Virgínia Rosin Calore Martini
– História de vida
nascimento: 28 de novembro de 1902
Falecimento: 07 de setembro de 1995
Entrevista realizada no ano de 1993
Entrevistador – Augusto Jeronimo Martini Virgínia Calore Martini
1) A Sra. tem sete filhos, 25 netos e 22 bisnetos. Gostaria qu...Continuar leitura
Virgínia
Rosin Calore Martini
– História de vida
nascimento: 28 de novembro de 1902
Falecimento: 07 de setembro de 1995
Entrevista realizada no ano de 1993
Entrevistador – Augusto Jeronimo Martini
Virgínia Calore Martini
1) A Sra. tem sete filhos, 25 netos e 22 bisnetos. Gostaria que me contasse onde nasceu. Foi aqui em Rio Claro mesmo?
– Foi lá Eritréia.
2) Onde é este local?
Fica prá cá de Ajapí. Não era fazenda. Era sítio. Eritréia era um bairro.
3) A Sra. nasceu na maternidade ou em casa?
Nasci em casa. Através de uma parteira.
4) O que a Sra. lembra da infância?
– De lá. Eu lembro a casa onde ficava. O lugar, o que tinha. O café, bananeiras. Meu pai plantava milho, feijão… Éramos em 10 irmãos. Hoje, vivos tem apenas três. Duas mulheres e um homem.
5) E as brincadeiras de infância?
A gente não tinha nada para brincar. Andávamos pelas roças, pelo café, pulávamos barrancos. Nossas brincadeiras eram essas…
6) E trabalho? Começou muito cedo?
Desde os cinco anos eu trabalhava. Em casa, lavava roupa para minha mãe que ficava bem ruim. Era doente, tinha reumatismo. Então eu precisava tratar dela. Meu pai era pedreiro. Ele trabalhava fora. Saía de Segunda-feira e voltava Sábado de noite. Não trabalhava na cidade. Trabalhava nos sítios fazendo casas. Quando chegaram (vindos da Itália), era tudo mato. Então, todos conseguiram seu pedaço de terra e todos queriam construir suas casas. E não tinha pedreiro fácil. Meu pai era pedreiro, carpinteiro e marceneiro.
7) Quando ele veio da Itália, já começou a trabalhar com isso ou trabalhava no café?
Veio para trabalhar em fazendas de café. Depois ele comprou 4 alqueires de terra e construíram a casa. Ele fez os tijolos e fez a casa. Era inteligente, sabia ler, escrever, fazer contas…
8) Ele veio para trabalhar em que fazenda aqui em Rio Claro?
– Numa Fazenda, não me lembro do nome. Na região de Rio Claro. Ah sim, Fazenda Morro Grande. Com ele, da família, veio o irmão. Ficou dois anos aqui e bandeou-se para a Itália outra vez. Não acostumou.
9) A Sra. freqüentou alguma escola quando criança?
– Nunca freqüentei escola. Não tinha escola, não tinha nada. A escola era a enxada. Nem meus irmãos freqüentaram escola. Meu pai sabia ler e escrever. Ele teve nove anos de escola na Itália. Pra nós mulheres ele não ensinou. Mas para os homens ele ensinou. Ensinou tudo. Ler e escrever. Fazer contas. Ele ensinava assim, de noite. E quando eu queria espiar, queria aprender… Subia no pauzinho da cadeira, por trás de meu irmão, ele batia em mim com a varinha de marmelo. Mulher não precisava saber ler e escrever. Apenas cozinhar e costurar roupas. Era perda de tempo ensinar…
10) Com quantos anos seu pai veio para o Brasil?
Eu não sei. Acho que veio com 23, 24 anos. Meu pai viveu até os sessenta e poucos anos. Quando ele morreu, eu nem lembro que idade eu tinha. Ele morreu antes que minha mãe. Quando ele morreu eu tinha 16, 17 anos. Ele morreu de derrame. Minha mãe morreu de velha mesmo. Com 90 e poucos anos.
11) E a mocidade? Como foi?
– Quando meu pai levava, a gente ia a bailes. Eu gostava de dançar. Outro dia eu estava conversando com a Iza (minha tia Izabel). Eu falei assim, que gostaria que viesse novamente o tempo em que eu era solteira. Perguntou-me por que. Eu disse que é para poder dançar. Dançar e trabalhar. Eu conheci seu avô num desses bailes. Era um baile de família. Em um sítio. Era assim. Às vezes o vizinho fazia um baile, no dia de São João, por exemplo. Fazia festa.
Lembro que quando o conheci foi num baile desses. Ele me tirou pra dançar e a gente ficou se conhecendo. Nós nos conhecíamos assim. Íamos passear na casa de um e de outro.
12) E como funcionava o namoro naquela época? Primeiro pedia para o pai…
– Primeiro pedia para a moça. Se a moça gostasse, ela falava, venha conversar com o meu pai. Antes e depois de conversar com o rapaz outra vez. Depois ele vinha em casa, mas não era só uma vez não. Não era fácil. Ele suava para conversar com uma moça, viu. Suava mesmo. Até que então ele chegava para a moça e a pedia em casamento. Então, se ela gostasse falava – venha conversar com o meu pai. Não se namorava feito hoje. Depois que ele conversava com o pai da moça, era marcado um prazo. Na primeira vez meu pai deu dois anos para sair o casamento. Mas eu namorei dois anos e dois meses. Depois disso me casei. Aqui em Rio Claro. Na Igreja de São João Batista. Dia nove de junho. O ano nem lembro mais. Eu tinha 20 anos quando me casei. E ele 21 anos. E tive registro de nascimento. Mas minha mãe perdeu. Quando morreu meu marido tiveram que tirar outro. Esse eu tenho. Quando eu me casei fui morar perto do Buscariol. Fui morar no sítio de meu sogro. Moramos três meses juntos, depois compraram outro sítio, o Bugio. Tinha mais duas cunhadas minhas. Uma era a Amábile e a outra a Rosina. E a Rosina tinha medo de morar sozinha. Ela dizia que não iria morar lá porque ela tinha medo. E eu falei – eu não tenho medo não. Eu com ele fomos morar lá. Trabalhava junto. Todo mundo trabalhava junto. Porque tinha que ter as coisas pra comer e a gente não ia buscar na casa de meu sogro. O que não tinha a gente comprava. Eu e seu avô trabalhávamos na roça. Carpir café, plantar feijão, plantava de tudo. Criava galinhas e porcos. Ficamos juntos com os cunhados só um ano. Depois nos apartamos. Fomos morar sozinhos. De lá, fomos morar onde mora o Marino hoje. Meu pai havia comprado aquele sítio. O nome do meu pai era Cirilo Calore. Depois de morar junto com meu pai, o Sr. Renato Mário Pires de Oliveira Dias veio buscar a gente pra administrar a Fazenda São José do Morro Grande. Mudamos para lá com as crianças.
13) E a vida lá na Fazenda? Era boa?
– Era muito boa. Quando chegamos, a Fazenda estava toda largada. No sítio ficou só o Marino. Moramos lá por sete anos. Depois eu não quis mais ficar. Eu falei que não gostava, tinha gente que não gostava de mim, empregados que também não gostavam. Então eu disse – vamos embora. Voltei para minha casa. O Bugio foi o meu pai quem o comprou. Comprou para os oito filhos. Cada um que saía da família eu e seu avô comprávamos a parte que era deles. Tinha 10,5 alqueires de terra. Depois disso ficamos plantando naquelas terras.
14) Como era o dia-a-dia na vida de casado da Sra.?
Eu sempre trabalhei na roça e as crianças iam junto. Todos meus filhos foram criados em baixo de árvores, na roça. Em baixo de pés de café e eu sempre trabalhando. Minha vida era muito boa. Eu estava mais contente que agora. Meus filhos tinham sempre Deus junto, estavam sempre com saúde. Eu vivi muito bem.
15) Qual dos filhos era o mais peralta?
O Marino. Ele era mais ativo que os outros. Sempre foi. Até agora ele é meio arteiro. Ele brincava com galinhas, emendava palha com outra palha e fazia uma tira comprida e amarrava no rabo do galo. Brincava com o gato. Não tinha brinquedos, não tinha nada. O brinquedo era a enxada. Escola todos tiveram um pouco. Depois que o Antonio, o Marino, a Iza e a Eva estavam grandes, puseram uma escolinha lá no sítio. Um fazendeiro deu uma casa e então tinha uma escola pras crianças do sítio. Saíam oito horas, vinham ao meio dia e depois disso iam pra roça também.
16) E na época da Segunda guerra, houve muita dificuldade pra conseguir comida, açúcar, sal…
A gente conseguia comprar de pouco a pouco. Não era à vontade. Tudo era controlado.
17) E seus pais? Eram rígidos?
Não eram bravos. Eles eram muito bons.
18) E qual era o idioma falado na casa de vocês?
Em casa, mesmo depois de casada, só falávamos o italiano. Tinha o pai do Arlindo Vieira, que hoje é diretor do Senai, que vinha comprar ovos, frango, e trazia retalhos de roupa. Nós trocávamos com os ovos e frangos. Chegava e perguntava pras crianças – cadê sua mãe? E a eles não entendiam. Não falávamos português. Aí ele apontava com o dedo no que a gente também apontava “dizendo” que estava na roça. A gente tinha um cachorro, que quando chegava gente estranha latia muito, então as crianças corriam da roça para a casa, pois sabiam que alguém havia chegado. Quando as crianças começaram a ir à escola, aprendiam o “brasileiro”. A primeira professora que apareceu por lá chamava Julieta. Então ela começou a falar em “brasileiro”. O Marino falou que eles não sabiam falar daquele jeito. Ela disse – você não precisa saber. Eu te ensino. Um ano veio a Julieta, noutro ano a Clélia. Sempre mudava de professora. Foi indo e a gente aprendeu.
19) A Sra. teve um filho que morreu jovem…
O Ernesto. Morreu com dezesseis anos e meio. De febre-tifo. Ele julgava bem já, né? Ele pegou a doença, sabemos lá… Ele estava na roça, deu um chuvisqueiro e ele o tomou. De lá prá cá, ele veio em casa, almoçou, voltou pra roça outra vez. Quando eram três horas ele voltou pra casa e falou pra mim que não estava bom. O pai o tinha mandado em casa porque não estava bom. Então eu peguei, e troquei a roupa dele, dei um banho, coloquei na cama. Depois, minha cunhada Helena apareceu e disse – vamos fazer um chá. Fizemos, demos a ele e a febre começou. Foi indo, foi indo, queimava de febre. Precisamos chamar o médico que veio e disse que era a febre-tifo. Não faltou remédio nenhum. Não faltou nada mesmo. Até gelo. Veio o Dr. Staciona, que disse que precisava de gelo pra colocar numa bolsa e colocar a bolsa na barriga dele. Acho que era pra refrescar. Ninguém tinha geladeira naquele tempo. Como resolver? Fomos para a cidade e tinha o pai do Zezinho – o José Alexandre, que tinha a linha de ônibus. Ele falou assim – eu mando o gelo pra vocês. Vinha de ônibus de Rio Claro até Ajapí. De Ajapí, tinha outro ônibus que ia até Leme. Mas este esperava o que vinha de Rio Claro, pois podia ter passageiros que iriam para Leme. O motorista deixava o gelo no sítio. Duas vezes por dia. Nem o gelo faltou. Não faltou remédio e nem médico nem nada. O médico vinha de Rio Claro para o sítio. O Dr. Staciona.
20) E para ir para a igreja? A Sra. é tão religiosa…como fazia?
– Andava sete quilômetros a pé para chegar à igreja. Com as meninas no colo, a Eva, que era criança. Para assistir missas. Tinha procissão… Teve o Congresso Eucarístico em Ajapí. Trabalhava o dia todo na roça, chegava, tomava banho, fazia minha jantinha e depois ia para o Congresso. Não falhei nem um dia.
21) A Sra. chegou a morar em casa de barro/taipa…
– Morei, morei sim. Mas aquilo era pequena. Morei de solteira e depois de casada. Não tinha móveis alguns. Caixotes de querosene. A cama colocava uma forquilha lá, outra aqui, outra aqui e outra aqui. Colocava lascas em cima. O colchão ia em cima. Era feito de palha de milho. Bom pra dormir… No sítio de seu avô, a casa de tijolos só foi feita muito depois. Sempre tivemos nossas vaquinhas de leite, galinhas… Sempre tivemos. Como tinha muitas barrocas, a gente plantava somente onde dava. A área não era muito aproveitável. Na barroca a gente plantava milho. No plaino, arroz, feijão…
22) Onde seus pais moravam na Itália?
Eles moravam em Padova. Tanto meu pai como minha mãe. Eles contavam que lá passaram muita fome. Não tinham terra pra trabalhar. Lá, o que mais se plantava eram uvas pra fazer vinho. Quando fazia muito frio, que saíam para prosear em casas de vizinhos ou na própria casa, ficavam no curral, no meio do gado. O bafo do gado esquentava as pessoas.
23) Sua vida foi dura. A Sra. passaria por tudo aquilo novamente? Tem alguma mágoa da vida?
-Não. Eu viveria tudo novamente. Para mim tudo era muito bom. O divertimento da gente era trabalhar. Quanto mais melhor e mais a gente queria. A vida sempre foi de muito trabalho. Não só eu. Todo mundo. Porque ninguém tinha nada. Nem mesa. Umas tábuas, feita a machado e era só. Lamparina de querosene… Costurava com a lamparina, a mão, com a maquininha de costura de mão… Tinha que fazer tudo de noite. De dia tinha o trabalho na roça. Perdemos muita colheita com a seca. Um ano colhemos só vinte litros de arroz. Tinha um negociante em Ajapí que me deu comida um ano inteiro. Até que plantamos e colhemos e pagamos ele. Um pouco de café… Passamos assim. Teve um ano que deu uma peste de gafanhoto no milho. Comeu tudo. Então chamamos o padre. Ele veio, deu uma benção e os gafanhotos não comeram mais os mantimentos. Ficaram apenas na beira da estrada no mato. Acho que deu uma penitência para ficar ali… Depois foram embora. Em outra época, foi que tinha um bicho que comia a espiga do milho. O milho verde, ele entrava e comia tudinho. Estragava tudo. Chamaram o padre de Cascalho, ele benzeu e disse: – embora o bicho não vai, mas também estrago ele não faz mais. Onde ele está ele tem que ficar. E ficou mesmo. E colhemos muito milho.
24) Conte sobre as procissões para chamar chuva…
– Fazíamos sim. Se era época de seca, todos se reuniam, pegava a imagem… A capelinha ainda está lá. Antes de chegar em Ajapí, olhe para a direita que você a vê. Íamos para a capela, pegávamos a rezar… Rezava um terço, todo o povo ia. Saíamos em procissão, passava na vila, dava uma volta bem adiante, voltava pra capela de novo. E chovia, chovia mesmo. Tinha um homem, o Pegoraro que rezava bonito… Uma vez, numa baita de uma seca… A gente tinha o Padre Paulo aqui de Rio Claro, na Igreja da Aparecida. Ele foi quem construiu a Igreja. Fez uma procissão em que pegava todo o povo de Ajapí e ele pegava todo o povo de Rio Claro. Dos dois lugares saíram procissões que iam se encontrar no Cristo da Cachoeirinha. Mas choveu bastante… Depois uma vez, a gente morava lá na minha casinha. De lá, fizemos outra procissão até Ajapí… Quando entrávamos na igreja, pegou chover tanto… Ficamos todos contentes. Na casa de barro não chovia dentro. As paredes eram feitas de bambu trançado, com palhas de coqueiro amarradas com arame. Depois, fazia o barro com as mãos e jogava por cima das palhas… O problema em nosso sítio era com a água. O poço ficava lá em cima e a casa aqui em baixo, lembra? A gente tinha que baldear a água. Minha vida foi dura, mas nem parece que passei por tudo aquilo. A gente estava sempre alegre, ninguém doente, Deus ajudava e todos tinham saúde. Eu viveria tudo novamente, com certeza…Recolher