Na década de 90, iniciei minha graduação numa faculdade em outro município que ficava há uns setenta quilômetros da minha residência. Minha locomoção era por transporte coletivo. Porém numa sexta feira, do mês de agosto esse transporte coletivo, não iria realizar sua rota e não avisou c...Continuar leitura
Na década de 90, iniciei minha graduação numa faculdade em outro município que ficava há uns setenta quilômetros da minha residência. Minha locomoção era por transporte coletivo. Porém numa sexta feira, do mês de agosto esse transporte coletivo, não iria realizar sua rota e não avisou com antecedência.
Nesse período eu não sabia ler os sinais que a vida nos oferece, pois tive vários motivos para nesse dia não ir à aula, mas minha razão falou mais alto, e persisti em alternativas para driblar os empecilhos e, continuar com o propósito de fazer o trajeto.
Em função disso meu marido, desmarcou seus próprios compromissos, para me acompanhar e assumiu o papel de motorista no nosso carro particular para me levar ao destino programado. Aproveitando que nesse dia eu iria de carro para a faculdade, resolvi levar meu filho de apenas com um ano de idade, para passear na casa dos avós, que moravam próximo à faculdade.
Partimos como uma família feliz rumo a mais um dia de conhecimentos acadêmicos. Entretanto esse destino foi interrompido no meio do caminho em função de um acidente de carro que sofremos a poucos quilômetros de distância de nossa casa, numa estrada secundária, estrada de terra. Derrapamos na poeira e batemos o carro no barranco.
Todo o esforço que fiz nesse dia para conseguir chegar à faculdade, foi em vão. Estava atrasada e a pressa pode ter contribuído para um stress ou atenção reduzida no trânsito. Nessa época não era obrigatório o uso do cinto de segurança, portanto não usávamos e nem tínhamos consciência da sua importância, mas em uma fração de segundos, esse equipamento poderia ter evitado um mal maior. Contudo, meu marido não sofreu nenhuma lesão pois se apoiou no volante do carro, mas eu, literalmente quebrei a cara! Mesmo com a rapidez em que tudo aconteceu, eu consegui pensar em proteger meu filho, que estava no meu colo e no banco da frente do carro. Instintivamente tentei fazer uma redoma com meu corpo para ampara -lo. Nesse momento sobreviver era o que importava.
Após o impacto da batida fomos socorridos pelo primeiro veículo que passou, e voltamos para a cidade de origem, diretos para o pronto socorro. Essa cidade era pequena, com recursos limitados, entretanto tivemos por misericórdia divina um atendimento fora do comum. O médico de plantão era nosso amigo e tivemos toda assistência necessária para evitar o trauma que um acidente pode provocar. Entre atendimentos clínicos, pediátricos, odontológicos e psicológicos, meu filho e eu, fomos socorridos com muita qualidade e
em tempo hábil.
Porém no dia seguinte ao ocorrido, percebi o quanto meu rosto tinha sido danificado e o quanto seria difícil encarar as pessoas e ter que repetir a mesma história explicando o que aconteceu comigo. Uma lesão em qualquer outra parte do corpo, poderia ser escondida, disfarçada, mas no rosto, cartão de visita pessoal, não tinha escapatória, era encarar ou usar uma burca. Todavia o meu grande consolo era saber que meu filho e meu marido estavam bem. Apoiada nesse reconhecimento de que pior seria, se pior fosse, aceitei a minha nova condição e busquei os recursos para fazer as pazes com o espelho, comigo mesma e com o universo. E com esse sentimento de gratidão, passei por todas as fases das perdas e superei. Hoje eu ainda carrego no rosto as cicatrizes desse passado, mas elas não me entristecem, apenas fazem parte de uma, das muitas histórias que tenho para contar.
Se minha vida e a dos meus entes queridos foram poupadas naquele momento, parei de questionar o porque daquele episódio e foquei no para que? O questionamento: por que aconteceu justamente comigo? Não tinha respostas, apesar de permear por um bom tempo meus pensamentos mas, graças a Deus, ao invés de lamentar, e fixar na tragédia, comecei a refletir no para que? Para que, tudo tinha acontecido?
E, algumas respostas foram surgindo no meu coração e mudei a frequência dos meus pensamentos,
tentei
prosseguir
focando no tanto de vida que eu ainda tinha pela frente e quais aprendizados eu poderia absorver daquela situação.
Alguns sonhos desmoronaram e num esforço enorme resolvi
vasculhar na memória momentos vividos de emoção positiva e de experiência de amor, e consegui colocar outros sonhos no lugar, na esperança de sair daquela situação o mais rápido possível. Não foi tão rápido quanto eu gostaria, foi processual, sequencial e no tempo que tinha que ser, até ser possível realizar a tão esperada cirurgia plástica.
Hoje me considero uma mulher experimentada no amor e na dor, e exatamente por isso, me sinto capaz de superar os inesperados negativos da vida e aceitar as surpresas agradáveis que o tempo presente me oferece.
Confesso que o bálsamo para minhas feridas foi a fé. Essa fé se tornou inabalável porque eu tinha uma reserva espiritual e nesse capítulo
vida, precisei
usar
todos os créditos da minha conta com Deus.
Com o passar do tempo, aprendi a cuidar simultaneamente de todas as dimensões da minha vida: física, emocional, afetiva, social e principalmente a espiritual. Pensava, agia e sentia como se eu fosse uma malabarista, num esforço contínuo
de manter todas as dimensões equilibradas, e assim ficar inteira apesar de uma parte de mim ter sido despedaçada.
Mas esses pedaços foram se juntando, se recompondo, e um novo cenário se configurou. Retomei a faculdade, tirei carteira de motorista, tive outro filho, e me dediquei à educação como uma missão de vida. Hoje faço questão de colaborar com todas as campanhas de uso de cinto de segurança e para uma cultura de paz no trânsito e no dia a dia.
Por meio desse relato, espero contribuir para que outras pessoas possam observar as legislações vigentes e suas próprias condutas, dar importância para a
própria intuição e alimentar suas redes de relacionamentos tanto terrenos quanto celestiais para que se sintam apoiadas
e protegidas nas diversas fases da vida.Recolher