gonçalo entrava naquela reentrância ficava lá distante. Que a pessoa para fazer o mal, tinha realmente que jogar álcool ou gasolina e jogar um palito de fósforo em você porque não se lembra mais...
P/1 – Hoje é uma sede de ministério aqui regional do Rio, mas na época era o ministério, era onde o ministro trabalhava. E não tinha guarda, segurança que vinha?
R – Rapaz, eu cheguei a pensar em arranjar durante o dia, porque o menino de rua que sofre que era o meu caso, o menino de rua que sofre é aquele que é, mas não quer ser, entende? Aquele que é e já acha que ali é o lugar dele, sofre nada não, ele vai aos restaurantes na hora que pessoa está jantando ou almoçando, ele vai dizer: “Olha”, aí, a pessoa vai e dá uma coxa de galinha, outro vai. Menino de rua que é menino de rua não sofre muito não. Agora sofre aquele que é, mas não quer ser, igual a mim. E eu passava a fazer muitas indagações a Deus. Dizia: “Deus, francamente, eu estou numa situação de penúria e o senhor por acaso...” Porque eu falava com Deus de acordo com os padrões da Igreja Católica, pensando que era por aí. Mas, então, o que é que aconteceu comigo? Acabou que um dia – tem lá embaixo um folheto que eu contei a minha autobiografia, biografia de escritores eu tenho muitas já comigo como autor consagrado, mas ainda do começo eu fiz um folheto contando a minha vida direitinho. - Aí, o que é que acontece? Um dia, um belo dia, eu estava, eu saí do Flamengo e num dado momento eu estava no Jacaré, Jacarezinho, aí, eu me dirigi ali na rua, na direção da Rua Souza Barros até que com a vista turva em razão da fraqueza, acabei sendo socorrido por uma pessoa, por um homem, aí, eu de repente eu vi um outro com uma roupa branca e dizendo assim: “Não está embriagado”, disse alguém compreensivo, “e não está precisando sequer de um curativo, mas se não for atendido não vai continuar vivo”, porque realmente era aquela coisa de você ficar muito tempo sem comer, vergonha de pedir e tudo mais, é aquele tal negócio, menino de rua que não quer ser. Aí, o senhor José Oscar me atendeu, agora sim chegou o nome do homem, senhor José Oscar me atendeu, me levou para uma bodega que ele tinha, uma mercearia chamada Organizações Pena Branca, é aí que começa a história. Aí, ele chegou e falou com o gerente dele: “Gilberto, vê aí uma comida para esse rapaz. Bota aí uma comida para ele, um pão, uma coisa.” Aí, eu me alimentei, aí, ele disse para mim: “Olha, eu não tenho emprego para você, o que eu tenho aqui é um centro, nos fundos da minha casa tem um centro de umbanda e você pode ir para lá para varrer o centro e tudo o mais e no dia das sessões você servir refrigerante às pessoas e tudo o mais, servir cafezinho, mas não é um emprego.” Aí, eu passei um ano sem jantar só almoçando e sem salário. Mas, aí, eu disse para mim: “Gonçalo, eles não precisam de você rapaz, você é que precisa deles, então, você tem que dar tudo.” Aí, eu combinei comigo que tinha que dar tudo mesmo. Aí, ele tinha uma criação de coelhos, pato e ganso, nos fundos da casa dele, logo ali, quando era ali no Sampaio, antes do Méier, da cidade do Méier, que depois eu viria morar lá. Eu pensei comigo, quatro horas da madrugada eu saía dali para São Cristóvão, para pegar postura, folhas, verdura para as galinhas, para os coelhos e tal e, aí, ainda sem direito a janta.
P/1 – O senhor dormia lá?
R – Não, dormia nos fundos.
P/1 – Só almoçava e dormia lá e trabalhava para ele?
R – E trabalhava para ele. Aí, um belo dia, era um dia de quarta feira, que tinha sessão à noite. Rapaz! Fazia um calor cearense, umas três horas da tarde mais ou menos fazia um calor cearense. Aí, eu entrei numa geladeira que ele tinha lá, é dessas geladeiras que você abre não, você entra nela, para caixa de refrigerante e tudo o mais. Aí, eu olhei para a quantidade, uns dois ou três mil refrigerantes lá dentro tudo fresquinho e eu sem comer, morto de fome e de sede, um calor cearense. Aí, eu saí fora, olhei para a quantidade de cascos que tinha, naquele tempo as garrafas eram de vidro não é agora que é plástico, mas naquele tempo era tudo vidro, eu disse comigo: “Ora, se eu beber um refrigerante daqueles, ninguém vai notar de onde eu tirei pela quantidade que tem na geladeira. Por outro lado, um a mais aqui nos cascos, ou um a menos aqui, três ou quatro mil, ninguém vai ver”. Aí, fiquei relutando comigo, “Caramba!”, até que decidi abrir um guaraná. Aí, abri o guaraná, bebi o guaraná era umas três horas da tarde, aí, quando foi umas três e meia, mais ou menos, chegou lá um engenheiro, que estava fazendo um estudo do terreno para a construção do prédio que seria a casa mesmo, um centro espírita de nível. Aí, chegou: “O senhor José Oscar está? Eu vim falar com o senhor Pena Branca. E o senhor José Oscar está?” “Não, o senhor José Oscar vai chegar, mas ou menos quatro horas que ele trabalha na Rádio MEC, ele sai de lá três horas, chega aqui umas quatro horas. Pode sentar-se”. Sentou, ficou esperando, aí, daqui a pouco o senhor José Oscar chegou. “Tudo bem? Tudo bem?” Tudo bem? comigo e tal, e saiu dali, subiu, quando voltou, voltou todo de branco, que era como ele atendia as pessoas, o guia recebia as pessoas e tal, aí, chegou lá e no centro: “Vem cá moleque”, falou comigo: “Vem cá moleque”. Aí, eu cheguei perto dele, ele falou comigo, (risos) naquele ritual próprio dos umbandistas, aí, disse: “Moleque, traz uma cervejada para mim, sem gelo, traz uma cervejada”. Eu levei uma cerveja para ele, aí ele disse: “Moleque, quando você quiser beber um refrigerante não precisa ficar pensando daquele jeito não moleque, se debatendo contra sua própria consciência, não precisa. Pode beber o refrigerante sem problema nenhum, que o meu cavalo está na cidade, mas eu passo sempre por aqui” (risos). Aí, eu comecei a me defrontar com a realidade do mundo espiritual. Aí, eu bebi aquilo ali, recebi aplausos dele pela luta íntima que eu travei comigo mesmo para poder beber o refrigerante. Aí: “Quando eu subir, quando eu for para Aruanda vou deixar um recado com meu cavalo”. Aí, quando... “Vem cá moleque”. Aí, o engenheiro foi entrando, quando o engenheiro foi entrando, foi entrando assim igual eu estou aqui, com o sapato, aí, quando chegou, tinha uma divisão que estava escrito assim: “Aqui cessa o seu direito e começa o meu”. Aí, ele foi entrando onde estava o seu...: ”Ei, tira a ferradura moleque, não pode vir falar comigo com a ferradura. Tira a ferradura”, (risos) aí, o engenheiro rapidamente tirou o sapato e tal e entrou para falar com ele. Aí, quando ele subiu: “Ah, tão me chamando muito longe daqui. Até logo moleque, até logo.” O senhor José Oscar balançou, aí, quando o senhor José Oscar diz assim: “Olha, você, a partir de hoje, pode almoçar aqui com a dona Beni, com e tudo e vai jantar lá em casa, pode jantar lá em casa”. Olha, ele tinha deixado o recado com o cavalo, ele em terra e deixou escrito e ele disse isso: “Quando eu subir, o meu cavalo vai falar com você e tal”, e foi batata, falou mesmo.
P/1 – O senhor começou almoçar, jantar, tomar guaraná.
R – É, o guaraná eu passei a beber normalmente, dependendo, porque eu nunca gostei de abusar, mas quando era momento em que eu sentia necessidade, realmente não tinha qualquer tipo de problema. Também eu sabia que estava fazendo isso na frente dele.
P/1 – E o senhor trabalhou aí quantos anos?
R – Aí eu trabalhei até fazer 18 anos e quando eu fiz 18 anos o senhor José Oscar me colocou na Rádio MEC. Onde eu trabalhei até me aposentar.
P/1 – Eu acho que na época da Praia do Flamengo o senhor não tinha nem como fazer isso, mas depois que o senhor se assentou um pouquinho melhor no centro, o senhor passou a se corresponder com a sua família? Mandou notícias?
R – Sim, aí eu passei a saber notícias da minha família. Porque realmente, eu conversei comigo: “Gonçalo, de nada adianta você fazer uma correspondência sem nada poder fazer. Para contar lamúrias ou então...”
P/1 – No início o senhor não tinha nem endereço.
R – Não tinha endereço, antes do centro eu não tinha. Eu lavava roupa na Praia do Flamengo e dormia nas reentrâncias do prédio do Ministério da Fazenda, que eu achava menos perigoso. Às vezes, eu dormia também no banco do Jardim do Méier e, às vezes, eu também tentava dormir um pouquinho no banco do Hospital Salgado Filho, mas o guarda chegava logo: “Não, não, não, aqui não. Xô, aqui não pode”, quer dizer, então, lá eu encontrava mais tranquilidade. Aí, quando comecei trabalhar de auxiliar de portaria, comecei como auxiliar de portaria e terminei como redator.
P/1 – Na Rádio MEC?
R – É, conforme eu lhe disse in off, a gente tinha, na Rádio MEC, a gente trabalhou fundando muitas estações de rádio em Minas e tudo o mais. Criamos o SRE, o Serviço de Radiodifusão Educativa, logo a seguir a TV Canal 2 Educativa e partimos para missões mais ousadas como a própria Rede Brasil hoje, que resultou daquele trabalho, daquele tempo. A partir do Roquette Pinto começou este trabalho realmente desbravar o Brasil com estações de rádio.
P/1 – Mas eu estou pensando, tentar tirar do senhor, que o senhor chegue, como foi que o senhor recebeu a primeira carta da sua família aqui no Rio de Janeiro? Da sua mãe ou do seu pai, o senhor lembra?
R – Nesse tempo, eu estava no senhor José Oscar, estava lá, que morreu há um tempo e agora a dona Lídia também morreu com problema, mas enfim. Aí, eu recebi a primeira carta lá: “Gonçalo, tem uma carta para você aqui”, aí, eu li e era do papai. Aí, eu já li, já perguntei se podia mandar, responder para casa, “Não, não tem problema nenhum não. Aqui é sua casa e tudo”, passei, rapaz, à suprema ousadia de usar até o telefone. Ah, passei, antes mesmo de ir para Rádio MEC eu passei até telefonar do telefone do senhor José Oscar e tudo.
P/1 – O senhor ligava para onde? O senhor começou a ter amigos?
R – Sim eu comecei, porque aí nós estávamos conhecimento com meus irmãos, meus irmãos morando no Méier. A gente já passava a se encontrar fim de semana e tudo o mais. Eu toda a vida pensei assim: “Se eu for um poeta, quero ser um bom poeta. Se eu for um pedreiro, quero ser um bom pedreiro”. Quer dizer, eu também pensava da mesma forma na vida comum: “Eu só vou me apresentar às pessoas quando eu tiver condições de não sofrer humilhação”. Poxa, quando a gente aponta na esquina, na dobra da rua, saber que a gente vem chateado, vem incomodar as pessoas, não. Eu achei que enquanto eu estivesse nesta fase da vida, eu não iria incomodar ninguém.
P/1 – E o senhor trocava muitas cartas com a sua família lá no Ceará ou não?
R – Periodicamente. Não era uma coisa assim tão constante, porque não tinha muito o que dizer, teria que dizer sempre a mesma coisa, e as respostas também seriam aquelas. Do Ceará a resposta é “Está chovendo” ou “Não está chovendo”. Esperar até o dia de São José, dia 19 de Março, se a chuva não vier o ano é seco, quer dizer, as coisas que tem a dizer à gente também não são muitas.
P/1 – E como é que foi? O senhor estava ainda com contato com seus irmãos e no centro trabalhando. De repente o senhor vai para uma grande autarquia federal, com todos os artistas mais famosos do Brasil e tal. Como é que foi chegar na Rádio Nacional?
R – Na Rádio MEC.
P/1 – Na Rádio MEC?
R – Na Rádio MEC eu cheguei e fiquei. O senhor Nilton era o porteiro titular e eu fiquei como auxiliar de portaria, pegando as correspondências que chegavam na portaria e levando para o gabinete do diretor e avisando as pessoas: “Chegou encomenda para você, assim, assim”, sem a ousadia de estar falando com Mario Lago, Sadi Cabral, Maria Pompeo, Carlos Drummond de Andrade, Walmir Ayala, Dinah Silveira de Queiroz, Rachel de Queiroz, Malu de Ouro Preto, falar assim igual eu estou falando com você não. Aquilo era... Eu chegava...
P/1 – O senhor conhecia essas pessoas? O senhor sabia quem eram?
R – Trabalhavam comigo.
P/1 – Mas antes, o senhor sabia quem era?
R – Antes eu sabia por que estava escrito nas cartas, nas correspondências, mas conhecer de ficar colega assim mesmo, batendo papo, com Drummond de Andrade...
P/1 – Mas eu digo se o senhor sabia da fama?
R – Sabia da fama sim, sabia da fama.
P/1 – Sabia? E como o senhor ficou sabendo disso?
R – E a Maria Pompeo era muito engraçada quando era nova, ela dizia que ia me contar o final da novela e tal. Conheci pessoas muito engraçadas, a Vanda Costa, que a Vanda Costa é que fazia papel de criança e de velhinha na fala. Você não via ela, não via a imagem dela, você só ouvia a fala dela. Ainda hoje acontece isso.
P/1 – O senhor ouvia rádio lá no centro?
R – Ouvia a própria Rádio MEC.
P/1 – Em Ipu não tinha rádio.
R – Não, no meu tempo não. Agora são precárias, imagina no meu tempo, no meu tempo não tinha mesmo.
P/1 – O senhor veio conhecer rádio aqui no Rio?
R – Vim conhecer rádio no Rio de Janeiro.
P/1 – E, aí, lá no centro o senhor começava a ouvir a Rádio MEC, porque o dono trabalhava lá?
R – Por natureza do trabalho mesmo. Porque, por exemplo, você trabalha de auxiliar de portaria como era o meu caso, quando a rádio saía do ar meia noite. Aí, quando dava 10 horas já o senhor Nilton mandava fechar o portão da frente da rádio da rádio MEC, mas quem ficava dentro só cumprindo o horário. Aí, eu ia para rádio emissão, ia lá para junto com o técnico de som, com os locutores e lá eu mesmo ouvia, não havia essa restrição.
P/1 – O senhor tinha estudado nesse tempo que o senhor ficou?
R – Eu vim com a escolaridade não formal do Nordeste de saber ler e escrever tudo direitinho, mas, aí, o senhor José Oscar, essa parte nós não contamos, o senhor José Oscar me botou na escola logo depois, que me transformou no filho mais velho da casa, ele me colocou na escola. O dinheiro para ao cinema ele dava na minha mão para mim ir com os meninos dele. Eu me tornei o irmão mais velho, entende? A partir daquela turbulência imensa de não querer nem beber um refrigerante, a partir daquele dia, o seu José Oscar cumpria ordem dele, então, abriu caminho para tudo isso. Ele me botou na escola, eu estudei no Instituto Santa Rosa, só que você não tinha nascido ainda, no Instituto Santa Rosa, no Instituto Potiguar na Rua Dias da Cruz, eu estudei. Aí, fiz provas para o Liceu Literário Português de uma maneira bastante interessante, porque o Liceu, eu já estava com 18 anos quando eu já estava na Rádio MEC, o Liceu não passava mais do que cinco alunos em cem, era muito rigoroso o teste ali. Agora só que no tempo do professor Otacílio Rainho se você passasse você já estava com a Universidade Católica com as portas escancaradas para você. Ainda é um colégio fora de série, de primeiro mundo.
P/1 – E, aí, o senhor já arranjou também amizades com os seus colegas de classe?
R – Ah é, e colega de trabalho, então, colegas mais importantes. Dos colegas meus que estão vivos que eu sei, só sei do Sérgio Chapelin, porque eu comecei como auxiliar de portaria, mas terminei como redator igual lhe disse. Aí, eu fazia o noticiário da meia noite, e os locutores de rádio eles têm uma divisão para leitura diferente da comum, no lugar de uma vírgula fazem um travessão para eles saber exatamente as paradas sonoras e tudo e a emissão de voz e esse tipo de coisa toda. E eu fazia o noticiário da meia noite, já quase no final da carreira, fazia o noticiário da meia noite e o locutor do horário era o Guilherme de Souza e o Sergio Chapelin, que hoje ainda faz o Globo Repórter, e é um dos poucos colegas que eu tenho vivo, que eu sou dos mais novos. Imagine só.
P/1 – Mas isso eram colegas da Rádio Nacional?
R – Da Rádio MEC. Já tinha morrido o Drummond de Andrade.
P/1 – Mas eu estou pensando o senhor na juventude mesmo, o senhor estava com 18 anos de Dezembro de 55.
R – Isso.
P/1 – Nós estamos aí na era JK?
R – Isso.
P/1 – Começando a construção de Brasília.
R – Isso aí.
P/1 – E essa discussão que a capital vai sair do Rio. E como que era o Rio de Janeiro nessa época? O senhor tinha uma turma? Já tinha namoradinha? Ia no cinema? Como era?
R – Não tinha tempo rapaz, e ainda mais que eu não dei sorte com esse negócio de namorada, por uma razão simples, primeiro logicamente que pelo meu início, segundo porque passei a não ter tempo, porque eu cheguei a ter um período no Rio de Janeiro de dormir somente no fim da semana. Na semana trabalhava, porque eu fui obrigado a trabalhar também no Globo para poder ajudar a pagar a Universidade Católica que é muito cara e no meu tempo era caríssimo. Quando o senhor José Oscar morreu eu fiquei num beco sem saída, rapaz, querendo honrar o grande sonho dele que seria me formar e ao mesmo tempo sem dinheiro, rapaz, para poder pagar. Passei a vender resmas de papel nos bares, palitos, guardanapos.
P/1 – Ele faleceu o senhor tinha quantos anos?
R – Mas eu entrei na Universidade Católica em 58, ele morreu em 63.
P/1 – O senhor estava no final do curso?
R – Acho que eu estava no quinto período. Só que a faculdade de Letras clássicas, que foi o que eu fiz, eram cinco anos, eram 10 períodos e as matérias obrigatórias eram o grego e o latim clássico, não era moleza não. Hoje em dia se faz Letras em quatro anos, nunca vi isso, em três.
P/1 – Então, eu estava querendo mesmo voltar para o repente, para o cordel, para literatura. E, aí, o senhor me diz que o senhor quando se forma na escola, resolve fazer Letras e Letras clássicas. O senhor já tinha essa vocação? Era algo que o senhor realmente...
R – Eu pensava. Porque hoje em dia mesmo, depois que a literatura de cordel se consolidou como um movimento cultural de alto nível, quando a Julinha descobre que é uma poeta, o que é que ela faz? Ela escolhe na área das Humanas para fazer História, para fazer Letras, porque se descobriu que é uma poeta e, então, são cursos a fins com a carreira, entende? Hoje em dia acontece isso. Quando a literatura de cordel se tratava de um movimento cultural tido de semianalfabetos e até analfabetos não havia essa preocupação, mas hoje em dia a literatura de cordel, que já teve o merecimento de ganhar uma academia do porte da ABLC, ela é uma manifestação cultural, que alcançou a perfeição dentro do que se propõe.
P/1 – O senhor, nessa fase de escola ainda, antes de entrar na Católica, o senhor já escrevia?
R – Já. Eu escrevia, mas não publicava.
P/1 – Tinha grêmio literário na escola?
R – Não precisava nem lhe dizer o porquê, é porque realmente não tinha dinheiro. Eu comecei a escrever, olha só, teve duas fases interessantes na minha vida. Primeiro em 1963, eu lancei graças a um grupo de amigos, um livro chamado Um Resto de Razão, uma coletânea de contos regionais do Nordeste, mas só vim começar a escrever cordel a partir de 78, quando eu visitei a Casa Rui Barbosa, cheguei lá e encontrei um pesquisador que se tornou meu grande amigo, foi comigo à Feira de São Cristóvão onde fizemos uma mesa de glosa e no final da glosa ele disse: “Olha, um poeta como você não pode ficar sem produzir, é um crime.” Aí, eu passei a produzir, o meu primeiro trabalho foi logo um romance, porque depois eu descobriria que não tenho queda para o romance, não é a minha praia. Aí, desprezei, só escrevi 12 romances, depois eu passei a escrever mais os fatos circunstanciais, a morte de um presidente, a morte de uma pessoa de grande expressão, uma catástrofe natural, um desastre aéreo ou terrestre, enfim, os fatos circunstanciais passaram a ser a minha preferência para veicular na literatura de cordel.
P/1 – O senhor falou de escrever coisas do Ceará. Porque o senhor ainda guarda um certo sotaque, o senhor está no Rio de Janeiro há muitos anos.
R – Mais de meio século, mas o sotaque é uma preservação que eu faço questão de ter, o sotaque cearense.
P/1 – Na sua literatura, quando o senhor estava estudando ainda nas escolas antes de entrar na Católica, as coisas que o senhor escrevia eram coisas genéricas ou tinham um regionalismo muito forte?
R – É, tinha um regionalismo forte, mas é porque é uma etapa. Conforme eu lhe disse aquela etapa iria ser vencida, que foi a do romance, a seguir dos fatos circunstanciais, depois é que me adentrei na sociologia do cangaço e agora me acomodei realmente na produção científica. Eu já tenho uma produção científica, uma coleção de 12 volumes de literatura de cordel, editado pela Editora Luzeiro e que eu fui apresentar essa coleção na Biblioteca do Congresso Americano em 2011, mais precisamente no dia 26 de Junho de 2011 eu apresentava, estava lá e vi inclusive o Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que usou a mesma tribuna que eu. Eu apresentei, discorri sobre a coleção A Ciência em Verso de Cordel em 12 volumes.
P/1 – A sua passagem, que na verdade foi uma passagem parece que muito longa, mas já desde o início, na Rádio MEC...
R – Trinta e três anos.
P/1 – Influenciou no início a sua vida literária, conviver com tantas pessoas?
R – Sim, influenciou, só que teve um pormenor, lá os meninos, conforme eu já lhe disse, Carlos Drummond de Andrade, Walmir Ayala, aquele pessoal da época, o pessoal de rádio teatro, o pessoal dos próprios maestros, Alceo Bocchino, Isaac Karabtchevsky, Eleazar de Carvalho e outros não me deixavam antever um cordelista e nem deixavam antever para eles um cordelista, conforme depois os jornalistas disseram: “O Gonçalo, criado no meio de tantas e boas letras, dificilmente iria para a literatura de cordel.” Mas aconteceu, em 1978, repetindo, fui à Casa Rui Barbosa, encontrei o pesquisador Sebastião Nunes Batista, um gigante, um toro de aroeira ardendo ao sol do Ceará e disse logo: “Olha, você vai escrever, porque é impossível um poeta do seu porte não escrever”. Aí, eu comecei a escrever.
P/1 – E o senhor frequentava além do centro que devia ter uma vida assim, com as sessões, tudo, o senhor frequentava instituições ligadas ao Ceará? Quer dizer, tinha algum clube?
R – Tinha.
P/1 – O senhor ia?
R – Tinha a Casa do Ceará, que fechou há pouco tempo, porque não puderam mais pagar o IPTU.
P/1 – Ficava aonde?
R – É lá na Avenida Nilo Peçanha número 12, no Castelo. Ali, descambando já para Praça Quinze.
P/1 – E o senhor frequentava lá?
R – Frequentava lá, que lá inclusive a Academia Brasileira de Literatura de Cordel realizou as primeiras, as primeiras não, durante um período realizou suas plenárias lá.
P/1 – Mas o senhor ia lá quando o senhor era mais jovem ou mais depois?
R – Não, já era participando da vida academia já. Quando eu frequentei lá a gente já estava fundando a Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
P/1 – Na sua juventude o senhor não ia para nenhum lugar?
R – Não, não ia não. Eu não tinha condições, não tinha...
P/1 – O senhor não frequentava o cinema nem alguma coisa assim?
R – Quando eu ganhei algum dinheiro, eu passei a frequentar um cinema que você podia dormir dentro dele. Aí, eram duas utilidades para mim, uma é ver o filme, outra pegar no sono, que naquele tempo podia ficar a vontade dentro do cinema.
P/1 – Que cinema era?
R – Normalmente era o cinema ali na Rua da Carioca, um cinema que apresentava documentários e tal, na minha época. Apresentava documentários e tudo o mais, aí, chegou o tempo em que já passava gol do Pelé e tudo. Se adentrar dentro do tempo.
P/1 – Quando seu benemérito faleceu, o senhor estava quase se formando? Ou no meio do curso da Católica?
R – Acho que eu estava no quinto período.
P/1 – O senhor teve que sair da casa dele? Como é que foi?
R – Foi.
P/1 – O senhor já morava com ele?
R – Não. Quando ele morreu eu já não morava junto com ele mais, eu já morava junto com a tia Leda. Olha, veja só como ficaram familiares, tia Leda é a irmã da dona Lídia, esposa do senhor José Oscar. Mas como eu fiquei da família mesmo, passei a chamar de tia Leda. Porque ela tinha necessidade da minha presença e pediu a eles lá: “Deixe o Gonçalo vir para cá, que a mamãe já está velhinha e o Gonçalo pode ajudar numa coisa, ajudar na outra”, e foi bom para eles e foi bom para mim. Só que como eu não podia pagar escola, veja só o que é que aconteceu na Universidade Católica, eu pegava seis horas da tarde na Rádio MEC e largava meia noite, pegava meia noite no Globo e largava quatro horas da manhã e só dormia no fim da semana.
P/1 – O que é que o senhor fazia no Globo?
R – No Globo eu trabalhava, quando eu pedi emprego lá, emprego não serviço, porque eu nunca fui funcionário do Globo. Eu trabalhei junto com Áureo Ameno, porque era meu colega na Rádio MEC no departamento de jornais falados. É uma curiosidade. Na Rádio MEC, no departamento de jornais falados, ele era meu colega, quando chegava na redação do Globo, era meu chefe. Em 10 minutos ele passava de colega a chefe.
P/1 – Como é que foi a saída da portaria na Rádio MEC e o senhor foi para onde?
R – Ah, fui subindo normalmente. Os diretores chegavam e perguntavam ao seu Nilton, às pessoas e eles me indicavam. Aí, eu fiquei mais tempo realmente na antessala do gabinete do diretor, mas eu trabalhei também com o maestro Alceo Bocchino, tudo assim que eles pediam. Lá dentro havia esse acordo de: “O rapaz bom aí, dá para o senhor me ceder ele?”, “Dá sim, dá”, eu ia para o departamento. Trabalhei também na técnica de manutenção, mas não sabia fazer nada. Era somente para me pedirem alguma coisa e eu dar e tal.
P/1 – Era comum na época um porteiro que estava estudando, visando a universidade? Era uma coisa comum ou não?
R – Era sim. Tire logo pelo próprio Walmir Ayala. Se você quiser retroceder no tempo, tire logo pelo próprio Machado de Assis, que trabalhou numa gráfica, de servente e tudo o mais. Era muito comum, ouviu? Muito comum.
P/1 – Quando o senhor se forma na Católica, e aí? O senhor está com um diploma na mão. O senhor mudou de emprego? O senhor subiu?
R – Quando eu saí da Universidade Católica, eu já saí dentro da atividade que eu gostaria mesmo de fazer, visando já à criação de uma instituição e tudo o mais, porque sendo na década de 60, bem na frente, já tinha passado aquele período de turbulência daquela quartelada que chamam de Revolução de 64, e tudo mais, e a tendência me encaminhar para lá e quem me ajudou foi até Edna Savaget, que disse: “Gonçalo...”
P/1 – Como é o nome dele? O senhor repete, quem lhe encaminhou?
R – A Edna Savaget. Ela me disse: “Gonçalo, você pode, rapaz, pensar em coisa para você mesmo, criar um clima bom para você junto com um colega de alto nível. Na feira de São Cristóvão você encontra os poetas”, e aquilo ali foi uma facilidade muito grande. Agora, nós estamos falando tudo isso sem chegar o momento do casamento meu com a Mena...
P/1 – Por favor.
R – Que deve estar aqui em baixo e justamente da fundação da Academia, que ela foi uma pessoa fundamental, fundamentalíssima.
P/1 – Onde o senhor a conheceu?
R – Eu a conheci no Méier. Ela é do Ceará igual a mim, do Ipu igual a mim, mas nós nos conhecemos no Méier.
P/1 – E como o senhor conheceu? Na casa de alguém? Ela frequentava a casa dos seus irmãos?
R – Ela chegou com a família, eu acho que só com a metade da família, se ela estivesse aqui até podia me ajudar, com a metade da família, para depois vir outra parte depois. A outra parte até que chega a família toda. Aí, nós nos conhecemos ali, no Méier e na Rua Camarista Méier e começamos a conversar e tal, tal e tal.
P/1 – Mas seu Gonçalo, ali aonde? Como o senhor conseguiu? Era amiga do seu irmão? Morava perto do seu irmão?
R – Não, nessa época eu já tinha trazido o meu pai do Ceará para cá, já morava perto comigo, eu consegui alugar uma casa e tudo o mais. Consegui transmitir ao pessoal do seu José Oscar, da dona Lidia, a necessidade de agora dar atenção ao meu pai que chegava do Nordeste com a minha mãe e aluguei uma casa ali, uma casa modesta, mas equipei com tudo, com tudo que uma casa de pobre tem que ter. Uma televisão, geladeira, um móvel, uma coisa, cama e tal.
P/1 – Mas o senhor morava com aquela sua tia de criação.
R – Já, saí de lá para isso.
P/1 – Saiu de lá para morar com seu pai.
R – Saí para receber meu pai. E nesse período eu encontrei a Mena, Madrinha Mena, porque ela é madrinha dos poetas do Brasil, uma história muito bonita. Ela recebeu o diploma de madrinha dos poetas do Brasil em 1986, com a presença do Presidente Sarney.
P/1 – E o senhor lembra quando o senhor a conheceu?
R – Recordo perfeitamente.
P/1 – Como é que foi? Conta para gente.
R – Nós estávamos ali batendo um papo, até que, aí, quando eu fixei os olhos nela...
P/1 – Mas ali aonde seu Gonçalo?
R – Ali na casa dela.
P/1 – E como é que o senhor foi na casa dela?
R – A gente ia na casa um do outro.
P/1 – Os vizinhos?
R – É, vizinhos. A gente ia na casa um do outro.
P/1 – O senhor estava morando no Méier também, aí...
R – Exatamente, ali. Aí, eu fui...
P/1 – O senhor recebeu a notícia, chegou alguém do Ceará e tal.
R – Exatamente. Aí, eu fui lá porque é uma novidade para gente, é uma coisa boa para gente as pessoas e tal chegar do sertão.
P/1 – Ela conhecia seus pais ou não?
R – Não. Tanto ela não conhecia meus pais, como eu não conhecia os pais dela. Mas ali a gente começou aquele conhecimento, ela se esquivou o quanto pode para namorar comigo. É porque não sei se ela me via um homem falante, um indivíduo culto e tudo o mais.
P/1 – Ela foi sua primeira namorada ou não?
R – Aqui no Rio foi. Foi por um lapso, por uma pequena lacuna que eu deixei de lhe contar, que eu não sei se valeria a pena, que eu não tive sorte realmente. É a lacuna, que eu arranjei uma namorada, rapaz. Uma namorada não, nós nos encontramos, porque no meu tempo a Universidade Católica tinha inaugurado há pouco tempo na Gávea, porque ela era em Botafogo. Aí, foi para Gávea e em pouco tempo tinha inaugurado a faculdade de Letras, do lado era a faculdade de Jornalismo, também recente, porém um pouquinho mais velha do que a de Letras. Aí, ali eu me encontrei com uma moça - não vai dar para perder o fio da meada não que essa é rapidinha. – Aí, rapaz, nós piscamos o olho um para o outro, batemos um papo ali. Não sei o que é que aconteceu que marcamos um encontro para a frente do Rei da Voz Instrumentos Eletro Sonoros SA, na Rua Dias da Cruz, no Méier. Aí, quando nós nos encontramos ali que fomos beber um refrigerante, batendo papo, quem era a moça? Filha do Ministro Gustavo Capanema.
P/1 – Olha só!
R – Aí, eu disse a ela: “Olha, criança...”, “Ué, não entendi Gonçalo, não entendi”, digo: “Não tem condição, não tem condição”, “Mas isso não importa”, eu digo: “Importa, porque você tem 17 anos e tudo mais, mas você vai ver que importa muito. Por favor, eu quero seu bem, esqueça isso”. Até que a demovi, conversamos, bebemos ali um refrigerante, uma coisa. Ela baixou a vista e tudo o mais, e a gente teria que se ver sempre na Universidade, ia se ver sempre, era muito comum, aí, mas ela graças a Deus, rapaz, que acabou compreendendo, ou compreendendo ou sem compreender, a verdade é que parou por aí mesmo.
P/1 – O senhor ia ter que virar mineiro.
R – É, não tinha como. Não tinha como eu alimentar uma coisa dessa, rapaz. Era um ministro de grande envergadura e ela uma garota, poxa! Não tinha como. Bom, aí voltando à Mena...
P/1 – Ela resistiu ao senhor o quanto pode.
R – A Mena resistiu.
P/1 – Ela tinha que idade?
R – A Mena tinha 22. Ela resistiu, porque achou que era um professor que tudo o mais, que eu ia me dedicar ao magistério e que ela não tinha condições, era uma pessoa de cultura pequenininha e que não ia dar certo, mas eu resisti valentemente. Tive também a negativa da mãe dela, mas tive o apoio do pai, o pai dela, o seu Marcos sempre gostou muito de mim.
P/1 – Tinha que pedir para os pais para namorar?
R – Tinha que pedir autorização e é uma cola mais horrível do mundo, porque ela para vir para cidade comigo tinha que vir com a irmã mais nova. Era uma situação caótica. (risos)
P/1 – Mas eles faziam gosto do senhor ser de Ipu também, ser do Ceará?
R – Exatamente. Mas o problema é que a Mena ela é de uma família de latifundiários, é dos Aragão, do Renato Aragão, dos Ximenes, latifundiários do Nordeste e tudo o mais, mas eu não sei se era esse ranço que eles tinham. A Mena, pelo menos, achava que não, que era por causa de eu ser sabido e ela não e tal. Mas a grande verdade é que, pulando essa parte nós casamos.
P/1 – O senhor já era formado quando começou...
R – Eu já tinha saído do curso de Letras.
P/1 – O senhor estava dando aula ou não?
R – Estava dando aula, eu dei aula até 1975.
P/1 – Onde que o senhor deu aula?
R – No próprio Liceu, no próprio Liceu Literário Português.
P/1 – Já era na Almirante Barroso, não?
R – Curiosamente o Liceu Literário Português... Não, o Liceu Literário Português é na Rua Senador Dantas aonde é hoje ainda. Senador Dantas, esquina com Carioca. É! Avenida Almirante Barroso ali.
P/1 – É, abriram ali?
R – Exatamente.
P/1 – Agora abriram ali.
R – É exatamente ali, 13 de Maio, ali no Liceu, o Liceu é na esquina, ainda é na esquina. Aí, foi isso. Aí, 78...
P/1 – O senhor dava aula de Português.
R – É, dava aula de Português e Literatura.
P/1 – De Literatura também?
R – Isso.
P/1 – E, aí, o senhor fez uma biblioteca? O senhor começou a comprar livros? Como é que foi?
R – Sim eu fiz, rapaz. Em toda parte que eu estava eu criava uma condição para ter sempre livros.
P/1 – Desde a época do centro ou não, ou só depois?
R – Não, porque no centro eu não teria onde coloca-los. Foi só a partir do momento em que eu tive o meu lugar para ficar, realmente. Mas, aí, a Mena se tornou uma pessoa fundamental na minha carreira, foi no tabuleiro de cordel que ela montou, na Feira de São Cristóvão aqui no Rio de Janeiro, que começou toda a história da Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
P/1 – Seu Gonçalo, eu não entendi uma coisa, e acho que se eu não entendi quem assistir o vídeo também não vai entender. O senhor começa com um viés mais regional, aí, o senhor abandona, começa a escrever sobre fatos diversos, romances e tal, e há um momento que o senhor volta para essa regionalidade, para essa coisa do Ceará. Quando é que isso acontece, que aí o senhor vai para o cordel? Como que isso acontece?
R – Eu só escrevi um livro com esse realmente regional, que foi Um Resto de Razão.
P/1 – Mas o senhor deveria escrever alguma coisa em casa, se o senhor estava se dedicando, porque quem escreve não para de escrever.
R – Quando a gente sente que uma coisa ou não é a praia da gente ou a gente terá muita dificuldade, como por exemplo, você vai começar uma carreira de escritor, que é uma carreira incrivelmente difícil se você não tiver dinheiro, se você não tiver uma estrutura de família. Eu tive como começar por causa do cordel, o cordel abriu as portas para mim, o cordel foi o verdadeiro canalizador de tudo que eu sou hoje.
P/1 – E como é que foi isso? Como que o senhor chegou no cordel?
R – Por causa do encontro comigo na Casa Rui Barbosa, do Sebastião Nunes Batista, que era pesquisador naquele tempo.
P/1 – E o senhor foi para Casa Rui Barbosa por quê? O que é que o senhor foi fazer lá?
R – Enfim, o Apolônio era um poeta da época, muito atuante, mais velho do que eu, morreu até e, aí, me chamou para ir lá um dia, que eu andei muito com ele, andei na divisão de folclore, andei aqui na Casa de Cultura São Saruê.
P/1 – Onde vocês se conheceram?
R – Nós nos conhecemos da Feira, realmente nós nos conhecemos na Feira de São Cristóvão.
P/1 – Mas por que é que o senhor ia à Feira de São Cristóvão?
R – Eu ia por uma tendência natural de quem vem do sertão.
P/1 – Para comprar as coisas do sertão?
R – Para comprar beiju, tapioca, para comprar bolo manzape, para comprar as coisas do Nordeste.
P/1 – E lá o senhor encontrou ele fazendo compras também?
R – Eu encontrei ele numa banca de cordel, porque ele era um poeta produzindo e comercializando cordel. Aí, nesse encontro...
P/1 – E o senhor se aproximou dele por quê? O senhor gostava do cordel, o senhor foi lá comprar?
R – Exatamente, porque ele estava vendendo o que eu não procurava, porque eu não sabia o que estava procurando, mas que caiu do céu. Aí, conversamos e eu disse: “Rapaz, eu também escrevo”. Ele levantou a cabeça rapidamente e disse: “Olha, então tudo bem”. Aí, daquele...
P/1 – O senhor não tinha escrito ainda cordel nunca?
R – Não.
P/1 – Desde aqueles repentes lá com o seu irmão?
R – Não, cordel não.
P/1 – Em Ipu.
R – Eu comecei escrever cordel em 78, me lancei com um romance chamado Punhos Rígidos, que depois por não ter nenhum apelo comercial, passei a substituir o nome por O Triunfo do Amor de Valério e Violeta, porque o pessoal do Nordeste quer saber de romance, que tem logo um nome atrativo, que tem uma atração pelo nome: As Aventuras de Ricardo e a Grande Paixão de Tânia, A Vitória de Floriano e a Negra Feiticeira...
P/1 – É nome de Cordel.
R – O pessoal gosta assim.
P/1 – Punhos Rígidos não é nome de cordel.
R – É, o pessoal gosta assim: Pavão Misterioso e esse tipo de coisa. E eu mudei o nome do folheto já depois do encontro com Apolônio, que esse livro se chamava Punhos Rígidos.
P/1 – Como que era publicar cordel no Rio de Janeiro? Era uma gráfica, o senhor tinha que pagar do seu bolso?
R – Era, pagava do meu bolso.
P/1 – Não tinha nenhuma associação, não tinha nada? Tinha um lugar onde os cordelistas... É cordelistas que chama?
R – É cordelista.
P/1 – Tem um lugar que os cordelistas se reuniam?
R – Tinha. Na Feira de São Cristóvão.
P/1 – Na Feira de São Cristóvão. O senhor começou a frequentar...
R – A Feira de São Cristóvão por isso também, por várias razões. Primeiro o encontro, inclusive eu escrevi numa época um artigo para uma revista regional daqui do Rio de Janeiro, chamada GB Norte Sul no tempo que o Rio de janeiro se chamava Guanabara. Aí, eu botei até o título “Na Feira de São Cristóvão, a saudade é ganha pão”, é o nome do artigo que eu fiz.
P/1 – E a sua esposa nesse processo?
R – Não, nessa época ela estava no abismo do nada, porque a gente, nesse momento aqui que nós estamos, a gente não tinha se encontrado ainda. A gente veio se encontrar tempo depois.
P/1 – Mas em 78 o senhor ainda não tinha casado?
R – Não, em 78 já.
P/1 – Então, quando o senhor resolve escrever o cordel, é isso que eu estou lhe perguntando.
R – Ah, quando eu resolvo...
P/1 – O que é que ela acha disso?
R – Quando eu casei com a Mena, eu já tinha editado o Punho Rígido, que depois seria a Vitória do Amor de Valério e Violeta. Isso já tinha acontecido. Sucessivos encontros meus com Apolônio, que a gente foi à Casa Rui Barbosa, foi à Divisão do Folclore. Vinha para cá para a Casa da Cultura São Saruê, que é aqui no prédio do lado, número 83. A gente já tinha uma convivência, eu não tinha uma convivência era com ela ainda, entende? Que, aliás, é até interessante, isso é dito por ela mesma quando é entrevistada, quando ela casou comigo não sabia que eu era poeta. É interessante verificar-se isso, porque nós no Nordeste nós procuramos não enganar ninguém, não fobar, ou seja, auto elogiar-se. Então, ela veio me descobrir poeta da seguinte maneira: com as cartas que eu recebi: “Senhor Poeta Gonçalo Ferreira da Silva” nos envelopes se lia, nos envelopes pardos e, aí, ela ficou meio que desorientada, mas quando foi à Feira comigo, para banca do Apolônio, o Apolônio disse para ela: “Não, você é casada com um excelente poeta. Gonçalo é um excelente poeta”, “Ah, mais você escreve também?”, disse: “Escrevo”. Aí ela já... Acho que ela já tinha visto um folheto meu, mas ela não se dava conta, porque na verdade, a madrinha Mena, que é assim que ela é tratada pelos poetas do Brasil, ela não acreditava que poeta fosse coisa de se pegar. Ela pensava que poeta fosse lenda, não existisse, fosse contos transmitidos da comunicação oral, rasgando os séculos, mas que não existiam pessoalmente. Quando ela se encontrou com Sebastião Nunes Batista, não, com o Joaquim Batista de Sena na Feira de São Cristóvão vendendo raízes, poeta que escreveu grandes clássicos da literatura de cordel, ela pensou que aquilo não era verdade. Ela falou com ele: “Joaquim, você existe! Eu pensei que você não existisse, fosse lenda, porque eu vi a sua morte, apreciei a sua morte”, aí, foi que Joaquim disse: ”Não, ali não foi eu quem morreu, foi a minha personagem”. Aí, foi que ela foi caindo dentro dela, até que se familiarizou com a literatura de cordel real, com pessoas de carne e osso escrevendo o cordel. Porque o começo da história da literatura de cordel na parte escrita, ela começou muito com o encantamento, princesas encantadas, palácios misteriosos, assombrosos, esse tipo de coisa assim. Era meio nebuloso assim, entendeu? Aí, foi que ela se familiarizou.
P/1 – O senhor acabou de falar que o senhor recebia as cartas escrito poeta. Qual era a importância dos Correios, das cartas, dessa troca de cartas nessa época?
R – Toda a vida a gente, os poetas escreveram assim: Senhor Poeta Gonçalo Ferreira da Silva, rua tal, número tal e a resposta se lê: Ilustre senhor poeta Manuel de Almeida Filho, ida e vinda.
P/1 – E o que era essa troca de cartas entre os poetas?
R – Era falando sobre suas últimas produções, mandando dentro do envelope a sua última produção, o folheto de sua lavra, expectativa para o ano, o que estava pensando fazer e tudo o mais. Não havia poetas naquele tempo, do nosso porte, capaz de ter, ser contratado de editoras, imagine, naquele tempo um poeta ser contratado de uma editora, como eu, como Arievaldo Viana, como Manoel Monteiro, não existia essa expectativa, não existia isso não. Era só o folhetinho mesmo.
P/1 – Essa troca, esses poetas que trocavam cartas, correspondência, eles estavam aonde? Era no Nordeste? Aqui?
R – Era os daqui, os daqui recebendo cartas de lá, dos de lá.
P/1 – E como é que as pessoas se conheciam? Pela obra?
R – Pela obra. Porque os poetas, uma vez consolidada a carreira, faziam questão de fazer um folheto e mandar uns para os outros.
P/1 – E como é que as pessoas de lá sabiam de que estava aqui e vice versa? Porque a obras daqui iam para lá?
R – Iam para lá, porque toda a vida essa comunicação existiu. As pessoas vinham do Nordeste para cá, quando voltavam levavam a mala com quantidade de folhetos daqui, produzido pelos poetas daqui, traziam de lá para os poetas daqui, funcionava assim.
P/1 – Lá as gráficas do cordel existem lá também, no Nordeste?
R – Existem sim e lá são mais numerosas.
P/1 – Elas ficam aonde? Nas grandes capitais ou no interior?
R – Atualmente em Recife tem a Coqueiro. Em São Paulo tem a Luzeiro, que é uma grande editora. Em Recife tem a Coqueiro. Em Fortaleza tem a Tupynaquim, Editora Tupynaquim. No Rio Grande do Norte tem em Mossoró a Queima Bucha, enfim, cada capital tem, além da grande editora de cordel, têm as periféricas, todas elas têm. E quando a Academia foi criada em 1988, esse tipo de coisa aumentou cada vez mais. Naquele tempo poetas que escreviam e guardavam seus originais na gaveta, pensando que não era poeta ou com vergonha de apresentar seus originais, agora, sabendo que tem a sustentação institucional, escreve o folheto e submete à apreciação da gente, vem a plenário da Academia e pede para ler e tudo o mais. Logo depois o currículo e a obra editada desses poetas é apreciado pelo colegiado da Academia, quer dizer, hoje é diferente demais.
P/1 – Mas, então, a troca de correspondências ela era fundamental para troca de informações e de obras, e de conhecimento entre os poetas?
R – Era sim. A gente conhecia quando era que um poeta alcançava um nível de popularidade muito grande, pela comunicação. Outra coisa também, é que os pesquisadores inocentemente dizem: “O cordel é feito em papel ordinário”. Não é bem assim. O cordel é feito em papel jornal, estrategicamente, porque toda a vida os poetas dependeram dos Correios e o papel jornal pesa quatro vezes menos do que o papel branco e os poetas toda vida dependeram dos Correios. Daí, porque os folhetos têm sempre o miolo em jornal.
P/1 – Entendi, que interessante isso.
R – A capa, que era naturalmente em papel manilha, que o papel super bom que faz as capas hoje, aí igual você está vendo ali, é a evolução do papel manilha, do papel de embrulho. Evoluiu por necessidade gráfica de dizer: “Não, tem que melhorar” e, aí, os fabricantes de papel começaram a melhorar automaticamente. Porque você vê que no mercado como o Rio de Janeiro, eu estou até calado, mas no mercado como o de Fortaleza ou Recife, meu amigo, isso é bobinas e bobinas imensas de papel destinados à fabricação de cordel, de folheto de cordel.
P/1 – E para os leitores também vai muito pelos Correios ou é mais nas feiras?
R – Bom, não, porque é preciso dividir em várias etapas, porque tem o leitor que vem pegar aqui mesmo. Vem pegar nos centros produtores. Tem aqueles que usam os Correios e no caso, por exemplo, São Paulo que é o maior consumidor de literatura de cordel daqui da ABLC, a gente manda para lá, tem instituições que pedem 40, 30 caixas de cordéis para distribuir no dia de um evento lá como o SESC Pompeia e em outras instituições. Está muito diferente hoje, é uma dimensão outra, que a gente não deve comparar com aquela de quando os meninos começaram. E a literatura de cordel no Brasil começou realmente em 1889 com a implantação do parque gráfico do Leandro Gomes de Barros, então, a gente não pode comparar a literatura de cordel produzida pelos meninos naquele tempo, com a perfeição que alcançou nos nossos dias.
P/1 – E seu Gonçalo, nós temos uma informação que eu não sei se é verdade ou não. O senhor que vai poder confirmar.
R – Sim.
P/1 – De que existiria uma espécie de costume, de tradição de que quando um cordelista recebe de um outro cordelista um cordel novo, inédito, ele meio que tem a obrigação retribuir.
R – Sim.
P/1 – E isso é sempre por carta?
R – É.
P/1 – Como é que é isso? O senhor explica isso para mim.
R – Se eu receber uma carta de um poeta, a carta em verso, eu tenho a obrigação moral de responder a carta dele em verso também. Eu recebo do Arievaldo Viana, do Manoel Monteiro, do Geraldo Amâncio. Geraldo Amâncio menos, porque ele escreve menos, porque ele tem um programa de auditório que nem esse do Faustão, que ali ele imita muito o tempo dele, tanto até prejudica até a produção mesmo de cordel. Mas ele também faz isso, manda a carta para gente em verso, manda um CD para gente em verso, manda e tudo o mais. Se apresenta num DVD para gente: “Meu caro amigo Gonçalo, eu sou fulano de tal” e, aí, explica também. É tudo assim. Ah, como que um ritual de você receber em verso e responder em verso.
P/1 – E os Correios continuam sendo importante para essa troca de informação?
R – Importantíssimo. Só que a história realmente nos aponta o papel jornal como uma necessidade do poeta e não por ser papel de qualidade inferior, entende?
P/1 – Fazer uma pergunta agora especificamente sobre a questão das cartas. O senhor já parou para pensar? Vamos ver, talvez sim, talvez não. Qual foi a carta mais importante que o senhor já recebeu?
R – A carta mais importante?
P/1 – Para o senhor, claro.
R – A carta mais importante que eu já recebi... Olha, rapaz, eu recebi uma carta muito importante do professor Átila Freitas de Almeida, da Universidade de Campina Grande, na Paraíba, quando ele falou comigo que eu me tratava do valor jovem mais importante da literatura de cordel, uma palavra balizada como a dele, deixa a gente muito feliz. Agora as demais não, as demais têm sempre o mesmo teor, a mesma validade, o mesmo valor, porque o valor é que os poetas são muito unidos, são pessoas unidas realmente. Se você chegar aqui imediatamente eu mando armar uma rede de um lugar para o outro para você. É assim, há uma união muito grande entre os poetas.
P/1 – E um cordel que tenha chegado pelos Correios ou um poema que tenha lhe marcado?
R – Foi o Direito de Nascer, da novela do novelista cubano Felix Caignet, quando ele fez aquele longo... Que você conhece de história, O Direito de Nascer e que depois o Manuel D’Almeida Filho fez ele em cordel com 300 páginas, mais de quatro mil estrofes, acompanhando toda a trajetória do filme, foi um trabalho importantíssimo. Inclusive eu já pensei de fazer assim, um épico que eu pudesse fazer um épico, que se chama em Língua Portuguesa, um pequeno épico, que você quando vai chamar de épico, você tem que ter a responsabilidade de que está falando de um épico mesmo. É você falar assim de “Um Caçador de Esmeralda”, do Bilac, fala da “Batalha de Oliveiras com Ferrabrás”, do Leandro, são pequenos épicos em Língua Portuguesa. Mas eu tinha vontade de fazer um assim também, mas agora não faço mais, porque já estou nos acréscimos e agora vou me limitar em fazer praticamente só o que a editora pede.
P/1 – E a Associação? A Academia, como é que foi? Como é que ela surgiu? Por iniciativa de quem?
R – A Academia surgiu, o embrião já lhe mostrei, que foi a madrinha Mena com o tabuleiro na feira, inclusive um político chegava e jogava a propaganda política em cima da mesa dos folhetos, a Mena dizia: ”Não, tire, tire”. Uma vez ela disse isso exatamente com o Cesar Maia: “Tire, tire, não quero propaganda aqui não. Tire isso aí de cima da minha mesa”.
P/1 – Mas como é que a sua esposa chegou nesse tabuleiro? Isso o senhor não contou.
R – Quando eu estava já um poeta relativamente conhecido, digamos assim, notado.
P/1 – Ela já sabia que o senhor era poeta.
R – Já sabia que eu era poeta, aí, ela se propôs a ir para feira, para vender meus folhetos no tabuleiro. Só que nós fizemos melhor. Os meus eu troquei com de outros, mesclei com de outros, para poder não ficar só oito ou dez títulos, se transformou nuns 100 títulos com trocas que eu fiz com poetas mais antigos e ali ela começou a batalha dela.
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