Nasci em Moçambique, no municipio de Chimoio, na cidade de Vilapery, no dia 27 de outubro de 1965.
Meus pais se conheceram nessa cidade, casaram e, um ano depois, lá estava eu... e continuo só eu, pois sou filha única. Fui criada com os meus pais, porém sob grande influência dos meus avós mat...Continuar leitura
Nasci em Moçambique, no municipio de Chimoio, na cidade de Vilapery, no dia 27 de outubro de 1965.
Meus pais se conheceram nessa cidade, casaram e, um ano depois, lá estava eu... e continuo só eu, pois sou filha única. Fui criada com os meus pais, porém sob grande influência dos meus avós maternos, a quem devo muito. Meus avós já não estão mais entre nós, porém os perdi já em idade madura, por isso, continuei por muitos e muitos anos convivendo com eles.
Nas minhas melhores lembranças de infância, a imagem dos meus avós está sempre presente. Deles guardo ricas lições, mas o melhor mesmo era ter a certeza de que podia contar com eles, e demorei muito a entender a importância disso.
Ainda em Moçambique, me lembro dos almoços de domingo na casa deles. A família toda reunida, uma mesa farta, como toda a casa portuguesa, com certeza. Ainda me lembro do leitão assado, tomate na boca do bichinho, folhas de alface decoranda a travessa. O famoso leitão à pururuca Ah, tinha mordomo a caráter, todo vestido de branco, botões dourados e só aparecia na sala qundo chamado. O nome dele era "Time". Não, não era time de time de futebol. Era "time" em inglês, ou seja, traduzindo, tempo em português. Tinha 14 filhos e um deles, o mais próximo da minha idade, se chamava Xuinga no dialeto africano, que em português significa chiclete. Esse era mesmo o nome dele.
Mas bom mesmo era o Natal na casa dos meus avós. Como sempre, a mesa muito farta, músicas natalinas a noite toda até sair o último convidado, as brincandeiras com os meus primos, as discussões dos adultos... Essas sempre aconteciam após uns copos de vinho, e o teor dessas, nos últimos anos, eram sempre sobre a independência de Moçambique, a chegada das tropas portuguesas, e enfim... Mas todos acabavam se entendendo no final. Parando agora para me lembrar desses acontecimentos, observo que a oportunidade de reviver esses momentos mesmo que apenas na lembrança é simplesmente maravilhoso.
E o que era discutido como possibilidade tornou-se realidade: a guerra civil aconteceu. Em 1975, meus pais e eu tivemos que sair de Moçambique, num avião Secna, de madrugada, escondidos das tropas da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ou poderiamos ser presos. Os nossos corações estavam apertados, pelo medo do desconhecido e pelo medo do que pudesse acontecer à nossa familia, pois tanto meus avós como tios recusaram-se a sair de Moçambique e a deixar tudo o que haviam construído em anos e anos de muito trabalho.
Já meus pais abriram mão de todos os bens e decidiriam sair do país. Foi a escolha mais acertada. Meus avós foram presos meses depois e permaneceram por alguns meses nessa situação, até que alguns membros da embaixada de Portugal, numa missão muito bem articulada, auxiliaram os meus avós a fugirem do país num porão de navio, que estava saindo da cidade da Beira com destino a Lisboa. Enquanto isso, meus pais e eu já estavamos morando no Brasil após termos conhecido a Costa Rica, país onde poderiamos estar morando, não fosse a decisão do meu pai de virmos morar num país onde, por dominar o idioma, teria mais condições de se inserir no mercado de trabalho.
No Brasil
Já no Brasil, inicialmente ficamos morando por três meses em Cambuquira, cidade que faz parte do circuito das águas, em Minas Gerais. Tenho lembranças muito boas de momentos vividos nessa cidade, apesar do curto período que lá permanecemos. Foi também em Cambuquira que dediquei muito do meu tempo à minha coleção de selos, já que não estava estudando, pois chegamos ao Brasil no final do mês de agosto período em que não valeria a pena me matricularem numa escola.
O melhor foi aguardar o início do ano letivo. E eu adorei Até então, ainda não gostava muito de estudar. Preferia estar envolvida com os meus selos. Dentre muitas lembranças que tenho, uma delas é interessante, pela pouca importância que tem, mas que não esqueço: quando alguém tomava
banho, na casa inteira podia-se sentir o aroma do sabonete Phebo. Sempre que sinto o cheiro desse sabonete, minha mente viaja no tempo até Cambuquira. Passados os três meses, fomos morar no Rio de Janeiro, mas enquanto não encontrávamos um apartamento para alugar, ficamos hospedados num hotel e foi nesse hotel que conheci uma pessoa muito especial, o Sr. Eugênio.
Para explicar como o Sr. Eugênio
entrou na nossa vida, antes preciso esclarecer que o hotel onde estávamos hospedados estava acomodando também mais uma infinidade de portugueses que haviam chegado de Moçambique nas mesmas condições que nós. O Sr. Eugênio trabalhava para o serviço secreto e estava hospedado no hotel para se infiltrar entre nós, pois o receio do governo brasileiro era de que muitos destes portugueses que estivessem vindo de Moçambique, viessem com ideias revolucionárias e pudessem assim gerar problemas para o país.
Numa tarde bem quente, estava eu sentada num sofá no grande saguão do hotel, assistindo
TV, quando o Sr. Eugênio se sentou ao meu lado e começou a puxar conversa. Eu, ainda muito criança, gostei da atenção que ele me deu e, em menos de 15 minutos, estava contando a ele com todos os detalhes tudo o que havia acontecido comigo e com os meus pais nos últimos meses. Então, quando já estava empolgada contando a nossa história, meus pais chegam e apresento-os ao Sr. Eugênio. A partir daí, passamos a conversar com ele todos os dias e, como sempre gostei muito de ler, o Sr. Eugênio começou a me levar para passear. Ao passar numa banca de revistas, comprava todas as revistinhas de gibi que eu quisesse. Por vezes, comprava também doces numa confeitaria próxima, mas o que eu mais gostava era da atenção que ele me dava. Certo dia, veio se despedir de mim e dos meus pais e disse que ia viajar, que ficaria ausente por algumas semanas, mas que ao retornar entraria em contato conosco . Fiquei triste e qual não foi a minha surpresa quando, dias depois, um dos mensageiros do hotel me entrega um envelope grande endereçado a mim.
A carta havia sido enviada pelo Sr. Eugênio e nela além de um lindo cartão, tinha também muitos selos de vários países. Essa foi a primeira de muitas cartas que passei a receber e sempre com cartões e selos. Até hoje tenho todas essas correspondências e selos guardados.
(História enviada em março de 2010)Recolher