Meu nome é Renata, nasci no interior de São Paulo e vou contar uma história que alguns podem considerar loucura, mas eu prefiro seguir o inspirador dela e entendê-la em uma frase: No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo! (Guimarães Rosa).
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Meu nome é Renata, nasci no interior de São Paulo e vou contar uma história que alguns podem considerar loucura, mas eu prefiro seguir o inspirador dela e entendê-la em uma frase: No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo! (Guimarães Rosa).
Em 2010 entendi que o mundo poderia ser o meu quintal ou o tamanho que ele próprio quisesse. Alguns amigos eram grandes leitores de Jack Kerouac e dividíamos uma casa na época da faculdade. Por influência deles comecei a viajar não mais do modo tradicional: ônibus, horário de chegada, de partida, passagem comprada.
Claro que na época - um tanto breve - tive a oportunidade de me dar esse presente. Comecei minhas jornadas viajando de caronas, no dedão, na pista, com a cara e a coragem e todo um ritual. Não era simplesmente chegar lá e esticar o braço. As meninas iam com roupas largas, escuras, confeccionávamos placas com o nome da cidade onde queríamos chegar, carregados com mapas embaixo dos braços e com o pensamento de que tudo daria certo.
Nessas experiências conheci dezenas de pessoas incríveis que se abriam, contando detalhes da vida, dos problemas ou ficavam caladas a viagem toda e mesmo assim era uma partilha o próprio momento. Em julho de 2010 eu e um amigo resolvemos cortar o Estado de Minas Gerais pegando as caronas. Partimos da cidade de São Carlos e chegamos à Januária, sertão mineiro, quase Bahia. No total rodamos 2.308 km em 10 dias. Era o tempo que tínhamos. Paramos em 4 cidades e pegamos, sem dúvida, mais de 20 caronas. Em sua grande maioria caminhões de carga e carros. Um policial que fazia escolta para governadores e presidente que estava de folga indo visitar a filha de 9 meses. Um semianalfabeto sem carta. Um caminhoneiro de 21 anos chamado Perereca, com um Che Guevara tatuado no braço direito, ex-vocalista de uma banda punk rock que traía a namorada com a Fernanda, uma atendente de posto de gasolina lá de Goiás. Inclusive esse pediu vários conselhos de relacionamento para nós que nem éramos namorados!
Também conhecemos o Seu Zé, marceneiro que nos deu carona de Lontra até Januária, nos levou até o Rio São Francisco, apresentou pro dono do Quiosque e pagou uma porção de peixe e várias cervejas, dando R$96 a conta. E aí de nós se recusássemos! Depois no dia seguinte ainda nos ofereceu almoço e banho em sua própria casa. Conhecemos pessoas maravilhosas que nos acolhiam, nos davam comidas, cafés, hospedagem.
Passamos perrengues de chegar nas cidades e já estar escuro e não ter onde dormir. Acampamos todos os dias, em quintais, em chácaras, em posto de gasolina e, maravilhosamente, na beira do Rio São Francisco. Também dormimos dentro de um caminhão baú que estava vazio. Aquele era nosso mundo, nosso quintal. Aquelas pessoas nos mostravam que é possível, sim, acreditar na bondade do ser humano e que as relações pessoais e sinceras não estão perdidas.
Nos acolheram com muito cuidado e carinho. Vimos cavernas, vimos o Museu do Guimarães Rosa, vimos o sertão, a necessidade batendo na porta. E o valor que cada pessoa tem. Hoje, escrevendo um pouco e revendo as fotos sinto por não ter um diário que me acompanhasse. Quem sabe na próxima. Um dia. Talvez.Recolher