Marta teve uma infância árdua. A mãe faleceu quando ela ainda era muito pequena, tinha apenas dois anos e por isso não tem memórias dela. Viveu em Caxias com seu pai, sua madrasta, com uma irmã e outros dois irmãos de criação. Sofreu nas mãos dos irmãos sendo humilhada e apanhando. O que ...Continuar leitura
Marta teve uma infância árdua. A mãe faleceu quando ela ainda era muito pequena, tinha apenas dois anos e por isso não tem memórias dela. Viveu em Caxias com seu pai, sua madrasta, com uma irmã e outros dois irmãos de criação. Sofreu nas mãos dos irmãos sendo humilhada e apanhando. O que foi mais difícil durante sua infância foi a dura convivência com a madrasta, que por ciúme do pai da menina, a agredia sempre que ele não estava presente.
Como ela padeceu nas mãos de Edith, sua madrasta, Marta cresceu sendo inquieta. Ao invés de ir para a escola, ia para a pracinha brincar com as outras crianças. O efeito disso, foi que ela não terminou o colégio, estudou até a segunda série e quando voltou a se interessar por estudar, sofreu rejeições da parte da professora. Hoje só sabe ler algumas coisas e escrever seu nome. E como não tem estudos, o trabalho que ela sabe fazer é de serviços gerais. Atualmente trabalha no BIG de Esteio.
Aos quatro anos seu pai já tinha se separado e, desde então, vivia só com as duas meninas. Marta, sempre foi de sair e brincar na rua, já sua irmã era o oposto, gostava mais de ficar em casa. E por sempre fazer travessuras na rua, seu pai a ameaçava dizendo que ia dar ela para outra família.
Os primeiros passos
Quando tinha 13 anos, ela saiu de casa e acabou indo morar na casa da mãe do seu primeiro marido, dez anos mais velho, e pai dos primeiros quatro filhos. Foi quando ela decidiu fazer sapatos para dar uma ajuda em casa, que seu marido demonstrou os primeiros sinais de agressividade. Ela havia decidido que não queria mais filhos, pois na época já tinha quatro, e decidiu tomar pílulas anticoncepcionais. Num surto, alcoolizado, seu marido roubou suas pílulas e rasgou boa parte dos produtos que ela fizera. Marta que já era agredida pelo marido desde o nascimento de seu primeiro filho, quando tinha 15 anos, contou que já havia feito um boletim de ocorrência contra o marido e que havia retirado até o dia em que ele a espancou e tentou agredi-la com uma pá. Marta passou duas horas escondida embaixo de uma cama, até que ele se distraísse para que ela pudesse pular da janela e fugir para a delegacia, desde então eles estão separados por uma medida protetiva.
A vida com os filhos
Uma das tantas situações difíceis que Marta vivenciou na sua vida, foi quando o filho mais velho, numa noite de natal, não se conformando com o fim de um relacionamento, tenta o suicídio cortando os pulsos, após beber muito e fazer uso de cocaína. Como mãe, juntou forças, levantou ele do chão e levou até o carro de um vizinho e levaram-no ao hospital, onde saiu com vida.
Dos quatro filhos do primeiro relacionamento, dois puxaram as suas características, a falta de vontade pelos estudos. Os dois primeiros filhos não gostavam de ir ao colégio. A terceira foi a única que terminou o ensino médio e agora faz técnico em enfermagem. Desde pequena, sempre gostou de estudar.
Outra situação difícil é o quarto filho. Ele tinha tudo para se dar bem, era um rapaz dedicado aos estudos e queria um bom futuro. De uma hora pra outra, ele mudou drasticamente. Não queria mais estudar e tomar banho, só queria ficar em casa dormindo. Ele estava com depressão. E até os dias de hoje, Marta o leva ao psiquiatra e cuida ele sozinha.
Marta teve outro filho, fruto de outro relacionamento. O pai quis que ela abortasse, não queria aceitar que ela estava grávida. Quando o menino nasceu, ele aceitou a criança. A questão que desestruturou essa nova fase da vida de Marta, foi o fato de que o pai do menino fazia uso de drogas, e logo depois veio a falecer por overdose. Quando estava na maconha, Marta relevava, pois pra ela não tinha problema, porém após o nascimento da criança, ele passou a consumir drogas cada vez mais pesadas. O efeito disso foi que ele perdeu tudo. E o menino cresceu vendo o pai em situação de extrema miséria e ela o alertava para não ir para que não seguisse o mesmo caminho. Quando o pai do seu ultimo filho faleceu, em um primeiro momento, o menino até sentiu a perda, mas depois passou, pois o pai não era muito presente.
Relação com os irmãos
Marta tem uma irmã que é adventista, e que ainda mantém um bom contato. Outra irmã, filha do seu pai com outra mulher e outro irmão, filho do seu pai e da sua mãe falecida. Com esse, Marta não tem nenhum contato, na visão dela, como ele tem uma boa condição financeira, não a procura por receio de que ela venha pedir auxilio financeiro. Algum tempo trás, ele passou no lugar onde ela reside e por um breve momento se falaram, e depois não se viram mais.
Na vida de Marta, ela se arrepende de poucas coisas, ela diz que as coisas que aconteceram na vida dela, já passaram e ela não tem como se arrepender. Marta tinha um amigo, e segundo ela, era uma grande amizade. Essa amizade acabou em consequência de alguns erros da parte dela e essa é a única coisa que ela se lamenta.
A falta que o pai faz
A pessoa que Marta mais sente falta é o seu pai. Um homem que sempre tratou bem os filhos, e ensinou as coisas certas. O homem que se viu pressionado pelos vizinhos, dizendo que iriam denunciá-lo se não tomasse uma atitude em relação aos maus tratos cometidos pela sua companheira para com seus filhos, e que não pensou duas vezes, pegou as crianças e deixou a companheira pra trás.
Na sua infância, o pai dela nunca foi agressivo, só que elas faziam travessuras. E também nem chegou perto de ser abusivo, quando eram mais crianças, as meninas dormiam juntas na sua cama. Quando já eram mais grandinhas, ele comprou uma cama para elas dormirem juntas, pra ele, elas não tinham mais idade pra dormir com ele.
Ela acredita que seu pai se matou por que não conseguia mais lidar com os erros que ele havia cometido. Ele matou a própria companheira, mãe de Marta. Marta tinha dois anos, não tem lembranças dela. Ela descobriu quando tinha sete anos, num churrasco em família. Seu pai que havia bebido, falou sem querer. Ela soube mais detalhes de sua outra irmã. O ocorrido se deu quando a mãe dela o esperava atrás da porta para esfaqueá-lo, só que ele foi mais rápido e deu um tiro nela pela porta.
Seu pai faleceu 25 anos atrás. Uns dizem que ele se matou com sua própria arma e outros dizem que ele foi assassinado. Nunca foi investigado. Ele trabalhava como guarda, por isso andava armado. No final da vida de seu pai, Marta disse que ele começou a ficar ''louco''. Na opinião dela, ela achava que ele não podia deitar a cabeça no travesseiro sem pensar no que tinha feito.
Hoje, mais velha, Marta consegue refletir sobre os fatos que aconteceram na sua vida, na visão dela, antes não podia porque apanhava muito e nem tinha tempo de pensar.
“A vida foi muito sofrida, eu me lembro de ir pra escola e ver os piolhos caindo na minha sopa, eu morria de vergonha, mas a gente não tomava banho lá em casa, não tinha água, apenas recebíamos uns baldes da vizinha”.
Marta lembra que foi esse o pensamento que lhe fez sair das drogas, por ter passado tantas necessidades na vida, foi então que no ápice, após ter experimentado o crack, lembrou-se de como foi difícil crescer sem mãe, crescer na miséria em que havia nascido e se criado. Ela se afastou das drogas por não querer para os filhos a mesma história que ela viveu, e a partir daquele momento, nunca mais chegou perto das drogas.
Apesar de todas as coisas que aconteceram em sua vida, acima dos problemas, da violência e da miséria, Marta deixou seu recado para o mundo logo no inicio da nossa conversa.
“Minha vida sempre vai ser meus filhos, a gente briga com mãe e com pai, mas se eu tivesse ouvido o meu, não teria passado tanto trabalho. Como mãe a pior coisa, é você ver seus passarinhos saindo de baixo das suas asas, sem ter certeza de que vão conseguir se virar por ai”.Recolher