Entediado, algo fazia me levantar, atravessar minha sala, cozinha, escadas e entrar na sua casa, passar pela cozinha e abrir a porta do quarto de hóspedes. Sentia o cheiro de quarto fechado e pouco visitado. Lá estava seu Giannini, deitado sobre a cama dentro daquela capa surrada, com o verniz des...Continuar leitura
Entediado, algo fazia me levantar, atravessar minha sala, cozinha, escadas e entrar na sua casa, passar pela cozinha e abrir a porta do quarto de hóspedes. Sentia o cheiro de quarto fechado e pouco visitado. Lá estava seu Giannini, deitado sobre a cama dentro daquela capa surrada, com o verniz descascado e braço empoeirado.
Depois de alguns minutos até tirar a palheta azul guardada dentro do violão, empunhava-o, abria a janela, olhava as crianças na creche e tocava uma música qualquer - com um acorde qualquer - de frente para o espelho, me achando o próximo monstro da música.
Depois de entrar na vibe, era hora de plugar o violão na caixa tosca da Frahm. O rock experimental começava ali, de porta fechada, com medo do que eles poderiam achar ao ver aquele moleque fazendo barulhos estranhos com o violão. Era pura experimentação. Espalhava os dedos no braço sem saber muito bem o que fazia, até encontrar uma sequência de sons agradáveis aos meus ouvidos.
De repente escutava o toc toc na porta. Você entrava com um sorriso no rosto, perguntando o que eu estava tocando. “Nada não. Não sei tocar violão. Tô fazendo barulho”. Você continuava a sorrir, pegava o violão e ensaiava alguns acordes que mais tarde aprendi a tocar na marra. Tentou me ensinar com algumas apostilas para aprender a tocar, mas eu me contentava com o power chord que aprendi com os ramoníacos da escola. “One two three four!”, assim, gritado, sem vírgulas e frescuras.
O tempo passava, a música me fascinava e eu ficava feliz com aquela tarde musical. Foi nesse quarto que a música entrou em mim. Não foram as fitas cassetes do Gabriel, o Pensador, não foram as coletânias da Som Livre e tampouco as rádios. Foi ali, abraçado ao seu Giannini.
Depois de vários anos, quando emprestei seu violão para tentar seguir alguns tutoriais e te emprestei o teclado, fiquei emocionado ao finalmente sentar no seu sofá e
tocar contigo, mesmo que da maneira mais amadora possível, uma moda sertaneja, seu ritmo predileto.
A melhor maneira de agradecê-lo por tudo isso seria fazendo uma música. Enquanto a letra não vem, registro aqui minha gratidão.
Obrigado, vô.Recolher