Eletropaulo
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista
de Francisco Campizzi Busico
Entrevistado por Liliana Schnaider e Rosali Maria Nunes Henriques
São Paulo, 21 de Setembro de 1994
Código: ADC_HV010
Revisado por Brígida Veiga Batista
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Eu gostaria que o senhor falasse, desse um breve histórico assim: nome, data de nascimento, nome dos pais...
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Bom, meu nome completo é Francisco Campizzi Busico. Eu nasci em São Paulo, capital, no Bom Retiro, em 24 de novembro de 1944. O nome do meu pai é Silvério Busico. Era. Falecido em 1987. E da minha mãe, Nair Campizzi Busico. Sou casado. Tenho três filhos.
Duas filhas e um filho. Essa minha filha é casada e me deu um neto, que tem dois anos. É... E estou prestes a ser bisavô. Vou ser avô de novo. Sou formado em Direito. Comecei a minha atividade profissional na Eletro. Na Light, então Light, em 1963. Mais propriamente no dia 26 de agosto de 1963. Naquela época não tinha office boy, nem contínuo. Era auxiliar de escrita. Então eu entrei como auxiliar de escrita. Eu tinha 17 anos. Fiz toda minha carreira dentro da Light. Minha vida inteira foi lá dentro. E criei toda minha família, constituí família, criei meus filhos em função dessa atividade, especificamente dessa atividade. Hoje ocupo outras atividades. Tenho outras atividades paralelas, mas a principal é o meu emprego na Light. Então Light, hoje Eletropaulo. Como eu disse, eu comecei nessa função de auxiliar de escrita e galguei todos os postos da carreira que um funcionário pode galgar na pirâmide da Eletropaulo, Light Eletropaulo, que é uma pirâmide. Dependendo de onde você tá localizado ela pode ser estreita, não é? Poucos têm oportunidade, ou com base mais ampla em determinadas atividades. Fui crescendo lá dentro, trabalhando na folha de pagamento, nessa condição de auxiliar de escrita. E naquela época era tudo manual, não tinha a informática não era tão... Era muito limitada ainda. E era tudo feito… Pra vocês imaginarem, o salário era puxado na mão, na caneta. E os pagamentos eram feitos dentro de um envelope com dinheiro, pelo pessoal da antiga tesouraria, né? Ou pagadoria. De lá eu fui até a função de encarregado de serviço, quando eu me formei em Direito, em 1972, 1971. Em 1972 eu colei grau e fui trabalhar na área de pessoal, nessa mesma função, encarregado de serviço. Depois fui fazendo a minha carreira dentro da área de recursos humanos. De encarregado de serviço passei a supervisor, de supervisor a chefe de divisão. Isso enquanto Light-Eletropaulo, na época Light, Light Canadense. Aí
de supervisor eu fui a chefe da Divisão de Benefícios, assessor do diretor de Administração e finalmente superintendente geral de Recursos Humanos, cargo que eu ocupei de 1981 até março de 1987, quando eu fui exonerado do cargo. É... Nesse ínterim, eu fui guindado a duas funções, ainda na empresa, mas paralelas, tá? A empresa criou a Fundação Braslight, cuja sede era no Rio de Janeiro, a Administração Central da Light de então era no Rio, canadense. E o escritório... A sede da Light era em São Paulo, mas a
Administração ficava no Rio, por razões de... Que os canadenses, imagino, gostavam mais de estarem próximos do mar, da praia, né? E eu lá nessa função, na Fundação Braslight, eu fui guindado ao posto de chefe do escritório em São Paulo, da Fundação. Foi uma época difícil. Isso aconteceu em 1974, porque ninguém acreditava no sistema de seguridade privada, e havia um certo descrédito, porque havia um desembolso. O funcionário tinha que pagar uma certa quantia para ter um benefício longe. Vocês imaginem que nessa época eu tinha 30 anos de idade, tava fazendo 30 anos, e só poderia me aposentar quando eu tivesse 46, 47 anos. Então, eu teria que pagar dos 30 aos 46, 47 uma quantia. Como eu, a maioria dos empregados que não tava num risco iminente, quer dizer, não estavam próxima à aposentadoria. Eram poucas as pessoas que se privilegiavam dessa condição naquela época. Então foi um trabalho muito difícil, com poucas adesões, nós tivemos que fazer adesões. E nesse espaço de tempo, a Light Canadense foi vendida para o Governo Federal, e assumiu a Eletrobras, assumiu a Light; e eu imediatamente fui guindado à condição de diretor de Administração. Eu não lembro se era de administração ou administrativa, mas a função... As atividades eram as mesmas, a nomenclatura que eu não lembro, acho que era diretor administrativo da Braslight, quando eu fui pro Rio, e fiquei um ano neste cargo. Por que eu voltei? Eu voltei porque já tinha começado a negociação da venda do subsistema São Paulo pro Estado de São Paulo, que em seguida aconteceu, em 1981, é...Com a criação da Eletropaulo em 21 de março de 1981 foi a data da criação da Eletropaulo. Quando assumiu... O Governo do Estado assumiu a condição de acionista majoritário do subsistema. Nessa oportunidade eu era chefe...Já tinha voltado, fiquei chefe de Divisão de Benefícios da Light de São Paulo, é... Porque eu fui convidado também pra continuar nessa função desde que eu ficasse no Rio, quer dizer, morasse definitivamente no Rio e me desvinculasse da Light São Paulo. Eu não aceitei, voltei pra São Paulo, e fui pra chefe da Divisão de Benefícios. Um mês ou dois, três meses depois... Perdão, uns nove meses depois, criou-se então a Eletropaulo, e eu fui chamado pra ser assessor do diretor de administração. Foi uma época difícil, porque foi exatamente...Tudo novo, quer dizer... O que acontecia? A administração central no Rio... Os cargos eram Rio-São Paulo. Então o superintendente de uma determinada área podia estar em São Paulo fisicamente, mas ele comandava Rio-São Paulo e vice-versa. Ficamos só nós, sem caixa, sem as contas de luz, como foi 21 de março, todas elas eram recolhidas pra Light Rio, Eletrobras. E nós tivemos que trabalhar arduamente nesse começo de atividade, porque os trocados da conta, quer dizer, os dias restantes, que, na verdade, em torno de nove dias, eram as... Os valores que ficavam pra Eletropaulo. Então ela nasceu praticamente sem caixa. E a partir daí, eu fui guindado, fui… Fiquei nessa atividade que compreendia assessoria nessa área. Na época, a superintendência de Recursos Humanos era vinculada à Diretoria de Administração; e dentro da Diretoria tinha a área de patrimônio, de transportes, de serviços gerais, de segurança empresarial, quer dizer, tudo isso em cima da assessoria. E, na verdade, éramos em três assessores. O diretor... Depois convocamos mais um, ficamos em quatro. Então foi uma época que se chegava sete e meia da manhã, sete horas...se saía às onze horas da noite; até, que na reformulação estrutural de organograma da empresa, adequando a empresa às condições de uma empresa desvinculada do sistema Light, eu fui convidado pra ser superintendente de Desenvolvimento de Recursos Humanos, porque existiam duas superintendências: a de Desenvolvimento de Recursos Humanos e a
Superintendência de Administração de Recursos Humanos. Essa situação permaneceu por alguns meses, num sei precisar agora, num tenho... A documentação tá lá. É... Durante alguns meses essa condição permaneceu, até que criou-se a... Fez-se a junção das duas superintendências numa só. Então ficou a Superintendência Geral de Recursos Humanos; e eu virei o superintendente. Uma função difícil, porque nós tínhamos um problema sério, que era uma defasagem de escala salarial muito grande em comparação com as outras empresas do Estado, principalmente daquelas do setor, tipo Cesp [Companhia Energética de São Paulo], Cia. Paulista de Força e Luz. E nós tínhamos que buscar essa recuperação, porque, na verdade, o sindicato atuava na Cesp, na Eletropaulo, isso levou-nos a buscar alternativas. E conseguimos através de um trabalho de equipe muito grande, com profissionais de primeira categoria. Talvez esse grupo fosse mais fraco na área de recursos humanos, conseguimos nos adequar aos padrões das demais empresas estatais do porte, do nível da Eletropaulo, porque... Eu lembro muito bem que naquela época nós viramos com 20 mil empregados, 19 mil e alguma coisa, 20 mil empregados. Hoje devemos estar em torno de 22 mil empregados. Foi o número que eu deixei em março de 1987, que me parece persiste até hoje. Hoje, setembro de 1994, né? Então essa busca de uma equiparação de um equilíbrio a nível salarial, a nível de benefícios indiretos foi uma perseguição que nós tivemos de 1982, praticamente, até 1987. Foram cinco anos de busca incessante. E conseguimos essa igualdade de tratamento, uma isonomia que chegou até não ser isonomia, porque nós... Numa certa época, nós ultrapassamos. Em função dessa atividade, eu tive um convite que eu não lembrei, não comentei antes, aliás, dois convites. Eu ocupei duas funções paralelas, ao mesmo tempo, de superintendente de Recursos Humanos. Eu fui convidado pelo então ministro João Sayad, que era o ministro do Planejamento, pra fazer parte ou constituir o Conselho Interministerial de Salário das Estatais, chamado CIS, em Brasília, que era o órgão vinculado ao Sest, Secretaria das Estatais, que era um órgão também vinculado ao Ministério do Planejamento. Quer dizer, houve uma certa projeção, em função desse trabalho, e nós fomos convidados. Eu só fui liberado desde que eu fosse, eu fizesse o double face, né, eu atuasse como superintendente de recursos humanos na Light, na Eletropaulo, e também tivesse essa função em Brasília. Então a minha vida ficou assim: às segundas eu ficava aqui, às terças, na hora do almoço, eu ia pra lá, ficava terça e quarta, e na quinta eu voltava, era quinta e sexta. Isso eu aguentei seis meses. Daí em maio de 1976, não, maio de 1985. Num período de janeiro a maio de 1985, dezembro de 1984 a maio de 1985. Então eu fui o primeiro coordenador de salários das estatais, que foi um órgão que foi criado em função da nossa ida, né, pra controlar. Na época, eram 452 estatais, vinculadas ao Governo Federal; e mais aquelas que indiretamente... Eram vinculadas ao processo federal, ou seja, por exemplo. A Eletropaulo ela é uma empresa do Estado de São Paulo, vinculada ao Governo do Estado de São Paulo, mas ela é uma concessionária do serviço público Federal, e o órgão concedente, o poder concedente, é o (Dinai ?), é o Governo Federal. Então, todos os acordos coletivos de trabalho que eram fechados através da negociação sindical iam pra análise do CIS. Havia muita influência política, na época, foi no começo do Governo Sarney, e era muito difícil você administrar os problemas de interesses genéricos aí, que envolviam todas essas condições. Se vinha um acordo da Petrobrás, por exemplo, o ministro me ligava antes da análise do acordo. Se vinha um acordo da Eletrobras, o ministro me ligava. Então era assim que funcionava. Era uma... Não pra criar problemas maiores, mas pedia um carinho especial, porque a categoria era importante, principalmente aquelas categorias importantes, né, isso só como exemplo. Aí eu fiquei seis meses nessa condição. Quando o CIS tava constituído, eu pedi pra voltar pra São Paulo, e deixei, e fiz o meu substituto lá, que era uma pessoa, se não me engano,
na época, ligada à CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos], que também tinha funções vinculadas... Ou ele não era da CMTC, depois foi ser o Recursos Humanos da CMTC. A função do CIS era assessorar o ministro do Trabalho de então, o ministro do Planejamento, o ministro da Administração e o ministro da Fazenda, nos assuntos vinculados à política salarial e de benefícios das empresas estatais. Aí é... assumindo só essa função na Eletropaulo, voltando então só à minha função, quando eu fui superintendente, a maior parte do tempo, durante o... Falando... Se ela é uma estatal, né, vamos falar em governo, durante o Governo Montoro, né. E nessa gestão, as estatais de energia elétrica tinham uma presidência unificada, e o presidente era o professor José Goldemberg. E
começou como Paulista de Força e Luz, Cesp, Eletropaulo, nessa presidência, e depois se agregou à Comgás [Companhia de Gás de São Paulo]. Com a saída do professor Goldemberg pra ser reitor da USP [Universidade de São Paulo], assumiu a presidência unificada das empresas de energia o professor Jacques Marcovitch, também era diretor da Faculdade de Economia e Administração da USP. E, logo que ele assumiu, me convidou pra ser o coordenador geral de recursos humanos das quatro empresas. Então foi uma atividade que eu tive, pra quê? Pra fazer um enlace de benefícios, de todas as atividades que envolviam pessoal, recursos humanos era um enlace, funcionavam como um enlace. E alguém precisava coordenar esse enlace. E eu fui convidado pra ser o coordenador da presidência na área de recursos humanos. Acumulado, eu fazia dois papéis, né, com a minha atividade de superintendente de recursos humanos, cujo vice-presidente da... Executivo da época, Dr. Sérgio Motta, não abriu mão de que eu continuasse nessa função. Mas eu era muito bem assessorado por um grupo extraordinário de funcionários de carreira da Eletropaulo, porque a Eletropaulo tava absolutamente...Ainda na cultura Light, né? Então havia mais facilidades. Depois houve um processo de modificação, ela teve que se equilibrar com as outras empresas. E havia...Houve também a influência, mais no processo político, dentro dessa atividade. Mas ela permanece muito da cultura Light ainda na Eletropaulo, porque ela foi a última a se agregar. Praticamente a Comgás já era uma empresa estatal, né? Foi a última a se agregar ao processo de estatais de governo, né, do Governo do Estado. A partir daí nós desenvolvemos várias tarefas dentro dessas tarefas, a gente concedeu alguns benefícios que foram marcantes, e marcam até hoje a nossa passagem pela área de Recursos Humanos. Uma delas foi a criação da cesta básica de alimentos, que não existia em nenhuma empresa, e a Eletropaulo foi a primeira a bancar essa cesta básica de alimentos através da Sbel [Sociedade Beneficente dos Empregados da Eletropaulo], que na época também eu exercia acumulativamente a presidência do Conselho da Sbel. E a gente consegue fazer com subsídios da empresa, implantar um sistema... Bom, porque a gente tinha grande percentual do quadro de empregados num nível menor, e a necessidade de dar algum subsídio em função de nosso poder na época, dar um salário, era dar comida, dar alimento. Implantamos também a condição, na minha época. Evidente que tudo isso teve a participação efetiva do sindicato. O Antônio Rogério Magri era o presidente do sindicato, na época. E a gente negociava juntos, né, essas condições de crescimento de benefícios. Implantamos o lanche matinal pra empregados... Primeiro pra empregados operacionais, porque o cidadão subia no poste às vezes sem nenhuma alimentação, em função da condição de vida, da qualidade de vida dele. E a gente procurou começar a melhorar essa situação. Depois implantamos o vale de almoço, também com preço simbólico. Na época era um cruzeiro. Hoje me parece que tá um centavo. Porque conseguimos verificar que se nós implantássemos de graça, o sistema de controle daria uma economia... O gasto com o sistema de controle da época, ele era cobrado na escala salarial, através de um processo cascata: quem ganhava mais pagava mais. Isso dava um trabalho enorme. Cada vez que havia a saída de um empregado, com pessoas... Muitas pessoas vinculadas nisso. Então nós conseguimos fazer um levantamento de custo e descobrimos juntamente com o superintendente financeiro, Ernesto Santos Filho, que era muito mais econômico a empresa ceder o lanche matinal e o vale-refeição de graça, quer dizer, cobrando uma taxa pra que não se caracterizasse o salário utilidade, né? E houve esse crescimento fantástico. A nível de RH partiu disso. Implantamos o primeiro plano de carreira da empresa, da Eletropaulo. Ele teve na minha opinião, foi um pouco deteriorado, sem nenhuma crítica a quem me substituiu, da ideia original, né? A gente tinha uma ideia um pouco mais
socializante, e um pouco mais, vamos dizer, piramidal, no sistema verticalizado do processo de aumento de mérito etc. e tal. E houve uma certa mudança. Se bem ou mal... Por bem ou por mal, eu não sei, porque eu não estou administrando. Cada um tem uma ideia. A área de Recursos Humanos é fértil nisso, né? A partir de 1986, se não me engano, foi uma das atividades que a gente exercia na área de Recursos Humanos era a atividade de lazer. Em 1986, se não me engano, nós conseguimos através de uma reunião com todos os
presidentes dos vários clubes que tinham, existiam na Eletropaulo, congregá-los num só clube. E a gente tentou e fez um esforço incrível junto com Takeo, que era o presidente, na época, inclusive uma pessoa de valor imenso a nível de briga na área esportiva dentro da empresa. O próprio Takeo, Toninho, Arnaldo, todas essas pessoas estavam juntas, Mizo, na ADC [Associação Desportiva Cultural], que tinha substituído a Acel [Associação Cultural e Esportiva Light]. E a gente fez um esforço muito grande e conseguiu unificar todos esses clubes num só . Foi na nossa gestão que criou-se efetivamente a ADC Eletropaulo. A partir daí eu acho que o impulso que a atividade de lazer esportiva na Eletropaulo tomou foi magnífico, espetacular. Como eu gosto muito de esporte, provoquei, nas várias competições que a ADC realizava, eu sistematicamente provocava o meu pessoal, no sentido de participar efetivamente, não participar, ganhar mesmo: olimpíadas, copas energia, copas
interdepartamentais. Eu não sei, mas imagino que foi a área que mais prêmios, troféus, competições ganhou na minha gestão, porque eu tinha uma facilidade também, que eu vou confessar aqui. Quando a gente ia selecionar o empregado, a gente sempre fazia algumas perguntas, como vocês me fizeram, se gosta de esporte, de lazer. E quando a gente tinha vaga, trazia essa pessoa pro nosso quadro, enfraquecendo um pouco o resto do pessoal aí das outras áreas. Mas isso foi muito bom, porque a gente criou um sistema competitivo que todo mundo quis igualar, iam buscar. Eu nunca me esqueço que a última olimpíada que nós participamos, nós tivemos a somatória de pontos de todas as outras superintendências não dava a metade da pontuação de recursos humanos. Se não me engano, ganhei 11 modalidades, 11 troféus. Ganhamos, né? Então essa é a nossa passagem por recursos humanos foi absolutamente gratificante. Agora, como tudo na vida, você tem uma proposta, e eu acho que meu tempo passou, né, a nível de proposta e pessoas mais jovens vão certamente continuar essa atividade, fortalecendo principalmente a união do pessoal, foi uma coisa que marcou muito a nossa gestão, porque a gente tinha a Light como uma família. Era uma empresa que passava de pai pra filho, né, na época da Light multinacional, da Light canadense. E como essa cultura prevalece, é evidente que esse pessoal que tá lá hoje, pessoal de brio, gente muito boa a nível profissional e mesmo pessoal, deve dar continuidade a esse trabalho todo que teve esse embrião, imagino na minha gestão, na nossa gestão, que foi uma gestão diferente, porque ela começou dentro da...Com o nascimento da Eletropaulo. Evidente que com o tempo passando, as coisas ficam... Se tornam um pouco mais, até mais fáceis, né, porque o duro era inventar, copiar é mais fácil. Em síntese é isso que a gente tem a nível de empresa. Paralelamente, eu fui convidado pelo, na época, Ministro Magri, em 1989, final de 1989, pra acompanhá-lo, como única escolha pessoal, em função da relação profissional que a gente teve, ele como presidente do sindicato, eu como superintendente de Recursos Humanos da Eletropaulo, e aproveitando que eu não tava exercendo funções como eu exercia antes, na empresa. Eu fui convidado pra ser chefe de gabinete dele, do Ministério da Previdência Social e do Trabalho, tinha sido unificado, e fiquei em Brasília um ano. Como único convite pessoal, a gente tinha uma postura diferente do pessoal que tava lá na máquina. E quem conhece Brasília sabe do que eu estou falando. E a gente não teve o sucesso, pelo menos pessoal, eu... Que esperava, mas na verdade nós demos um apoio muito grande a um amigo, né? Porque nós não tínhamos nenhuma vinculação, nada a ver com o Governo que estava se instalando ali, mas o convite era irrecusável em função da amizade que a gente tinha, e fomos pra lá. Eu fiquei de 15 de março de 1990 a 28 de fevereiro, 27 de fevereiro, 28 de fevereiro de 1991, quando eu pedi exoneração e não queria mais voltar pra área... Pro governo, tava voltando pra Eletropaulo. Mas ele me convenceu a assumir um outro cargo, desta vez em São Paulo, mas com abrangência nacional. E eu fiquei presidente da Fundacentro, Fundação Jorge Duprat de Figueiredo de Medicina e Segurança do Trabalho. Ela tinha sede em São Paulo, mas regionais em todo Brasil. Nesse cargo eu fiquei de 27 ou 28 de fevereiro, porque foi imediato, 1º de março, começo de março, de 1991 até abril 1992, quando eu pedi exoneração definitiva e me desvinculei da atividade junto ao Governo Federal. A Fundacentro financiava um trabalho muito parecido com o da Eletropaulo, porque eu peguei... Era uma entidade de pesquisa de alto nível, com cientistas, médicos, engenheiros de alto nível, mas que não tinham o reconhecimento federal, do próprio Governo do Brasil, como entidade de pesquisa. Eu dei a sorte do professor Goldemberg virar ministro da Educação, e antes secretário de Ciências e Tecnologia e ter o CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] vinculado a ele, junto dele. E o CNPQ era que dava ou não dava a condição de entidade de pesquisa às entidades governamentais que trabalhavam em pesquisa. E através de uma ação pessoal nossa
com o professor Goldemberg, nós conseguimos, depois de 25 anos, fazer com que a Fundacentro virasse uma entidade de pesquisa. Com isso, eu pude melhorar o plano salarial, basicamente eu fiz isso em um ano, do pessoal de lá que, com todo... Formação no exterior, pós-graduados, as maiores autoridades em pneumologia, em ergonomia, né, estavam lá; o pessoal de agricultura. E não ganhavam... Pra você ter ideia, a média salarial deles era uma média salarial, comparada com a da Eletropaulo de cargos de nível operacional. Então a gente fez essa mudança, mudou os estatutos, o regimento, e tirou o osso da carne, ela virou um pouco de filé mignon. E quem me substituiu teve um trabalho menos problemático nessa área, que até greve eu enfrentei, do que eu. Quer dizer, pôde se dedicar um pouco mais à atividade de pesquisa. Eu acho que é um problema de vida, de carma espiritual. Por onde eu passo a gente tem que criar alguma coisa. Foi assim com a criação da Eletropaulo, principalmente nessa área que eu atuo, da qual eu me despedi há algum tempo, e por onde eu estou passando. Espero ter um pouco mais de paz, sossego daqui pra frente. Em síntese, essa é a minha atividade profissional, né? Se tiver mais alguma coisa que...
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Se o senhor puder agora falar um pouco é... Da sua família... O senhor é casado...
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Bom, eu...A minha família é uma família maravilhosa. Eu me casei em 1968, 12 de outubro de 1968, com a Sibele. Eu estou fazendo 26 anos de casado. O ano passado eu fiz bodas de prata. Minha primeira filha nasceu em 1969, o nome dela é Francieli. Depois eu tive outra, se formou, hoje é casada, né, se formou na USP em História e é formada na Faap [Fundação Armando Álvares Penteado] em Comunicação. Depois casou, né, hoje é professora. Dá aula... Professora com... Eu não sei explicar muito bem, mas ela tem mestrado, fez na USP mesmo, acho que... Não sei se é proficiência, eu sei que tá habilitada a dar aula de curso primário à faculdade de História. A Francine, a minha segunda filha tem 21 anos, a Franciele tem 25, a Francine tem 21, ela tá fazendo o quarto ano de Arquitetura na Belas Artes, e também é formada em Decoração de Interiores. E o Júnior, que fez agora 19 anos, tá no segundo ano de Engenharia Elétrica na PUC [Pontifícia Universidade Católica] . Então os meus filhos, graças a Deus não tive problema. Agora, o mais importante nisso tudo aconteceu há 2 anos atrás, quando nasceu o meu neto, Marcelo, que é a coisa mais importante que a gente tem na vida, né, depois que você chega numa certa idade, com a família criada etc. e tal, ser pai de novo, que ser avô é ser pai duas vezes, né? E é fantástico porque é uma paternidade irresponsável, ou seja, tudo que o pai e a mãe não faz, eu faço. Então... É fantástico! Hoje em dia ele tá tão peralta que a... Eu tenho duas alegrias, né: uma quando ele chega e uma quando ele vai embora [risos]. São as minhas duas alegrias. Mas é uma coisa fantástica você ser avô e eu estou... A minha filha tá partindo aí pro... Ela tá grávida de 5 ou 6 meses. Eu vou ser avô de novo, e a vida faz isso. A gente vive juntos, evidentemente que a casada não, e temos aí uma atividade familiar muito grande, porque tenho.. A minha mãe é viva, minha avó com 96 anos viva, a mãe dela. O meu irmão também constituiu família, tem duas filhas. E é uma coisa importante na minha família que a maioria deles torce pro Corinthians e eu sou palmeirense. E
a gente não briga, mas dá aquela rivalidade enorme, porque na verdade o palmeirense sempre tá por cima do corintiano, do santista, do são-paulino. Hoje em dia... É lamentável, mas é verdade, pra eles lamentável. Eu sou sócio do Espéria, como clube do Palmeiras, como clube onde a gente...Muito pouco pratico esporte hoje em dia, porque eu tive um problema, quando jogava futebol, na virilha. Mas levo uma vida muito sedentária, sei que levo, mas a gente frequenta razoavelmente o clube, e... Muito mais pra levar as crianças, né, o neto, tal, do que pra praticar esporte como lazer ou como uma atividade constante. Minha família é isso.
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Como é que o senhor conheceu a sua esposa?
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Eu morava no mesmo quarteirão dela no Bom Retiro, né?
Eu morava na rua Solomon e ela na rua General Flores. E é engraçado porque ela ficava no terraço esperando o irmão, o pai, ela tem um irmão; e eu descia, porque eu vinha almoçar em casa, trabalhava na Xavier de Toledo, pegava o bonde aqui no Largo São Bento e ia almoçar em casa e voltava pra trabalhar e a tarde também, e via sempre no terraço. Um dia através de... Agente... Os amigos....Como eu fui usado também em circunstâncias parecidas, né? Um amigo... Era muito amigo meu e a irmã dele era muito amiga dela. Fizeram aí um telefonema, se trocou um telefonema e eu me encontrei com ela. Isso aconteceu eu tinha 18 anos, em 1963. Eu namorei cinco anos, entendeu?
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Bastante tempo.
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Bastante tempo. Na época usava-se isso, né? Hoje a gente... A molecada fala: "Estou junto." né, "Eu estou com." Naquela época era difícil estar junto, estar com. E... depois de cinco anos de namoro, a gente casou no Liceu Coração de Je… Na Igreja Coração de Jesus, né, onde eu estudava. Eu fiz todo meu... Escolar, parte da escola, no colégio Salesiano, no Liceu Coração de Jesus, aqui perto. Em frente de onde a gente tá falando aqui, né, é... É o Colégio Santa Inês, que é de freira, onde eu estudava era de padre, aqui é de freira. Minhas filhas estudaram aqui, também Colégio Salesiano. E assim foi, e hoje eu tenho um neto. De 1963 pra cá, né, então trinta e... Eu tinha recém entrado na Eletropaulo, na Light então, quando eu conheci a Sibele.
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Ele... Os seus filhos parecem fazer outras atividades assim.... O senhor tem vontade que eles participem da ADC ou que... Da Eletropaulo?
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Olha, claro... Nenhum deles está na Eletropaulo. A gente... Cada um tá na sua... Meu filho tá fazendo estágio já numa empresa de engenharia de um grande amigo. A minha filha só estuda, a do meio, e a mais velha dá aula em colégio e... Aqui no Bom Retiro mesmo, um colégio israelita chamado Talmud Torá. E... Eles têm cada um a atividade deles, né, uns mais próximos da... Porque é uma coisa engraçada, a minha filha mais velha, ela tem... A nível intelectual, ela pensa muito igual a mim, né? Ela só não fez Direito por uma questão de momento, sempre disse que deveria ter feito Direito. Agora, o meu filho... O Júnior, tem meu nome, ele é muito mais voltado pras coisas da tecnologia moderna. Então ele gosta de informática, gosta de mexer com equipamentos, mexe em tudo. E trabalha, tem uma atividade muito grande nisso. Ele pratica esporte relativamente, constantemente. E sempre me acompanhava porque... Quando a ADC fazia os campeonatos, as competições, ele sempre me acompanhou, quer dizer, eu ia em todos os eventos, todos, não faltava, a não ser que coincidia, eu passava rapidamente, mas era difícil coincidir. Então as olimpíadas eu ia _________ de natação, xadrez, todos. Eu achava que era importante eu estar junto e... Cooperar, dar uma força de retaguarda pra aquela pessoa que tava competindo em nome da nossa área, né? E ele me acompanhava, então conhece bastante a atividade da ADC, embora não frequente.
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E qual a diferença assim, o senhor sente diferença entre a educação que você dá pros seus filhos e que você recebeu do seu pai?
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Não. Meu pai ele era um industrial de calçados, começou sapateiro e virou um industrial de calçados, é uma pessoa que só tinha o primário, mas nunca me encostou a mão, né, nunca. Era sempre na conversa, uma pessoa extraordinária. Pra vocês terem uma ideia, ele falava italiano, por exemplo, que a gente é descendente, e o pai dele era italiano, fluentemente, com 4º ano primário, aprendendo por conta própria. Nessa área ele foi um autodidata. Então ele teve uma experiência de vida, porque meu avô morreu, ele tinha 18 anos. E ele criou duas famílias. Ele tinha sete irmãos, seis irmãos, com ele sete. Na verdade ele criou uma família... O pai dele e a nossa família, sempre conversando. E foi isso que eu transmiti pros meus filhos, nunca... É fundamental o diálogo. Eu acho que eu nunca bati, eu nunca disse não. A gente fala não dizendo sim, né, que é uma forma de você... O tempo se encarrega de mudar, mas hoje eu estou um pouco mais impaciente. Eu só falo muito não pra eles e muito sim pro meu neto. Mas o sistema de criação foi exatamente aquele que eu recebi, é...Um processo de probidade, honestidade fantástico que meu pai passou em função do nome que a gente tem, que ele é absolutamente conhecido na empresa que eu trabalho e no bairro, aqui no Bom Retiro, onde a gente nasceu e se criou.
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E o senhor lembra... Como é que era a casa que o senhor nasceu... Como é que...
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Era na rua Anhaia, eu nasci mesmo em casa, na rua Anhaia. Na frente tinha a loja de sapato, né, do meu pai, dos meus tios, e no fundo tinha a fábrica de sapato. E eles moravam... Meu pai era o único casado na época, eu lembro muito bem. Eu não tenho memória retrospectiva nenhuma, mas eu lembro muito bem que eu tinha pouca idade, 4 ou 5 anos, eu era o primeiro e único neto então, né, até então, depois nasceu o meu irmão. Único neto, único... Dessa nova geração da família e... Era tudo em volta de mim. Então a gente dormia no último quarto de uma casa que tinha 1, 2, 3, 5 cômodos. Era um cômodo que dormia minhas tias e minha avó, meu avô eu não cheguei a conhecer. No outro... Da parte Busico, né, do meu pai. Na outra... No primeiro dor... Nós é que morávamos. Na outra era meus tios ou minhas tias, minhas tias parece, são... Eram duas e minha avó. E no outro os outros irmãos do meu pai, os homens. Depois tinha uma saleta, uma sala. Era uma casa muito grande, né, estilo de bairro antigo, né, infelizmente não foi preservado. Eu sou um pouco... Acho que minha filha fez história por isso, né, sou um pouco conservador nesse aspecto, progressista em outros, mas nesses aspecto muito conservador. E depois você tinha um quintal muito grande. Eu lembro que pra ir ao banheiro precisava sair fora. Um quintal grande. E no fundo desse quintal, bem grande ainda, onde era uma horta com frutas etc, quando eu nasci e quando eu tinha essa idade, 4, 5 anos, depois criou-se... Saiu a horta e entrou a fábrica de calçados propriamente dita. Porque eles tinham a loja num lugar e a fábrica noutro, né? Na rua Nilton Prado, paralela com a Três Rios aqui, paralela pra baixo. Então eles cresceram, depois compraram do lado, o outro prédio do lado, e foram fazendo alguns investimentos na área imobiliária, privado, né, que hoje é o ganha-pão, o sustento da minha mãe, porque na época não se pagava aposentadoria. O industrial não acreditava muito no processo de seguridade também. A aposentadoria da minha mãe, por exemplo, deve ser um salário mínimo, o mínimo. Mas o rendimento de vida dela é aquilo que se construiu com essa atividade do meu pai. Lembro disso da minha casa.
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Tem algum.... Você poderia falar um pouco da sua infância. Que brincadeiras o senhor fazia aqui no Bom Retiro na época?
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Eu... [risos] tinha umas brincadeiras da minha época que era... Mãe da mula: o cidadão ficava agachado, os outros pulavam; bolinha de gude, porque a maioria das calçadas não eram asfaltadas, né? peão; hoje chama-se pipa, né, empinar bare... Na minha época era barile... Empinar barrilete. Tudo que uma criança da minha geração fez, eu fiz também. E joguei muito futebol. Não tinha carro, eram poucos os carros. A gente jogava mesmo na rua, e aqui tinha muitos campos no Bom Retiro. Bom Retiro era um bairro pródigo em formar profissionais, chegar... Pessoas que chegavam ao profissionalismo no futebol. E como eu vivi aqui até os 35 anos de idade, então toda a minha vida era aqui dentro, né, aqui dentro do bairro. É um bairro que tinha duas colônias na época - a colônia israelita, os judeus; e os italianos - que se davam muito bem. Os italianos ficavam mais embaixo, os israelitas mais em cima, né? Hoje neste estúdio... Na minha época era faculdade de Odontologia da USP, era aqui onde nós estamos falando, né? Então, todas as brincadeiras, carrinho de rolimã, que a gente mesmo fazia, né, que era possível fazer naquela época. Agora, eu tive uma vantagem, como eu tinha sete tios de um lado e cinco do outro, tudo que eles podiam me dar, eles me davam. Então eu tinha muito brinquedo. Depois meus primos, meu irmão, meus primos foram quebrando, então, eu também [risos]. Então, como primeiro, eu ganhei muita coisa, né? Quando foi crescendo a família, eu devo ter de um lado 11 primos, do outro nove, sei lá, aí acabou o reinado, então...E depois a gente foi ficando mais adulto, né, e pensando em
namorada, outras coisas. Mas sempre o futebol em primeiro lugar, como uma atividade principal de brincadeira, de passatempo.
P-
Sua família era religiosa?
R-
Tanto que eu fiz... Muito religiosa.
P-
Os seus pais...
R-
Todos eles. Minha avó. E isso me levou a estudar em colégio de padre, né? Eu também porque acho que é uma formação importante. Fui salesiano 12 anos. Eu fiz ginásio, colegial, científico, primário, colegial e científico...
P-
Com que idade o senhor entrou no colégio?
R-
Eu acho que tinha sete anos, porque naquela época não poderia entrar antes. Não tinha jardim da infância, não tinha o pré, o pré 1, maternal 1, pré maternal. Tinha realmente o primeiro ano primário, né? Eu fui direto, eu não tive nenhum problema a nível escolar. Tive problemas de ter que fazer outra...Por exemplo, eu fiz ginásio, naquela época era ginásio... Era primário, ginásio e científico. Eu fiz isso no Coração de Jesus. Como a minha atividade era na folha de pagamento na empresa, e lá era diretamente ligado à contabilidade, então eu só teria acesso na carreira se eu tivesse uma formação contábil. Eu me formei também em contabilidade. Eu fiz um processo seletivo, como eu tinha feito científico, entrei no 2º ano de contabilidade, fiz o 2º e 3º. Muito mais pra seguir carreira, e muito menos pela atividade em si. Mas eu sou técnico em contabilidade também, tenho essa formação, entende? E isso eu fiz no Liceu Marechal Deodoro, onde eu exerci, depois que eu me formei, no magistério. Eu fui professor 11 anos nesse colégio, até ir pro Rio de Janeiro, aí eu tive que parar, né, de lecionar. Mas dei aula pra curso de Secretariado, pra curso técnico de Administração e pra curso técnico de Contabilidade em direito, Direito usual e Legislação aplicada, durante 11 anos. Naquela época era tudo novo, né, eu também era jovem, então o pique era mais diferente, a gente tinha...Suportava melhor. Logo seguinte eu fui convidado pra dar aula em faculdade, Faculdade de Economia e Administração, mas por ter que ficar no Rio praticamente a semana toda, quando diretor da Fundação Braslight, eu deixei a atividade de magistério, pra qual não me formei. Eu era um técnico em magistério, né? Em síntese é isso.
P-
E você lembra de algumas dificuldades que você teve?
R-
Olha, eu acho que Deus foi tão bom comigo, muito bom. Eu não tive nenhuma dificuldade nem na infância. Tudo que a gente precisou meu pai, com muito sacrifício evidentemente, porque num pólo industrial era uma fábrica artesanal. Ele
fazia 12, 200 pares de sapato por dia, e
não tinha nada na máquina, quer dizer, era em série, mas era assim: um cidadão cortava o modelo, o outro punha o salto, o outro pregava a sola, o outro costurava, meu pai mesmo tinha atividade de pesponto. Um tio meu fazia o corte. Eu cheguei até a ajudar, encaixotando os sapatos nas caixas de sapato, pondo selo, na época usava selo na sola. Mas eu tive uma infância muito feliz, muito bonita. Uma juventude também maravilhosa. Eu casei relativamente... Pra época.... Relativamente jovem. Com 23 anos eu já fiquei pai, né? Casei de 22 pra 23, de 23 pra 24 minha filha nasceu. E tive uma vida fantástica. Evidentemente você tem certas desilusões a nível profissional. Eu tive também, mas fiz uma carreira toda técnica, né, na empresa, e sei evidentemente que eu... Por problemas políticos, eu fui exonerado, né, quando eu voltei do trabalho de pós- graduação que fiz na Itália em 1987. Quando eu tava lá, a minha área foi dividida de novo em duas. Quando eu cheguei, uma semana depois, me pediram o cargo. Então...Eu tenho a satisfação incrível e enorme de ter feito toda carreira sem nenhum problema, partindo de, como vocês puderam ouvir, partindo do zero, né, e chegando ao posto máximo na carreira, porque diretor da empresa é um cargo estatutário, né? A carreira...O nível máximo na linha é superintendente e... No staff é assessoria. Eu fiz tudo. Então eu estou, eu sou plenamente realizado. Claro, o homem não se... Eu acho que o homem só se realiza quando ele morre, que é o maior feito, e deixando boas obras pra trás. Eu estou escrevendo um livro, já plantei uma árvore e já fiz os filhos, né? Então... quando eu terminar de escrever o livro, é um livro... Meu Deus, estou escrevendo um livro, devo ter escrito três, quatro páginas aí. Dessa... Toda essa minha vida aí, que foi até gozada essas passagens por Brasília. É um pouco de um... Como é que chama? Uma autobiografia romanceada, diferenciada. Eu acho que eu me realizo, mas profissionalmente eu fui tudo. Quer dizer, eu vi o bem, eu vi o mal; eu vi o cara bom, o cara ruim. Fui cercado pelo amigo do Busico e pelos amigos do cargo do Busico. Isso faz parte, né, do poder. E o poder não me sacode, não me... Na verdade, eu não tenho nada na minha vida, a não ser... Pessoal, patrimonial, a não ser o apartamento que eu moro. Isso me dá uma satisfação incrível, porque eu vivo do meu salário. Eu tenho uma atividade que comecei agora paralela, que eu pretendo dar uma tranquilidade maior pra família, até depois que eu me aposentar, que é uma atividade de... A gente tem um escritório com uma sede em Roma, onde fica um sócio nosso italiano, que busca fazer financiamentos na área social da Comunidade Comum Europeia na América Latina. Nós tamos ainda no embrião, né? Isso vai... Se Deus quiser, render alguns frutos. Mas quem não passa problemas na vida, né? E... só quem não viveu, eu vivi, então eu tenho muitos problemas. Agora, tem muitas ingratidões também, né? Machuca, mas ao mesmo tempo você sacode a poeira. Eu sou uma pessoa que não olha muito pra trás. E não tenho nenhuma discriminação. Uma pessoa alegre, eu sou da vida mesmo.
P-
Mas que ingratidões assim, o que você sente dessas ilusões? Fale um pouco [risos]. Desilusões.
R-
Não... Você tem pessoas, por exemplo, que tão perto de você e você confia, acredita. É... Até porque são bons profissionais. Eu sempre me cerquei de bons profissionais, né? Você confia, acredita. E na verdade isso acontece enquanto é poder, que você tem o poder. Depois que você não tá no poder, você passa a ser uma pessoa... Não amigo, colega, você, virou colega. Sabe, então, foi isso que eu disse: você... Foi ótimo, as vezes que eu perco o poder foi muito bom, porque deu pra filtrar os amigos do Busico - o meu nome de guerra é Busico - os amigos do Busico e os amigos do cargo que o Busico ocupou. E pra minha satisfação fantasticamente pessoal, 90% são amigos do Busico e 10%
foram amigos do cargo do Busico. Só que eu privilegiei até pela inteligência, pela competência, privilegiei muito mais esses 10%, que eram amigos do cargo do que aqueles verdadeiros amigos. Um amigo meu dizia o seguinte: "Eu prefiro ter um burro do meu lado, mas de alta confiança e leal, do que ter uma pessoa maravilhosamente inteligente, mas
que aprendeu tudo, leu do capítulo primeiro ao último capítulo de Maquiavel." né? Eu acho que ele tem uma certa razão.
É isso que são as ingratidões. Agora, ao mesmo tempo você vive fantásticas emoções, né? Eu, por exemplo, vivi uma emoção maravilhosa dentro daquilo que eu aprendi, por exemplo, como religião. Eu tive a satisfação de ter uma audiência privada com o Papa João Paulo II, uma pessoa carismática. Aquilo foi fantástico na minha vida. Uma audiência privada. Poucas pessoas... Por ser ele uma pessoa que comanda a Igreja, não há nenhum problema da entidade Igreja, né, da instituição Igreja, mas da figura que o Papa representa na minha religião, que é a católica.
P-
Como foi? Conta um pouco desse encontro.
R-
Foi até muito gozado, porque eu fui com Magri ministro, em 1990, né? Nós fomos à Suíça, num congresso do OIT [Organização Internacional do Trabalho] . Eu fui... Ele foi em 1990 e 1991. Em 1990, eu fui junto, em 1991, eu não estava. Então em 1990 eu fui por expensas pessoais, eu não fui pelo governo, pra acompanhar, que eu não tava na delegação do Ministério ao OIT. Fui por minha conta. E eu consegui ficar... Que esse meu sócio hoje, dessa empresa que lá atrás eu acabei de comentar, a ex-esposa dele trabalha na Televaticano, não sei se chama Televaticano, Televisão do Vaticano. E nós pedimos uma audiência, afinal o Magri era ministro, e... Ela foi a intermediária. Quando nós chegamos lá, uma coisa engraçada, né, porque nem ele nem eu tínhamos vivência, pô ele tomou posse em março. E foi até muito engraçado as coisas que aconteceram nesse começo de vida lá. Aí depois o cargo envolve, as pessoas ficam cercando, então mas... No começo foi tudo muito engraçado. Então, imagine, posse em março, abril, maio, junho, nós estávamos em Roma e na OIT. A gente teve a oportunidade também de conhecer o Nelson Mandela, uma figura carismática, né, fantástico junto com ele. E aí nós fomos pra Roma e lá nos esperava o embaixador do Vaticano, do Brasil no Vaticano [pausa]. Aí o embaixador explicando pra nós, olha vocês... A história do Vaticano. Nós tínhamos que estar uma hora antes e não sabíamos porque tínhamos que estar uma hora antes, pô vamos esperar uma hora, cheio de compromisso, o Magri tinha entrevista em rádio, não sei, não me lembro se em televisão, e depois nós tínhamos que... Dentro de nosso programa tinha uma passagem em Turim porque o Brasil jogava o primeiro jogo lá.
E era um fim de semana, nós tínhamos outras atividades na segunda-feira, nós aproveitamos
e
fomos também ver o jogo. Então tudo tinha horário. E essa era uma hora pra que o embaixador explicasse como é que tinha que se comportar diante do Papa: "Bom, vocês não precisam ajoelhar, se quiserem beijar, beijem o anel." E ficou uma hora falando. Na hora que o homem entrou...Ah, e nós compramos, gastamos uma nota em terço, chaveiro, santinho, tudo que tinha o Papa nós compramos pra ele benzer pra dar aqui no Brasil, né? Olha, puseram... Mandaram por numa mesa, porque o Papa entra com o que eles chamam de Camerlengo, o Cônsul não do sei o quê, as pessoas... Lá dentro quem não conhece e tiver a oportunidade de conhecer é uma negócio totalmente diferente de conhecer, né? É tudo uniformizado, os soldados suíços... Bom, é uma coisa incrível que não é muito público. Aí ó você não precisa se ajoelhar, beija o anel. Fizemos tudo ao contrário. Me ajoelhei, ele também. Aliás foi por ele, por causa dele.
Eu não me lembrava o que o homem...Porque apagou tudo. E foi cômico porque o Papa nos deu uma medalha uma pra mim e outra pra ele, e eu não percebi que a medalha era solta, deixei cair, ela rolou. Era um negócio redondo, e foi rolando atrás do Papa,
e eu correndo atrás da medalha, e a TV Vaticano filmando, uma coisa...Depois nós queríamos a fita até pra guardar de lembrança e pro nosso azar eu não sei tecnicamente o que aconteceu, deu problema com a fita, mas as fotografias eu tenho guardadas. Aliás era uma coisa que eu podia ter trazido e não lembrei de trazer, se precisar, eu posso mandar depois. Eu saí correndo atrás da medalha. E foi bom porque ela bateu no calcanhar do Papa, ele tava com um chinelo, ele tinha voltado de uma operação, coisa assim, tinha sofrido aquele atentado. Ele já não era mais aquela figura, né, esportista tal. E ele virou. Aí eu pedi desculpa e disse: "Olha, Santidade, o senhor não...", em português, e ele fala... Falou conosco em português fluentemente, "...O senhor não benzeu os santinhos." Nós tínhamos gasto 500 dólares em santinho, eu e o Magri, 250 cada um, que aliás ele não me pagou até hoje, no fim, fui eu que paguei sozinho, pra poder presentear, isso foi bento pelo Papa. De onde ele tava, ele virou, fez o sinal assim: Benedicto tal e foi embora, porque tinham quatro grupos em quatro cantos da sala. Aquilo é de um esplendor fantástico, né? A gente não entende muito a Igreja nesse aspecto mas... Então essa foi uma passagem que eu achei curiosa e cômica, porque nós erramos tudo...E quem começou errando, eu não sei se.... Eu sei que o Magri teve aqui, se ele teve oportunidade de contar essas passagens. Se não teve, cê chama ele de volta porque ele vai contar e cês vão dar muita risada. Foi uma passagem muito interessante, né, muito importante na nossa vida conjunta aí como de chefe de gabinete. Lá na Itália capo di gabinetto. Era mais ou menos isso de engraçado. Fora outras coisas, que nós precisaríamos do dia inteiro aqui pra comentar o que nós passamos ou que pelo menos eu passei nesse meu ano junto com ele.
P-
Pra finalizar assim, eu queria que você falasse um pouco dos seus sonhos...
R-
Olha, esse ano eu estou fazendo, em novembro agora, 50 anos de idade. É meio centenário, sabe? Quando... vocês tão longe disso, mas quando vocês chegarem próximos, e vão chegar, isso é inexorável, vocês vão sentir que vocês se intro...Ficaram num sistema de introvertido muito maior a nível, sei lá, de religiosidade, de vida, quer dizer, puxa meio centenário, né, o homem casa, depois que ele casou, acabou, porque ele casa, ele tem filhos, envelhece, vai ter neto e vai morrer. Então eu estou hoje muito mais voltado pra ajudar o próximo, por exemplo, a gente ajuda a manter creches, sabe, nós temos uma atividade...Meu irmão, junto com amigos, muito.... Mais pra uma atividade, vamos dizer, filantrópica do que de ambições de vida. Eu não tenho grandes ambições não. Evidentemente que seria ideal
pro meu ego pessoal, se eu pudesse terminar minha carreira na empresa como diretor da empresa. Embora seja um cargo estatutário... Porque eu comecei lá embaixo, né, e fiz toda a pirâmide. Ser chefe de gabinete de Ministro de Estado é muito mais do que ser diretor, ser presidente de entidade que congrega o Brasil todo, que tem uma visão macro, é muito mais do que uma visão micro de uma empresa estatal, mas é uma coisa pessoal, quer dizer, eu fiz toda minha vida, né? Eu cresci, criei meus filhos, desenvolvi minha família, tudo em função da Eletropaulo. Tanto que quando eu fui em Brasília, não ganhava. Eu tinha uma verba de representação porque eu mantive o salário da empresa. Você não podia ter as duas coisas? Então é evidente que eu nunca me desvinculei, né, e passei por algumas dificuldades pra retornar, porque na verdade como eu fui tudo, eu tive toda essa...Esses cargos, né, eu era uma pessoa... Agora nessa atual administração, que embora fosse muito bem acolhida - todos me acolheram muito bem -,
eu era uma pessoa... Pombas... Vamos supor um presidente da empresa, não é o meu caso, que deixa de ser presidente, mas tem a carreira, o que que vamos fazer com esse homem, né. Então me deram muita dignidade no trato, aonde eu estou com pessoas absolutamente amigas, né, hoje na informática, pessoas com que eu trabalhei essa vida inteira, né. E mesmo o diretor da área foi muito digno, quer dizer, não me criaram maiores obstáculos, mas minha grande alegria final, vamos dizer, a nível de carreira, porque eu também estou próximo à aposentadoria, seria encerrar com chave de ouro. E pra mim chave de ouro seria ser diretor da empresa. Talvez esse seja o único sonho, mas que também não é uma coisa assim de...Não deu, não deu, quer dizer, eu deixei um passado, deixei uma história, eu acho que essa história me trouxe aqui. Eu estou aqui com vocês que me dá uma satisfação imensa a nível pessoal. Eu acho que poucos vão ter esse privilégio que eu tive, que estou tendo de estar aqui prestando esse depoimento, eu acho que... Eu acredito que vai ficar pros anais, porque quando começou... Quando a Light virou Eletropaulo, nós fomos buscar nos arquivos da Eletropaulo as fotografias antigas, descobrimos fotografias...Eu descobri, foi incrível, descobri fotografias em vidro, eu não sei como é que chama isso que eu não sou da área, negativos em vidro. Dali se fez um livro da antiga Light, sabe? Então como eu gosto muito disso, acho maravilhoso o que tá sendo feito pela ADC hoje, porque daqui a dez anos, 20, 50 anos, sei lá, no terceiro milênio que nós tamos entrando, eu estou aqui ó, quer dizer, dando esse depoimento. Eu acho que isso é uma satisfação incrível. Então minhas emoções, eu imagino, todas foram realizadas, e hoje eu estou tendo mais uma de me abrir um pouco mais, né, com pessoas que acabei de conhecer, mas que já ficaram minhas amigas. É isso.