Projeto Heranças e Lembranças
Entrevista com Simão Fraifeld
Rio de Janeiro, 17/11/1986
Código da entrevista: HL_HV072
Realização Museu da Pessoa
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – O senhor nasceu aonde?
R – Eu nasci na Rússia.
P/1 – Na Rússia?
R – Porque... Dizia, naquela época, ...Continuar leitura
Projeto Heranças e Lembranças
Entrevista com Simão Fraifeld
Rio de Janeiro, 17/11/1986
Código da entrevista: HL_HV072
Realização Museu da Pessoa
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – O senhor nasceu aonde?
R – Eu nasci na Rússia.
P/1 – Na Rússia?
R – Porque... Dizia, naquela época, ‘Rússia’, mas eu não sei o que vão dizer amanhã, não é? Bessarábia. Mas eu nasci na Rússia, no Mogilev-Podolski. [Atual “Mohyliv-Podilskyi”, cidade localizada Ucrânia].
P/1 – Como é o nome?
R – Mogilev-Podolski.
P/2 – Uma vila.
P/1 – O senhor nasceu quando?
R – Ah, essa agora está...Eu nasci em dezembro de 1902, 25 de dezembro de 1902.
P/2 – No Natal.
P/1 – E o senhor chegou aqui quando?
R – Eu cheguei em 1922.
P/1 – E saiu de lá quando?
R – Eu saí de lá em dezembro, em dezembro mesmo. [Saí em] 30 de novembro, cheguei no Brasil em dezembro. Eu devia ir para os Estados Unidos, mas naquela época não deram visto. Eu fiquei lá, (meu mania?), esperar quase dois meses. Ia para os Estados Unidos, mas não deram visto. Infelizmente – ou felizmente –, vim para o Brasil.
P/1 – E o senhor saiu de lá por quê?
R – Saí de lá por causa do antissemitismo, não é? Eu tinha 20 anos e não queria servir o exército. Não queria servir exército. Saí de lá por causa disso, porque não queria servir exército. Eu estava... Os meus pais estavam muito bem lá, a família toda, mas eu não queria servir, e queria ir para os Estados Unidos. Fiquei em Bucareste por dois meses, mas não consegui visto para os Estados Unidos e vim para o Brasil.
P/1 – E como era a sua família lá?
R – Minha família? Minha família estava muito bem, nas terras. Meu pai tinha moinho... Moinho, sabe o que é moinho, não é?
P/1 – Sei.
R – Para milho. Ele estava muito bem, mas eu não queria servir, não queria servir.
P/1 – O senhor tinha quantos irmãos lá?
R – Nós éramos em sete filhos, dois ficaram... Dois que morreram lá, ficaram cinco. Mas eu fui o primeiro que veio para o Brasil. Meu irmão mais velho esteve nos Estados Unidos e queria ir para os Estados Unidos, mas não conseguiu visto por lá, porque naquela época era muito difícil. Não queria vir para o Brasil, queria ir para os Estados Unidos, mas não conseguiu o visto e veio para o Brasil.
P/1 – E seu pai trabalhava em que lá?
P/2 – Moleiro?
P/1 – Ah, era moleiro.
R – Como é?
P/2 – Moinho.
P/1 – No moinho. E como era a cidade que o senhor estava?
R – Lá onde eu morava? Bom, era Mogilev-Podolski. Uma cidade muito pequena, quase uma roça, sabe? (rindo)
P/1 – Era uma cidade do campo, de camponeses?
R – Não, não é de campo. Era uma cidade pequena, mas não era de campo. Era uma cidade pequena, naquela época tinha mais ou menos vinte mil habitantes.
P/1 – Tinha muitos judeus na cidade?
R – Não, não era [de] judeus não. Uma parte eram russos e uma parte de judeus.
P/1 – E a sua família lá era religiosa?
R – Religiosa. Ah, sim. Noventa por cento dos nossos amigos eram religiosos. Mais, mais do que noventa por cento.
P/1 – O senhor pode contar um pouco como eram as festas, os casamentos?
R – Bom, as festas lá eram de sábado. Era sagrado. Se usava... Acender uma lâmpada, uma vela, e um dos nossos patrícios... Porque me lembro, na minha época, que acendia... Chamava-se um goy de fora para acender uma vela sexta-feira à noite, ou no sábado. Era melhor de se fazer chá, uma tigela, no samovar... Compreende? Botar (trecho inaudível). Era religioso, uma coisa fora de série. E eu me lembro, me lembro como se fosse hoje. Tinha poucos anos que meu avô tinha lá um moinho arrendado de um general russo. General da Rússia é rei, não é igual aqui, general. Sábado ele foi ver o moinho e me lembro como se fosse hoje: meu avô não saiu com chave, mandou as chaves com um porteiro para abrir, e não queria sair de casa para abrir para um general da Rússia, para abrir a porta no sábado. Era uma coisa sagrada. Sabia que nem lavava-se as mãos com sabão no sábado? Uma história muito longa.
P/1 – Eu queria que o senhor contasse essas histórias. O que os senhores comiam lá? O que se conta? Como era feita a comida?
R – (rindo) Comida lá era tudo kosher. Nada era de coisa com sal, era tudo kosher. Sexta-feira, seis horas, era uma coisa: precisava de um fósforo para acender uma vela... Era uma coisa fora do sério, sábado era uma coisa! Estou dizendo o que eu me lembro; eu tinha, sei lá, doze anos, quando meu avô tinha arrendado um moinho de um general russo, general russo __________. “Ele vem sábado ver o moinho.” Meu vô não saiu. Para abrir os portões ele mandou uma pessoa com chaves, para abrir e mostrar. Ele nem saiu sábado para abrir, as chaves para abrir moinho. Eu me lembro, tinha, sei lá, doze anos, onze anos.
P/1 – E o senhor estudava lá? Estudava na escola, estudava...
R – Estudava nada. Tinha o chêder, escola ___________. Infelizmente eu não queria estudar. Eu fugi de casa, me escondi e não queria estudar. Meu pai era muito rico, e tinha professor (para?) duas pessoas lá. Tratava o professor, ele comia na nossa casa, sabe como é? Mesmo assim eu não queria estudar. Eu fugia, me escondia num canto e não queria estudar.
P/1 – E como eram as relações entre judeus e não judeus na cidade?
R – Era uma coisa muito séria. Cinco por cento da população, não era? Judeu acho que cinco por cento que lidava conosco, o resto era goy. Sabe o que é goy? Eles viviam numa casa, queriam um pouco de água, um frasco para tomar água, e não queriam dar a eles porque eles eram churetz. Era uma coisa espantosa, era santo que eles fizeram... Sozinho, sozinho. Goy era uma coisa fora de série. Também não prestava aqueles goy; eram ladrões, eram... E assim foi a vida. Era muito difícil lá na cidade pequena, na cidade maior era melhor. Mas na cidade pequena era uma coisa seríssima, e também uma coisa... Sabe? Um goy queria um pouco de água e não queriam dar a ele nada __________.
P/1 – Os judeus não davam, também?
R – Não davam à goy, ficavam tudo ________. Era uma coisa séria.
P/1 – Mas, por exemplo, o seu pai arrendava um moinho de um goy, não é?
R – Sim.
P/1 – Quer dizer que tinha negócios entre...
R – Sabe? Lá na minha terra, eu me lembro que de um dote de dez mil, uma pessoa, uma moça ídiche casada com goy. Era uma coisa louca, era excluída da família completamente, e nem podia passar em casa. Era (scherieg?) – difícil –, um negócio sério. Era um negócio de dez mil a quase quinze mil que acontecia, de uma moça se apaixonar por um goy. Era uma coisa louca, os pais ficavam mishigne, ficavam loucos. E assim, infelizmente, quando um goy tem casamento... A ídiche nunca foi.
P/1 – E quem determinava quem ia casar com quem? O senhor tinha uma irmã?
P/2 – Ela está perguntando se havia shadchan.
R – Sim, claro, havia mulheres. Olha, o negócio era comigo. Eu estou no Brasil desde os vinte anos, estava no Brasil havia três anos, e bem. Voltei para minha terra... Eu voltei pra lá, porque o meu pai não queria... Eu me naturalizei brasileiro. Eu me lembro como se fosse hoje. Eu fui [na casa do] Afonso Pena, Ministro da Justiça. E olha, ele tinha uma casa... Eu morava em Barra Mansa, eu era líder. O único ídiche, mas era líder lá na sociedade (itacoracosa?). Nunca me dava negócio ruim, se eu quisesse casar com uma moça lá, de, sei lá, de Juiz de Direito [Lemgruber, amigo de Barra Mansa], a moça de lá, mas sempre era firme. Fiquei lá em Barra Mansa, e quando eu fiquei três anos e meio, eu queria ver meus pais e parentes lá e me naturalizar brasileiro. [Mas] me disseram: "só em cinco anos", não podia ficar três anos e ir embora. Eu era meio político lá em Barra Mansa, e Afonso Pena Fontenele era chefe de polícia, era sobrinho do Afonso Pena. E num banquete que tinha lá em Barra Mansa, eu cheguei... Eu também fui convidado para aquele banquete, eu me dava... Morava na casa de Juiz de Direito, num palacete, me tratava feito um menino. Mas sempre... Mas tem que sair. E na festa ele estava lá, o banquete que deram para ele, e eu queria voltar para ver meus pais, e para naturalizar me disseram que em cinco anos, não podia menos que cinco anos. Você, brasileiro, disse que [tinha que] estar no Brasil por cinco anos, e eu estava há três anos e meio. E eu cheguei lá naquele almoço do doutor Fontenele e: “tenho um pedido para ti. O senhor sabe, eu moro aqui no (vale?) e vim falar com o senhor que ___________. Eu queria pedir que o senhor me desse a carta, uma carta para o seu tio me dar para eu me naturalizar. Eu estou a três anos e meio, e, infelizmente, não posso.” Ele olhou assim para mim e: “bom, agora está... Mas terça-feira...”. Mas foi dito e feito: terça-feira ele deu a carta para o tio dele, que era Ministro da Justiça, o Afonso Pena. Me deu uma carta: "meu caro amigo, tio, caro tio amigo...”, coisa e tal, pedindo. Eu cheguei lá com lágrimas, entreguei ao Ministro da Justiça, Tiradentes... Lembra? Naquela época era Ministro da Justiça. E cheguei por lá com lágrimas, dizendo que queria ver meus pais, mas que infelizmente não podia voltar, que se eu voltasse eu seria preso lá, porque não queria servir [o Exército] e estava no Brasil. Então ele olhou assim para mim... Era uma pessoa boa, me recebeu tão bem, justíssima; olhou para mim e disse: “Bom, semana que vem o senhor passa aqui e volta que eu vou dar uma ordem, ver o que pode ser feito.” Eu pensava que era uma coisa para um Ministro fazer. Foi dito e feito. Na semana seguinte eu passei por lá, já tinha a carta pronta para Barra Mansa, para registrar lá no cartório que eu estava a mais do que cinco anos. Olhei a carta... Eu tenho cópia, eu tenho cópia do Ministro da Justiça, cópia _________ registrando que eu estava a mais de cinco anos. Foi dito e feito: registrei e voltei para minha terra. Tinha negócio aqui em Barra Mansa que estava muito bem, eu pensei que não voltaria mais para o Brasil. Meus parentes tiveram lá uma nova casa, (deixei meus negócios?)... Mas eu cheguei por lá, vi uma miséria muito grande, essa coisa toda, socorre a todos... Gastei muito dinheiro lá. Voltei, voltei para o Brasil.
P/1 – A miséria estava lá por quê?
R – Lá sempre era uma coisa... Sabe, não tinha nada. Estava lá, estava muito mal, não tinha... Dez por cento da população vivia muito bem; pois bem, dez por cento: noventa [por cento] era tudo gente pobre.
P/2 – Vivendo de esmola. Mas ela quer saber do schadchen...
R – Schadchen é o seguinte... Lá em nossa terra, são mulheres – a maioria são mulheres, schadchen. Tem mulheres, homens são poucos, tem mais mulher schadchen... Então, quando cheguei do Brasil lá em minha terra, eu estava muito bem. Estava muito bem, ganhei muito dinheiro lá Barra Mansa. Eu cheguei para minha terra, Mogielv-Podolski, uma cidade pequena, e nós chegamos em três: eu, _________
[nomes de pessoas], –meu amigo
_______ –, tinham ido comigo para lá. Cheguei lá e aquelas schadchen: “tem moças assim...” [Eu] sempre muito sério, era muito bonitão, cheio de cabelos, rapaz de 23 anos, estava muito bem; todo mundo sabia o que eu tinha feito com meus pais, comprei uma casa para eles, e quando cheguei lá, dei dinheiro para todo mundo e tal. E chegavam lá aquelas schadchen, então eu apelei para elas: “pelo amor de Deus, o caso é o seguinte: eu tenho 24 anos e tenho que voltar para o Brasil, e sabe uma coisa? Eu vou conseguir e vou pagar, mas não tem isso... Vieram pedir aos meus pais, meus pais falaram comigo... Sabe cidade pequena como é que é __________, uma coisa. Eu vim aí passar, dois meses atrás... Não venham para me aborrecer e amolar meus pais, eles ficam nervosos. Eu vou me casar e vou pagar vocês.” Acontece que, três semanas antes de voltar para o Brasil, eu devia tirar uma fotografia para o passaporte para [poder] voltar ao Brasil, e a minha senhora, que eu estava, era fotógrafa... Tinha lá uma fotografia, infelizmente eu não trouxe, mas tem, e depois vou lhe mostrar. Era muito bonita, a moça mais bonita de lá, da cidade. E eu fui lá para tirar retratos para o passaporte e voltar para o Brasil, mas ela mexeu muito com a minha cabeça. Fui lá para tirar passaporte e por ter que tirar logo. Era muito bonita, me apaixonei por ela (rindo). E só isso. Entrei, entrei, três semanas depois nos casamos. Entrei para uma das mais... Melhores famílias de, entende? Era líder, [de] família muito boa, gente muito boa e... Mas sei que fiquei noivo e três semanas depois nos casamos e voltamos para o Brasil.
P/1 – Se casaram lá?
R – Nos casamos lá e voltamos para cá. E eu estive em Barra Mansa, já tinha já falado para lá. Me arrumaram uma casa muito bonita, com pilares, essa coisa toda, e vim para cá com ela. Fiquei num hotel aqui muito lindo, quando estive lá naquele hotel. Era lá no Marques de Abrantes, era 25, um hotel muito familiar. Cheguei com ela... Ela não gostou muito do Brasil e tal, mas fiquei aqui, e depois a levei para lá, para Barra Mansa. [Trecho inaudível], mentira! Cinco por cento de... Como esse Brasil mudou. Eu falei lá que um cliente meu era (contador?), que eu _________, que venho falar, no turno da noite chego às dez horas. Saí daqui às sete, cheguei lá em Barra Mansa às dez horas. Chegamos na estação, Juiz de Direito, prefeito, esperavam por nós na plataforma. E fiquei com lágrimas nas mãos. Minha senhora não sabia duas palavras... Dizer boa noite, falar boa noite. Eles me receberam no hotel, fizeram lá um chá, banquete, eu cheguei para o Juiz de Direito – era muito meu amigo: “Doutor Lengruber, me desculpe a minha senhora que não sabe falar.” “Sim, mas deixe estar que daqui a pouco ela fala melhor do que você.” Essa coisa toda. Enfim, ela ficou lá. Negócio de uns seis meses ela disse que não quer ficar no Brasil de jeito nenhum. Era tudo: ela não sabia falar; o único ídiche lá era eu, e essa cidade muito ________. Não sabia falar, queria voltar: "Voltar como, ________? (Não dá para?) voltar de jeito nenhum!” “Voltar, voltar...” Digo: “O que posso fazer? Acaba comigo?” “Sim, eu vou.” Chego para cônsul da România, para dar visto, ele diz que não pode dar visto porque nós saímos de lá, e tal, que não dá visto para nós porque eu não servi [como] militar. Digo: “Ah, minha senhora, não adianta mais nada, nós vamos ficar aqui.” “De jeito nenhum”. Ah, e tal, tal, tal, ficamos aqui. E assim foi minha viagem, assim foi minha vida. Eu trouxe dezesseis pessoas da Europa, dos meus parentes, durante a guerra e antes da guerra, e infelizmente não tive o prazer de conhecer nosso grande líder, não conheci ele. Mas casamentos, e tal, era uma coisa só... Todos os meus sobrinhos, casei todos eles aqui, todos aqui, e assim foi uma vida.
P/1 – O senhor falou que quando estava saindo de lá queria ir para os Estados Unidos, mas não teve visto, não é?
R – Eu queria ir para os Estados Unidos, mas não tinha visto. Estive em Bucareste [durante] seis semanas, tinha lá um irmão meu, eu queria ir pra lá. Mas lá, infelizmente, naquela época não deram visto para os Estados Unidos, aí eu vim para o Brasil.
P/1 – Aí o senhor conseguiu visto para vir pra cá. Por que o senhor pensou, então, em vez de ir para os Estados Unidos, vir para o Brasil? Era o único lugar?
R – Filha, para onde é que eu ia? Era o único lugar que eu tinha. Tinha um amigo que me recebeu aqui, o Henrique Diamante, ele era meu professor. Quer dizer, eu não pude ir para os Estados Unidos.
P/1 – Aí o senhor veio para cá. Veio de navio?
R – Vim sozinho, lutei.
P/1 – Chegou aonde? Em que cidade?
R – Cheguei no Rio [de Janeiro]. Cheguei com uma roupa bem quente, quente, era preta. Na Europa era clima... O clima do Brasil mudou, naquela época era uma coisa louca em dezembro. E chorei como uma criança. Mas o que podia fazer? Não podia voltar.
P/1 – O senhor conhecia alguém aqui?
R – Fiquei aí no Rio por três meses. Andava com esse Henrique Diamante, ele era meu professor, me levou à Cascadura, à Madureira. Eu fiquei aqui, depois vi que uma coisa não dava certo, eu queria voltar para minha terra. Eu ia ser preso lá, mas aqui era um calor! E não tinha ninguém, sabe? Queria voltar, e pensei: “Sabe de uma coisa? Eu vou para um lugar pequeno.” – não sei o que me deu na cabeça – “eu vou para uma cidade aí, pequena.” Tinha aí Henrique Schechtman, do _________, também, sabe? Tinha comprado. O Henrique Diamante me deu a crédito lá do Henrique Schechtman e levei dez cortes de seda lavada, naquela época se usava. Sabe aquela seda lavada? E disse: “vou para o interior.” Me deu na cabeça ir para o interior. Eu não sabia falar quase nada, as palavras, tal . E fui para Barra Mansa. Foi a primeira cidade, primeira cidade aqui, Barra Mansa. Imagine, eu não sabia falar, falava duas palavras, três. Cheguei lá, comprei passagem, e ele pensou que era Barra do Piraí... Eu pensei que Barra do Piraí, mas deu a passagem para
Barra Mansa. Fui para Barra Mansa, saltei lá, e foi assim: não tinha ninguém, e com lágrimas nas mãos. Tinha um hotel, um só hotel lá em Barra Mansa. Entrei lá, tal, e: “Rússia, Rússia, eu sou russo, da Rússia” (rindo). Uma senhora que estava lá no hotel, viúva, de idade, me viu com lágrimas nas mãos e dizendo que cheguei da Rússia, com aqueles cortes de seda... Ela me deu chá, biscoitos. Eu dormi a noite inteira, mas de manhã, cedo, me levantei, tomei banho e saí com aqueles cortes de seda.
P/1 – O senhor tinha trazido os cortes de seda para vender?
R – Cortes de seda. E era uma felicidade minha! Não sei o que Deus me deu... Porque isso fez muito bem para os meus pais, para parentes, amigos. Enfim, entrei lá, vi a cidade pequena, quase uma rua só, e tinha o resto de Minas. Em um dos lados era gente mais pobre, do outro lado era gente mais rica... Da quinta casa do hotel viu uma casa muito bonita. Bateu na porta. Então uma empregada saiu e: “o que é que há?” Disse: “corte de seda da Rússia, e tal”. Chegou lá então uma senhora muito inteligente, muito fina, não tinha filhos e mandou-me entrar em casa. Eu comecei, com lágrimas nas mãos: “Cheguei da Rússia com aqueles cortes de seda.” Ela telefonou para as amigas – olha, poderia sair um livro –: "Olha, chegou um russo bonitão aí com cortes de seda, vocês venham ver.” Não demorou meia hora. Sabe, Juiz de Direito, numa cidade pequena, é maior. Ela – essa senhora – me vendeu os cortes todos, e eu era feliz, uma coisa louca. Fui embora... Depois foi minha vida, voltei para Barra Mansa, trabalhei lá. Minha sorte era que sempre entrava com a elite. Porque lá tem o oeste de Minas, do outro lado, com os operários, mas eu entrei desse lado de gente fina, entrei lá. Depois já voltei para Barra Mansa outra vez. Fiquei lá dois meses, abri uma casa de móveis e...
P/1 – Depois de dois meses o senhor abriu uma casa de móveis?
R – É, dois meses depois eu abri uma casa de móveis. Dois meses depois, e tinha crédito. Era Jacob Sheinkman, nessa época.
P/1 – Tinha outros judeus lá?
R – Não, eu era o único. Mas a minha sorte era que ‘me entrei’ com a elite. Não me dava com... Lá tinha duas zonas: uma operária e a outra era de elite, naquela cidade. E eu me dava muito bem lá. Abri uma loja e todo mundo me tratava muito bem. Tinha gente que ficava pra casar, dois, três meses depois, gente que deu chave de casa e disse assim: “Simão, eu vou me casar em maio, você mobília a minha casa.” E me dava a palavra, sem perguntar preço, sem saber quem eu era, diga quem tinha imóvel. Assim que eu fiz lá. E fiquei lá Barra Mansa quatro anos, quatro anos e meio, ganhei muito dinheiro. Depois vi que a cidade era muito pequena para mim, e eu queria ir para uma cidade maior, que tinha ido quando fiquei lá sozinho. Fui para Guaratinguetá, depois para Petrópolis. E assim foi a minha vida, e foi muito longa, essa vida minha é muito longa. Em pensar que quando vim para o Brasil fui recebido como se fosse minha casa...Recolher