Minha infância foi de certo modo curta, fui apresentado para algumas verdades do mundo desde muito cedo. Meu pai saiu de casa no mesmo dia em que eu completei 1 ano de idade, talvez esse possa ser considerado o primeiro grande marco da minha infância. Cresci em uma casa sem outras crianças, na ve...Continuar leitura
Minha infância foi de certo modo curta, fui apresentado para algumas verdades do mundo desde muito cedo. Meu pai saiu de casa no mesmo dia em que eu completei 1 ano de idade, talvez esse possa ser considerado o primeiro grande marco da minha infância. Cresci em uma casa sem outras crianças, na verdade em mais de uma casa, minha mãe teve um relacionamento não muitos anos após a “saída” de meu pai, o namorado dela não tinha nenhum filho e não gostava de crianças, e, no geral, comigo não foi muito diferente, eu não tive um bom início de relação com ele.
Aos meus 3 anos de idade, minha mãe se mudou para a casa do agora então seu marido, logicamente me levando com ela. Vivi naquela casa durante 6 anos da minha vida, porém nunca me senti em casa, sentia que a minha presença era um incômodo para o marido da minha mãe, mesmo nunca me referindo àquele lugar como “minha casa”, foi lá que eu descobri uma paixão até então escondida em mim, uma paixão por motos. Meu padrasto fazia parte de um Moto Club, mesmo não criando um laço afetivo muito grande comigo, foi graças a ele que eu formei alguns de meus gostos musicais.
Dos meus 4 a 6 anos o acontecimento mais marcante que tive de enfrentar foi a morte de uma amigo, minha mãe nunca me tratou como uma criança inocente, então a morte nunca foi um tabu para mim, nem mesmo nessa época.
Dos 6 aos 8 anos, foi um período muito importante na minha vida, devido ao fato de ter sido o tempo em que eu mais me aproximei daquele que teria sido minha primeira e maior figura paterna: meu padrinho. Eu sempre fui muito próximo do meu padrinho, foi ele que esteve comigo no hospital quando tive minha primeira internação após ter enfrentando alguns problemas de saúde. Durante esta época eu via ele como meu verdadeiro pai, cogitando até mesmo fugir de casa para morar com ele, minha madrinha e sua filha.
Como a filha deles e eu havíamos sido criados juntos, ela era o mais perto que eu já havia tido de uma irmã. Eu até possuía dois irmão mais velhos, porém como não fomos criados na mesma casa, nossa relação não era mais próxima do que a de três estranhos, porém mesmo tendo sido criado com ela, a diferença de idade era grande o suficiente para que não existisse uma aproximação emocional entre ambos. Mas eu amava os pais dela como sendo os meus próprios, eu tinha o tipo de amor e confiança cega que somente existe entre um pai e um filho, o que tornou ainda mais doloroso e traumatizante o que viria a acontecer futuramente.
Dos meus 9 a 12 anos eu passei por diversas escolas diferentes, pois eu acabava não ficando muito tempo no mesmo colégio, devido a problemas como constantes brigas com colegas e professores, chegando à violência física em certos momentos. O fato de não ter tido muito contato com outras crianças quando menor, me fazia agir de maneira muito antissocial em meio aos meus colegas, o que me impedia de fazer amizades. Porém tudo mudou quando eu entrei para o para o 8º ano escolar, nesse período eu já me encontrava na 4º e última escola. Como de costume, tive grandes dificuldades para me enturmar, a maioria dos outros alunos desistia de tentar me conhecer logo no começo, exceto por um, aquele que foi a primeira pessoa que me olhou sem preconceito, e mesmo após ter visto o quão difícil eu poderia vir a ser, não desistiu de mim. Este que não só se tornou o meu melhor amigo, mas também meu irmão, uma das pessoas que eu mais amei em toda a minha vida, com ele eu poderia ser eu mesmo, e ainda assim ele me achava incrível. Contudo, nessa que parecia ser uma das melhor épocas, tive de enfrentar o pior momento da minha vida. Aos meus 12 anos de idade, eu fui vítima de um abuso sexual, a pior parte é que não foi um estranho qualquer que me atacou em um local desprotegido, mas sim alguém que eu conhecia, alguém que eu amava mais que tudo, aquele que eu havia adotado como meu pai. Eu
nunca vou saber o que levou meu padrinho a fazer o que fez, acho que talvez não exista uma explicação.
Então, lá estava eu, com apenas 12 anos, quando eu estava começando a sair da minha caverna, me encontro sem confiança, eu sentia que havia sido abandonado de qualquer sensação de felicidade, parei de ir à escola, não conversava mais com ninguém, e a maior parte do tempo eu passava dentro do meu quarto trancado com medo de que se deixasse qualquer fresta aberta, alguém poderia entrar. Me afastei daquele que foi meu primeiro amigo de verdade, e senti que por mais uma vez, eu estava sozinho.
Levei muito tempo para voltar a me sentir parte da sociedade. Aos 13 anos de idade, consegui meu primeiro emprego, não era o ideal para tratar do que eu estava passando, mas pelo menos
me mantinha ocupado. Dos 13 aos 15 anos, trabalhei em diversos lugares, desde mercados até mesmo um posto de saúde, comecei a fumar, beber e ir a festas com pessoas que eu chamava de amigos, porém nunca considerei nenhum deles verdadeiramente. Nessa época, o que eu não esperava um dia veio a acontecer. Conheci uma garota, mas ela era diferente das outras, talvez a primeira com a qual minha aproximação não veio de algum tipo de tensão sexual, isso levando em conta que a própria não possuía atração física por mim, afinal era homossexual, e assim como eu, era alguém que já havia sido muito excluída por ser diferente e abusada por pessoas as quais ela amava e confiava.
Desde que tudo havia ocorrido, ela foi a primeira pessoa com quem eu pude me sentir confortável, foi a pessoa que me mostrou quão poderoso o amor pode ser, o mais puro tipo de amor que existe, foi a pessoa que me tirou da minha própria escuridão, nela eu encontrei a irmã que eu nunca tive. Ela se tornou alguém por quem eu mataria e morreria sem pensar duas vezes, foi a primeira pessoa que soube da minha história de abuso, e não me olhou com pena, ou como se eu fosse uma aberração. Graças a ela eu pude voltar a ter confiança nas pessoas, até mesmo me reaproximar daquele que foi meu primeiro amigo de verdade.
Após 3 anos convivendo com estas duas pessoas incríveis ao meu lado, eu pude me deixar amar e confiar novamente. Ao completar meus 17 anos eu conheci aquela que seria minha mais nova amiga. Ela que assim como eu era uma pessoa diferente e não compreendida, enquanto a maioria olhava para ela como somente uma boa e quieta aluna, eu via alguém que escondia um potencial imenso, me aproximei dela depois de observá-la de longe. Não demorou muito para criarmos um laço de amizade, porém devido ao meu, até então, histórico com garotas, ela não confiava muito em mim, eu fiz de tudo que estava em meu alcance para ser digno de conquistar a confiança e o carinho dela, e depois de algum tempo, comecei a olhá-la com outros olhos, me apaixonei pelo modo como ela falava sobre coisas que pareciam tão simples e ao mesmo tempo tão complexas, pelo modo como ela me enxergava não só por ser alguém a ser considerado engraçado ou inteligente, eu me apaixonei por ela, e para minha surpresa fui correspondido.
Depois de alguns meses desde que eu havia declarado meus sentimentos a ela, demos aquele que seria nosso primeiro beijo, foi em dos melhores momentos da minha vida, sentia como se fossemos somente nós dois no mundo. Ficamos juntos, por assim dizer, por algum tempo.
Por muito tempo eu desisti do ser humano, desisti até mesmo de mim, mas com essas três pessoas que me salvaram da minha solidão, da minha desconfiança
e de mim mesmo, eu percebi que assim como uma pessoa pode te fazer um mal que te leva à beira do abismo, são também as pessoas que podem estar lá para te segurar e te trazer segurança.Recolher