Rosalina Pacifico. Mulher. Índia Kaingang. 56 anos de vida sofrida. Foi assim que Rosalina se apresentou. Detrás de sua banca de artesanatos, lugar onde seus olhos castanhos amendoados já viram tantas histórias, ela compartilhou sua própria trajetória que apenas as ruas conheciam. Nasci...Continuar leitura
Rosalina Pacifico. Mulher. Índia Kaingang. 56 anos de vida sofrida. Foi assim que Rosalina se apresentou. Detrás de sua banca de artesanatos, lugar onde seus olhos castanhos amendoados já viram tantas histórias, ela compartilhou sua própria trajetória que apenas as ruas conheciam.
Nascida e criada em uma comunidade indígena em Nonoai, cidade localizada na fronteira entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, Rosalina deixou para trás mais do que sua casa. Deixou lar, e tradição, em que viveu durante 39 anos de sua vida, em 1999, migrando rumo à desconhecida capital gaúcha, Porto Alegre.
PERTO DE NONOAI
As mãos traziam marcas de quem desde cedo esteve presente nas tarefas da comunidade, assim como sua postura denunciava o cansaço do labor precoce. O ritmo de sua rotina era pesado. Sua infância não teve bonecas, nem bichinhos de pelúcia ou qualquer tipo de brincadeiras de ciranda. Aos seis anos madrugava nas lavouras junto aos índios de todas as idades. Não havia distinção de faixa etária e o serviço era o mesmo para todos independente das condições físicas ou climáticas. Aprendeu a colher, cortar e puxar lenha, e, em casa, cozinhar no gancho da cozinha junto as outras mulheres da tribo. “Nós plantávamos feijão, mandioca, batata, arroz e criávamos porco e galinha. A gente plantava de tudo para se alimenta desde criança”, relembra Rosalina com a nostalgia.
VIDA QUE SEGUE
A vida na tribo é regida pela dinâmica de coletividade. Cada um possui suas funções em prol do grupo, e nesse ambiente, a única forma de liderança é do cacique. Na tribo em que Rosalina residia houveram mudanças drásticas de poder. A morte do antigo cacique marcou a ascensão de um líder autoritário para a tribo Kaingang. “Eu me mudei porque queria caminhar. Os indígena gostam de caminhar, né. (sic)”, justifica a índia revoltada ao contar da rotina pouco flexível imposta pelo cacique.
Esse foi o estopim que Rosalina Pacifico precisava para deixar seu antigo lar e familiares. Em 1999, com seus oito filhos, algumas sacolas e com o marido a tiracolo, ela e a família partem para Porto Alegre em busca de sua liberdade. Mal Rosalina sabia que iria
enfrentar dificuldades para se adaptar à nova realidade. Encontrou a rua como casa. Adotou o português como sua segunda língua. Deixou a plantação para trabalhar com artesanato.
Se adaptar à nova rotina não foi fácil. Até 2005, sofreu com o frio, a chuva e as demais adversidades de viver com o mínimo de dignidade humana. Hoje, dona Rosalina vive na reserva indígena na Lomba do Pinheiro, parada 25, em sua casa de barro com telhado de capim e encontrou no artesanato sua forma de sustento para ela e sua família. Em uma banca na Praça da Alfândega, no Centro Histórico de Porto Alegre, ela aparentemente vende sua arte sozinha. Ao seu redor, porém, seus companheiros a acompanham nas vendas em um gesto de coletividade.
AUTOSSUFICIÊNCIA
Como uma pessoa de personalidade forte, Rosalina Pacifico, apesar de todas as adversidades encontradas em seu caminho, nunca se deixou abalar. O sorriso, mesmo contando seus piores momentos, não saia de seu rosto. O cansaço que sentia não a impedia de querer ajudar a fazer mais pelo próximo. A índia Rosalina possui apenas 56 anos, porém traz, em seus olhos amendoados e em sua postura, marcas de alguém que já viveu mais do que a idade que tem. O orgulho de ser índia Kaingang, de viver da terra, de lutar pela sua liberdade e de se sustentar pelo seu próprio artesanato está em sua essência. Seu sobrenome é Pacifico, mas sua trajetória sempre cobrou de Rosalina uma conduta severa.
Link do áudio: https://soundcloud.com/jennyfer-siqueira-375786793/rosalina-pacifico/s-rPbSvRecolher