Você já amou algo ou alguém em sua vida? É possível que sua resposta tenha sido:"Claro que sim!". Se perseverar nesta rápida leitura você vai perceber o quanto o amor nos prepara para a dor e, como ambos podem ser canais de felicidade. Tudo teve seu inicio em um vilarejo, hoje praticam...Continuar leitura
Você já amou algo ou alguém em sua vida? É possível que sua resposta tenha
sido:"Claro que sim!". Se perseverar nesta rápida leitura você vai perceber o quanto o amor nos prepara para a dor e, como ambos podem ser canais de felicidade. Tudo teve seu inicio em um vilarejo, hoje praticamente extinto, chamado de Bom Conselho, situado no interior do Ceará. Calma, não falarei da Seca, esclareço pois têm pessoas que quando escutam falar desse estado acham que a razão de tudo aqui é a seca. Espero que você não seja uma dessas desavisadas. A história começa assim...
Uma jovenzinha, filha de uma agricultora negra e solteira que não pôde ficar com o pai de sua filha porque engravidou antes do casamento, não teve muito tempo pra descobrir as consequências prazerosas do amor, pois junto dos primeiros lampejos e de seus frutos, a dor impiedosa e mortal atingiu de forma quase destruidora seu sonho da mocidade, mas ela nunca desistiu de amar. A mãe e aquela jovenzinha cuidada com tanto amor, descobrira ainda cedo o que significava privação, necessidade e ausência do básico para viver, no entanto, fez-se corajosa para enfrentar a vida e alcançar razões autênticas para se perceber feliz. Ela amava a vida e, portanto, acreditava que surgiriam saídas "logo ali". Nos lugarejos do interior ao final de cada tarde, quando os compadres e as comadres visitavam uns aos outros, o alpendre era o ponto de encontro. Ali só se escutava histórias de fantasmas, de corajosos, de antepassados e do fim do mundo. As crianças, que nunca passavam entre os adultos, ficavam no "terreiro" criando brincadeiras com suas pedrinhas ou com objetos que hoje seriam descartáveis para muitos. Os cães, fiéis companheiros do agricultor-caçador não perdiam aquelas resenhas por nada, pois até mesmo a eles tais falas pareciam interessar.
Numa dessas tardes um jovem José, apareceu na história. Ele tinha algo de peculiar, havia nele uma alegria contagiante que atraía a todos. Até mesmo os mais velhos o admiravam pela forma respeitosa e trabalhadora com a qual ele lavava a vida. Pra ele, como dizem por aqui, não havia tempo ruim...há, e não posso deixar de comentar sobre sua risada, gargalhada pra falar a verdade, ela era sua marca registrada. Homem simples que não media esforços para ser feliz. Muitas vezes era fácil encontrá-lo no famoso açude daquele lugar, pescar e dar a pescaria pra vizinhança parece que o motivava ou era a melhor desculpa a retornar às águas em outro momento e, a mesma prática se repetia dia após dia. Homem alegre, trabalhador, responsável, homem bom, características de um belo candidato a noivo! Aqui nasce o Amor. Pois bem, a jovenzinha e aquele belo candidato a noivo se permitiram somar as suas vidas decididos a amar e o resultado logo logo apareceu: A primeira filha, a segunda, a terceira, a quarta, os gêmeos...as primeiras dores, eles não resistiram(...) Embora naquela casa houvesse crianças correndo, barulho de vizinhança, trabalhadores passando pela estrada, a experiência daquelas mortes foi a "professora" daquela família...ela não tinha muito tempo, precisava aprender logo a lição e encontrar saídas logo ali para recobrarem as forças. Após um pouco mais de tempo, a dor daquela perda, sepultada no quintal da casa ao lado, onde a lembrança se escondia em meio ao mato que crescera na casa que não era própria. As noites ganhariam mais um choro de "menino", nasceu e sobreviveu o primeiro filho homem. A Família entendia o significado de Alegria, agora mais ainda. Aquele novo membro da família trouxe alento e esperança,sobretudo para a Jovenzinha, mas também para o a legre pai. No entanto, tornou-se o último filho de José! É fato que toda família se "transforma" quando nasce mais um filho, com o José não foi diferente! Ele mudou...como mudou. E a Jovenzinha? Ela percebeu...a alegria já não era a mesma, a gargalhada foi emudecendo-se, e as razões? Eram todas elas, por um breve momento, desconhecidas! Os sete meses que se seguiram foram marcados por dúvidas, incertezas, atrasos, afastamento, ausências e decisões. Sim, decidir é característica de quem sabe o que quer, mas ela pode ser usurpada em situações de dúvidas que parecem não ter fim. Aqui começa a história da dor, daquela que ainda não passou, que dói só em falar, que dói mesmo que tudo fique em silêncio, ela grita e não se cala um só instante...Se você não souber traduzir o significado da palavra dor eu a traduzo: Dor é grito calado, é terremoto estático, é luz que não brilha, e palavra que não pode ser dita corretamente, é implosão causadora de estragos que não são vistos a olho nu. É possível que a dor não seja entendida, é possível que eu nem saiba o que estou falando, pois ela deixa a visão embaçada, com dor as coisas mudam de cor, só se escuta o que se acha que ouviu. É isso mesmo, os sentidos são terrivelmente afetados pela dor...e aquela que não se sabe porque está doendo torna-se horrivelmente cruel. Contudo, ela também age em caminho contrário, pois é capaz de gerar uma energia arrebatadora, energia de decisão de amar, ou de odiar, energia que faz dar passos ao encontro ou gera distanciamento até mesmo daqueles que se ama... a dor após nascer demora cessar sua atividade, ele cumpre sua missão, sua indesejada missão. Agora restam apenas seis meses, as coisas parecem estar melhorando, o amor uma vez nascido sabe se multiplicar mesmo em terrenos áridos, como aquele terreno do sertão cearense onde a Jovenzinha e o José estavam. Mas agora já não eram somente eles, pena que também já não eram somente os filhos, pois mais alguém surgiu, não sei de onde, nem porque, mas
"Ella" surgiu para dar um rumo novo ao final da história. Talvez em um romance de um grande escritor Ella ocupasse o papel de protagonista, aqui só consigo enxergá-la como figurante que desrespeitou o roteiro e atrapalhou a cena para a qual Ella não estava escalada. Mas a vida é sempre surpreendente, não somos nós que a construímos em seus detalhes, muito independe de nossas vontades. Mas como eu dizia o amor consegue se reproduzir mesmo em terrenos áridos, mesmo diante da dor, ele consegue quebrar a semente e trazer à vista mais vida, mais paz, mais esperança. As crianças são a representação autêntica do amor e, a dor traiçoeira não consegue aprisioná-las, atingi-las, pelo menos enquanto ainda são inconscientes, elas são sementes de esperança. As alegrias nascidas e vividas até então serviriam de alicerce para a edificação do futuro, elas seriam outras sementes que em breve cresceriam para trazer sombra à sequidão e mormaço da solidão, da insegurança, do medo e da saudade. -Ei José, por que já não sorris com a mesma intensidade? Por que teu olhar já não alcança nossos olhos? Por que não o encontro mais a cuidar de nossas "sementes"? Já não queres ser feliz com outrora?
-Jovenzinha, já não sou o mesmo. Não me reconheço, muito menos reconheço o que sinto, só sei que sinto o que não gostaria de sentir e pareço querer o que está a me destruir. A Jovenzinha, José e as Sementes,
Ella e o veneno,
O José e a dor. O José e Ella, O José com o veneno, As Sementes, a Jovenzinha e a dor. Ella virou a página e continuou. Não perdeu nada, não construiu nada, apenas continuou. Entrou e saiu de cena repentinamente. A Jovenzinha e sua mãe que nunca os tinha deixado sozinhos tentaram e como tentaram...Falaram com José, replantaram em seu coração novas sementes para a continuidade do caminho, mas o terreno estava desértico, parece que já não existia vida ali. A mãe e a Jovenzinha que tanto o amavam usavam todas as suas forças, todas as suas armas, buscavam todos os meios, todas as saídas, mas estavam enfrentando algo nunca antes visto, elas não sabiam mais o que fazer, era uma batalha desigual! Por estas terras quando é tempo de inverno toda semente dá fruto. Dá gosto olhar para o campo e perceber o verde tomando conta do cenário, mais parece um mar que banha todo o entorno do homem sertanejo. Há vida por toda parte, seja ela visível na diversidade da flora ou da fauna e,até mesmo na zoada da meninada lá no quintal, dentro de casa e ao longo de todo o caminho, pois em toda canto tem menino! Na casa da Jovenzinha as crianças que poderiam fazer parte daquela zoada toda não eram tão ousadas, pois a condição de saúde de cada uma não permitia. Era papeira, catapora, calazar e tantas mais que surgissem no entorno, parece que as doenças já conheciam aquele endereço. Pelo que se conta, se não fosse a fé em Deus e a presença das velhas rezadeiras daquele lugar a família teria diminuído algumas outras vezes.
Mas mesmo diante deste cenário tão sofrido, a alegria sempre estava por perto. As meninas se divertiam com o filho de José como se ele fosse o brinquedo de verdade que elas tinham acesso e tudo isso amenizava a angustia da longa espera pela felicidade tão desejada por crianças, mulheres e velhos. A Jovenzinha, a cada findar do dia, olhava para o horizonte, elevava uma prece a Deus e aguardava o que estava por vir. Seu coração cheio de esperança, mas também amedrontado com o passar dos dias nos quais não enxergava em seu amor a mesma sintonia. Se no inverno o encantamento era tanto, no verão o desânimo não conquistava adeptos. Quando ele chegava, o verde ficava cinzento, das flores restavam pequenos e irreconhecíveis sinais, e das crianças, choros e alguns ais. Todavia, logo ali elas se distraiam e voltavam a brincar, comendo rapadura e de mãos dadas, girando na roda até cansar.
Pra não alongar esse relato, quero lembrar da força transformadora do amor. José e a Jovenzinha
iniciaram uma história que fez muita gente suspirar, era um casal muito querido, trabalhador e cheios de sonhos. Ele pescava, quebrava pedra pras construções, plantava, brocava e vendia algumas coisinhas na gurita à beira da estrada aos viajantes que por ali trafegavam. Lembro do pão doce e da tia que por vezes o ajudava. E, ela cuidava da casa, das coisas da família, dos cinco filhos e do coração do José, mas como foi dito nesse coração só se via agora as realidades do verão. Ele certa vez,ao chegar em casa tirou seu relógio, chamou a filha mais velha, a entregou seu relógio e disse:"EU vou embora". O coração da pequena criança, sem nada entender caia em pranto e, de novo a Tia ir buscá-lo fazendo-o retornar à casa. Mas quem diz que vai, acaba um dia por ir de verdade. E se isso acontece, só quem ama é capaz de continuar o caminho.Diante de tais situações a Jovenzinha silenciava, pois achava que nada mais tinha a dizer, todavia em seu coração silêncio não existia, era um verdadeiro turbilhão de emoções controladas pelas sementes de amor plantadas há algum tempo e, que agora eram obrigadas a se revestirem de sementes de dor, mas uma dor insistentemente amorosa. Ao amanhecer, José entristecido, angustiado por perceber que Ella tomava todo o espaço da Jovenzinha, se acabrunhava mais ainda por saber que este caminho só tinha deixado rastro de tristeza e indiferença naqueles que ele tanto sofrera pra gerar. Às escondidas, tomara em suas mãos o que seria seu fim. Distanciou-se por um breve instante e, na ânsia de viver plenamente, quis consertar de uma vez por todas todos os seus erros...triste ilusão... Ninguém conserta os erros, se resistir mais um pouco quem sabe poderá amenizar suas consequências, mas uma vez tomada alguma atitude suas marcas ecoarão na história. As crianças que brincavam no terreiro da casa ao lado, a mãe da jovenzinha, o leite que mataria o efeito do líquido de morte, a toyota do patrão, o olhar assustado da Jovenzinha, que nada sabia do acontecerá,
nada, nada pode resolver a tragédia.
As decisões tomadas imersas na dor, só podem causar mais dor.
14 de abril de 1982, quarta feira... O sorriso parou, a gargalhada também, a lágrima caiu e agora, silêncio... o filho de José gritou algo, pareceu chamar a doce palavra que quando dominasse a linguagem não teria pra quem repeti-la: "pai"...ecoou nos ouvidos de quem amou, amou até o fim.
Aqui cabe um profundo silêncio... cabe também ausência de letras e um aceno, quase imperceptível aceno...
Depois de então, o vazio e as recordações pareciam criar vida e sufocar os corações de todos os que ali ficaram, era insuportável olhar a estrada pela qual José foi e não voltou.
Vão-se de repente para outra cidade, no caminhão as lembranças do amor e as marcas da dor. Os poucos móveis e malas não traduzem a variedade dos sonhos de outrora. E de cima do caminhão, do pouco fica muito pela estrada, só não cai a dor e o amor que será a força para fazer das sementes plantadas árvores frondosas.
Daqui pra frente tudo mudou, a sala ficou pequena, a casa já não tem alpendre, nem tem compadres que por léguas foram separados, percebe-se a falta das crianças a brincar no terreiro da frente enquanto eram contadas tantas histórias... De fato, a dor existe, mas se ela não existisse talvez o amor não fosse tão forte.
Que venha o tempo pra trazer sonhos, pra regar a planta plantada pelo sonho de amar.
O que me parece é que o tempo veio, as sementes deram frutos, os frutos foram colhidos e o tempo continua a passar mais rápido do que consigo perceber. E só quando paro um pouco para escrever vejo que em meio a dor o amor foi mais forte, por isso continuamos, por isso estamos aqui, por isso você bebe desta história, por isso continuamos a viver. Se fosse só amor não sei se estaria aqui, se fosse somente a dor, não tenho certeza se resistiríamos... é pela dor e pelo amor que hoje sabemos o quanto somos felizes.Recolher