DA TERRA RACHADA
Maurício dos Santos Ribeiro, 33 anos, solteiro, nasceu em uma família humilde em Coronel Bicaco, cidade do noroeste gaúcho. É um dos mais velhos dos 17 filhos da dona Helena e seu Sebastião. Já pequeno ajudava seus pais na lavoura. A maior dificuldade para manter uma ...Continuar leitura
DA TERRA RACHADA
Maurício dos Santos Ribeiro, 33 anos, solteiro, nasceu em uma família humilde em Coronel Bicaco, cidade do noroeste gaúcho. É um dos mais velhos dos 17 filhos da dona Helena e seu Sebastião. Já pequeno ajudava seus pais na lavoura. A maior dificuldade para manter uma família grande com poucos recursos aparecia em períodos de estiagem. E foram vários. A seca arrasava a pequena cidade, rachava a terra e dela quase nada crescia. Apenas abóbora. Era o único alimento para todas as refeições: do café da manhã ao jantar. Num desses períodos, Maurício foi apresentado a uma conhecida de muitos brasileiros: a fome. Parentes que moravam em cidades próximas tentavam amparar a família do jovem enviando alimentos. Nem sempre o que chegava era suficiente. Embora ajudasse no trato da terra, Maurício sempre foi incentivado a estudar. O pai insistia para que ele permanecesse na escola. Queria que – diferentemente dos pais – soubesse pelo menos escrever o próprio nome. Contudo, mal havia completado 14 anos quando perdeu o pai, vítima de um acidente vascular cerebral aos 63 anos. Abandonou a escola, um ano depois, decidido a trabalhar para ajudar a mãe. Aos 16 anos, Maurício deixou 11 irmãos – mais novos – aos cuidados de dona Helena. Saía de casa atrás de esperança. Foi para Porto Alegre agarrado à promessa de ajudar a família de alguma maneira.
NA RUA DE ESPERANÇA
Ao chegar à capital, Roberto, amigo de infância, lhe conseguiu emprego. E um teto. Trabalharam na obra da 3ª Perimetral (via que liga as zonas Sul e Norte de Porto Alegre). Após um ano, com o término das obras, Maurício precisava de um novo trabalho, mas também de um novo lar. A família de Roberto estava crescendo e a casa ficando pequena. Foi nesse momento complicado de sua trajetória que Maurício conheceu Jocemar. O novo amigo lhe conseguiu emprego. E também um teto. Ou quase isso. O lugar de descanso após um dia de trabalho, durante algum tempo, foi um Chevette. As coisas mudaram quando Maurício conheceu os pais de Jocemar. Dona Liberalina e seu Laurindo não tinham conhecimento sobre o "novo morador". Então, enquanto Maurício tomava café com Jocemar, foi surpreendido pela dona da casa. O susto passou ao ser rapidamente tranquilizado por dona Liberalina que o encorajou a terminar sua refeição. E fez mais. Ouviu a história de Maurício e, comovida, ofereceu um lugarzinho adequado para que pudesse dormir. Sem nenhum custo. Com o passar do tempo – e dos anos – obras e funções mudaram. A morada continua a mesma.
UM CAMINHO ATÉ O ACOLHIMENTO
Por alguns anos, a promessa que fez ao sair de casa foi cumprida. Conseguiu ajudar a mãe e os irmãos até o momento que ela não precisou mais. Dona Helena se aposentou e os irmãos de Maurício cresceram. Recentemente, o contato com os familiares de Coronel Bicaco foi perdido. Poucos meses atrás, Maurício foi assaltado. Levaram seu celular e com ele os números da mãe e dos amigos de sua cidade natal. A dificuldade em contatar os parentes não diminui a vontade de revê-los. Pelo menos uma vez no ano Maurício tenta ir até a região noroeste do Estado. No momento está se organizando para visitar a família. Essa é a única maneira de lograr novamente todos os números perdidos.
O bicaquense já é parte da família de moradores do bairro Agronomia, em Porto Alegre. Maurício, inclusive, é padrinho de um dos netos de dona Liberalina e seu Laurindo. O filho de Jocemar, está com 2 anos e não desgruda do “dindo”. Num terreno grande, localizado no alto do morro, mais de 20 pessoas, entre adultos e crianças – cães e gatos –, dividem-se em casas de material e de madeira. Aos poucos eles mudam a disposição das casas, sempre conforme a necessidade, seja um nascimento ou adoção de um novo membro para esta família numerosa. Obviamente, para Maurício isso não é problema. Acostumado a dividir o pouco que tinha com seus 16 irmãos, hoje ele mantém a escrita de morar com muitas pessoas. Só que agora sob a perspectiva de esperança que um dia o levou a deixar o pequeno município de Coronel Bicaco.Recolher