Meu nome é Flávia, e a história que tenho aqui não é uma história minha e sim de meu pai. O texto a seguir foi encontrado há pouco tempo, mas depois de 10 anos de seu falecimento, ocorrido em 31/12/1996, e como a intenção de meu pai era divulgar a história em uma estação de rádio, minh...Continuar leitura
Meu nome é Flávia, e a história que tenho aqui não é uma história minha e sim de meu pai.
O texto a seguir foi encontrado há pouco tempo, mas depois de 10 anos de seu falecimento, ocorrido em 31/12/1996, e como a intenção de meu pai era divulgar a história em uma estação de rádio, minha família decidiu que seria uma história interessante para ser divulgada a mais pessoas através da internet. Todo seu conteúdo é uma cópia fiel da carta de meu pai escrita de suas próprias mãos. Espero que gostem.
Blumenau, 01/05/96 – 14:30 hs Assunto: Caso verdade Destino Wilson Roberto – Rádio Globo
Alô Wilson.
Sou um ouvinte da rádio Globo, principalmente deste seu programa da tarde a partir das 13:30. Sempre que posso, ligo o rádio à tarde para escutar o teu programa. Nunca pedi música, nem participei dos sorteios, mas estou sempre ligado na Globo. Gosto de ouvir a voz do Sr. Jairo de Barros, que é um grande amigo meu e da minha família. O programa do Arnaldo, “Na boca do povo”, é um programa que todas as rádios deveriam ter para esclarecimentos e reclamações no ar. É um excelente programa. Enfim, a Equipe Globo parece mais uma visita em casa do que realmente uma transmissão de rádio, com informações precisas e claras, sem falar naquela simpatia que vocês transmitem aos ouvintes. Vocês são o máximo, vale a pena ficar com vocês o dia todo ligado na Globo. Como nunca pedi uma música, gostaria de ouvir a música com a família do Chitãozinho e filhos, "Vamos Construir",
que dedico à minha família em geral e todos os ouvintes de nossa rádio Globo.
Continuando.
Wilson, Gosto muito de escutar o programa "Caso Verdade"
e tenho a história da minha vida para que, caso ache adequado, colocar no seu programa. É uma história verídica, com fortes lembranças, que às vezes não gosto de lembrar porque provocam lágrimas nos meus olhos,
embora hoje, tudo seja diferente, pois hoje estou contemplado uma casa própria, filhos, alguns já casados e netos. Wilson, eis a minha história
Nasci no arquipélago de Cabo Verde, no dia 28 de outubro de 1937. Este arquipélago de 10 ilhas fica situado na parte ocidental da África. No meio do Oceano Atlântico, entre o Brasil e o continente africano, para ser mais preciso.
Meu pai morreu quando eu tinha 11 anos. A minha mãe conseguiu, com todas as dificuldades, nos instruir, eu e minhas duas irmãs. Quando eu tinha 12 anos já tomava conta da casa, pois tínhamos algumas terras e, junto com meus tios, administrava a casa com a minha mãe e minha irmãs, andando algumas vezes a pé para chegar nas terras para trabalhar. Como as chuvas eram poucas durante o ano, às vezes as colheitas não eram suficientes para o sustento e as coisas iam piorando cada vez mais . Quando eu tinha 17 anos, saia para as terras para trabalhar e ao voltar, depois de um dia de trabalho, à tarde, olhava para o mar, bem lá longe, observava o horizonte e falava comigo mesmo: "Um dia eu vou viajar naquele mar. Vou para algum lugar que seja melhor do que aqui, com menos sacrifício. Aqui cada vez está piorando mais".
Aos 18 anos, conheci um Sr., o José Caldeira Marques, que era pastor evangélico e viajava para as outras ilhas para evangelizar naquele local. Ele tinha um rádio. E naquele tempo quase não existia rádios nem jornais e revistas onde eu morava. Ele recebia algumas revistas como o Cruzeiro. Através deste homem comecei a tomar conhecimento das coisas fora da África, como ouvir relato pelo rádio e inclusive aqueles programas do Brasil, através de ondas curtas à noite. Comecei também a ler revistas e passei a me interessar no Brasil, recebia pessoas que vinham do país e ficava deslumbrado. Carnaval, futebol, enfim, comecei a entrar em outro mundo.
Aos 18 anos, fui para alistamento militar. Como eu só tinha 1,62m, achava que não podia ser soldado. Me enganei. Em março de 1958 entrei para o quartel militar. Eu também podia ser dispensado do quartel após juramento da bandeira pois era arrimo de família, mas, ainda dependia da taxa de imposto que pagava por ano à prefeitura. Não fui dispensado, pois a taxa que a minha mãe pagava ultrapassava a mínima exigida. Fui para a escola de cabo do exército. Passei. Fui cabo no quartel até minha saída. Na cidade onde fui servir o exército, conheci um amigo com mais revistas do Brasil e aparelhos de rádios. As coisas estavam melhorando para mim. Nesta cidade, Mindêlo, tem o porto marítimo. Naquele tempo os navios da Loide do Brasil estavam sempre chegando e tive oportunidade de iniciar convívio com brasileiros. Então comecei a juntas as duas coisas: as informações do Brasil das revistas e pessoalmente com os brasileiros. Como Pelé e Garrincha já eram conhecidos no mundo do futebol naquele tempo, não tive mais dúvidas. Decidi e disse: "Quando sair do exército vou para o Brasil"
Agora a parte mais importante para se tornar a fantasia realidade: a viagem. 1 – Como conseguir deixar a família e a minha terra e os amigos e ir para um lugar tão longe? 2 – Como conseguir dinheiro para as despesas dos documentos e passaporte para sair daqui para o Brasil? 3 – Quantos dias leva o navio da África até o Brasil, porque de avião eu imaginava que seria muito caro, era idéia descartada. 4 – Quem é que me receberia no Brasil no caso Rio de Janeiro se eu nem tinha idéia o que era a cidade de Guanabara naquele tempo. 5 – Onde eu ia morar? Com quem? Eu tinha o endereço de algumas pessoas que moravam no Rio, mas será que eles vão se encontrar comigo quando eu chegar? E se não tiver ninguém me esperando? 6 – Como é que eu ia conseguir dinheiro para meu custeio? 7 – Qual o tipo de trabalho que eu ia fazer para ganhar dinheiro para viver? Em uns instantes eu desanimei, mas não varri a idéia da cabeça. O meu objetivo era chegar no Brasil e ver Pelé, o Garrincha, jogar bola no Maracanã. Depois de sair do exército fui para minha casa. Passei 18 meses fora de casa. Quando fui para casa falei com a minha mãe o que eu tinha pensado durante a minha ausência. Foi um choque pra ela. Disse que o Brasil era muito longe e que nós não nos veríamos nunca mais porque ela já estava com mais de 40 anos e as pessoas que tinham vindo para o Brasil nunca mais voltaram para suas famílias na África. Aquelas palavras me deixaram triste e por algum tempo pensativo se viajaria ou não. Dias depois eu estava resolvido que viajava para o Brasil. O problema agora era conseguir dinheiro para a viagem.
Dinheiro para a viagem Para conseguir dinheiro eu falei com a minha mãe e seguinte: "Tenho herança de terra do meu pai. Vou vender uma parte para conseguir dinheiro para a viagem. Se eu for bem sucedido não quero mais nada da herança, se eu não for bem sucedido, vocês mandam me buscar". E assim foi. Vendi algumas terras e arranjei dinheiro para documentos e mais alguns dólares para ter no bolso, que não eram muitos. Embarquei no porto de Mindêlo na África, Cabo Verde, no dia 20 de setembro de 1960. Passei pelo Recife, Salvador e no dia 26 de setembro no Rio de Janeiro. Foram 6 belos dias de viagem dentro de um luxuoso navio que jamais esquecerei. A minha primeira surpresa foi quando o navio direcionou do alto mar para o porto do Rio de Janeiro. Eu perguntava o que eram aquelas manchas brancas e me dizia que eram edifícios. Claro que não conhecia porque na minha terra só tinham casa até 1º andar e não eram tantas as casas assim. Continuava a minha expectativa. Mesmo com coração alegre por ter concluído o meu intento de chegar no Rio de Janeiro, ainda preocupado quem estaria me esperando. Depois de liberado o passaporte eu e mais alguns companheiros descemos a escada do navio e, para minha felicidade, quando botei os pés no Rio de Janeiro lá estavam alguns conhecidos para encontrar comigo. Isso foi a felicidade completa. Parecia mentira. Eu estava no Rio de Janeiro que tanto sonhava. Deus me abençoou. Mas logo tive a primeira surpresa. A pessoa que foi encontrar comigo me disse que não íamos ficar na cidade. Pegaríamos um ônibus (eu não sabia o que era um ônibus) para ir para casa. Como eu tinha desembarcado do navio naquele momento, estava de terno e gravata. O amigo me disse: "Pega a tua mala e vamos até o ônibus". E eu olhei para ele e disse: "Não tem ninguém para carregar a mala?" Ele me respondeu: "Tem, mas eles cobram muito caro e o ônibus não está muito longe". Não tive outro jeito, coloquei a mala nas costas e fui andando nas ruas da praça Mauá até o ônibus da linha Nilópolis – Praça Mauá. Afinal ia ficar em Olinda – Estado do Rio de Janeiro a 28 km da cidade. Pegamos o ônibus e depois de uma hora chegamos em Olinda. Ali encontramos mais alguns africanos que há muitos anos tinham vindo para o Brasil. Fique na casa de conhecidos durante algum tempo para conseguir documentos legais dentro do país. Também dava umas voltas para conhecer a cidade de Guanabara. Eu estava tão eufórico de ter chegado no Brasil, embora a saudade já me apertasse. Estava tão longe de casa e comecei a ver tudo diferente. Eu estava tão perdido, e surpreso com tantas novidades. Era barulho de trem, de rádio e buzina de ônibus, tanto movimento na rua, coisa que eu não estava acostumado. Por alguns dias andei muito, mas estava feliz. Afinal eu tinha chegado no Brasil.
Após conseguir os documentos, fui procurar trabalho. Consegui um emprego na Sudantex, onde fazia o Nycron na rua Marquês de São Vicente (Hoje não existe mais lá). Era um sacrifício para quem nunca tinha trabalhado com horário marcado. O horário era das seis da manhã às duas da tarde. Eu pegava o trem em Nilópolis às 4:30 da manhã até Central do Brasil. Ali eu pegava o ônibus para Gávea. Era uma corrida. A tarde eu saia às duas da tarde pegava o ônibus até a Central do Brasil. Pegava o trem para Olinda novamente. Wilson, nestas viagens observei que quando o trem chegava na estação da Central, assim que parava era uma loucura. Gente querendo sair, entrar, uma confusão danada e eu não entendia nada. Naquele tempo a junção dos vagões não era coberto e muitos passageiros viajavam ali nas escadinhas. Como a viagem era longa, quem não entrasse logo tinha de viajar em pé durante mais de uma hora. E diante desta situação eu sobrava porque não queria ofender ninguém e eu não estava acostumado com aquele tipo de movimento. Parecia uma loucura. Quando o trem parava, as pessoas entravam pelas janelas. Carregavam pedras nos bolsos para colocar na porta para não deixar fechar pois o calor era tanto porque os ventiladores internos não funcionavam. Vendo aquilo eu vi que tinha de mudar meu comportamento ou mudar do lugar onde morava. Afinal não era nada agradável aquela situação. Fiquei seis meses naquela situação e tive de entrar no ritmo dos outros: entrando pela janela, trancando as portas e viajando nas escadinhas das junções dos vagões. Até que um dia quando o trem chegou em Olinda eu ia descer na escadinha e outro rapaz ia subir para pegar o lugar que eu sai. Nos batemos um no outro e caímos em pé, entre dois vagões do trem e o rapaz ainda queria brigar comigo naquele buraco. Se o pessoal da plataforma não nos desse a mão para sair rápido de lá antes que o trem saísse não estaria contando a história. O trem teria nos esmagado nos trilhos. Pensando na situação e querendo estudar, resolvi sair do Estado de Rio de Janeiro para morar na cidade. Afinal era o meu sonho, morar na Guanabara. Fui morar no centro e continuei trabalhando das duas às seis.
Comecei estudar datilografia na escola Remington e obtive o diploma. Continuei os estudos e me matriculei para prático em contabilidade, incluindo inglês comercial. Depois, como eu gostava de eletricidade, me matriculei na Escola Eletra na Avenida Rio Branco, onde fiz o prático de montagem e reparação de rádio, iniciando televisão. Fiz todos esses cursos enquanto continuava no meu primeiro emprego, de 1960 a 1967.
Viagem a São Paulo Após 1967, já casado e com um filho, pedi demissão do emprego para me mudar para São Paulo, onde eu poderia ganhar um pouco melhor e talvez ter melhor oportunidades. Afinal, São Paulo é uma cidade industrial e eu já estava com bastante experiência nos setor têxtil. Embora tenha pedido demissão, a companhia me indenizou, como reconhecimento do trabalho prestado na empresa de por sete anos. Chegando a São Paulo, fui morar no Jardim Anchieta, município de Mauá, Estado de São Paulo, onde morava um conhecido. Embora estando há 7 anos no Brasil, me assustei com a dimensão de São Paulo. Eu precisava conhecer as fábricas para procurar emprego. Aluguei uma casa para morar com a família e depois procurar emprego para não gastar o dinheiro que eu tinha sido indenizado. Um colega me sugeriu a comprar um açougue próximo da minha casa junto com um sócio. Eu não entendia de açougueiro, mas topei a compra. Aprendi a trabalhar no açougue e a minha mulher também. Mas não deu certo com o sócio. Perdi oito meses de trabalho mais o meu dinheiro e parti para procurar emprego que era o meu primeiro objetivo. Fui na fábrica Firestone – fábrica de pneus em Santo André. Consegui um emprego na fiação e tecelagem. Como eu já tinha algum estudo e muita experiência, a firma me ofereceu um estágio para instrutor têxtil. Após alguns meses eu já estava na administração de produção aturando como instrutor têxtil, função que desempenhei quase dois anos.
Viagem para Blumenau Quando trabalhava em São Paulo na Firestone Fábrica de Pneus, na área de treinamento com função de instrutor têxtil, o meu chefe ganhou um concurso para trabalhar em Blumenau, na Empresa Industrial Garcia, na área de tempos e métodos. Ele me convidou para trabalhar com ele em Blumenau, mas achei que era muito longe, 700km, e era cidade de interior talvez não seria muito bom. Mas resolvi vir conhecer Blumenau, gostei da cidadezinha e aceitei o convite. Cheguei em Blumenau em novembro de 1971, na Empresa Industrial Garcia com a função de instrutor de métodos e racionalização do trabalho. Continuei os estudos dentro da administração de produção e confecção, passei para técnica, cronotécnica e análise e simplificação de métodos e custos operacionais. Foi quando minha mulher começou a ficar doente. A partir de 1972 a situação ficou ruim para mim. Freqüentes internações para tratamentos de bronquite, tonturas, sistema nervoso e outras coisas mais, muitas complicações. Com duas crianças, mulher doente e ninguém para ajudar a coisa ficou dura. A mulher desmaiava e caia no chão. Ia no médico e não melhorava. Quando melhorava do desmaio, para o hospital com bronquite. Quando não eram as doenças, chorava dia inteiro. Foi uma época que eu não gosto nem de lembrar. Eu ia pro escritório trabalhar e quando voltava ao meio dia pra casa, tinha que fazer comida para as crianças, dar remédio à mulher e voltar para o escritório às 13:30, deixando a mulher na cama ou no hospital e as crianças no vizinho, porque aqui eu não tinha ninguém para pedir auxílio, a não ser o vizinho. Embora já gostando de Blumenau, resolvi pedir demissão da empresa e ir até o Rio de Janeiro, onde minha mulher tinha irmã e tios que poderiam me auxiliar com a doença dela. Depois da melhora dela, eu iria para São Paulo novamente onde ficava mais perto do Rio e do pessoal dela. Embora eu tenha pedido demissão na empresa, pois várias vezes tive de sair do escritório no horário de trabalho para atender a mulher em casa e levá-la para o hospital, fui indenizado pela empresa, pois consideraram que a minha saída era por motivo de doença familiar e me deram a indenização como auxílio.
Após a saída da empresa (Artex), preparei a família para viajar para o Rio de Janeiro. Quando comecei a comunicar os conhecidos que ia deixar Blumenau por motivo de doenças da minha mulher, todos ficaram tristes. Afinal, eu já tinha grande amizade com a turma e gostava muito de Blumenau, pois morava há cinco anos lá. Ao comunicar minha decisão a um amigo, ele ficou surpreso e pediu que eu o aguardasse em minha casa que ele iria falar comigo. Na verdade ele foi falar comigo. Este amigo trabalhava numa empresa têxtil (Cia. Hering) e tinha montado um escritório de tempos e métodos e me pediu que não fosse embora, mas que ficasse com eles, pois, eu já tinha muita experiência naquele departamento e eles precisavam de mim. Expliquei pra ele porque eu ia embora de Blumenau, que não era a minha vontade, mas por causa da minha mulher. Como ele sabia que minha mulher estava em tratamento médico, foi ver como ela estava. Nesta época ela já estava melhor. Então ficamos conversando. Como ela sabia que eu gostava muito de Blumenau, ela me disse: "Olha, já estou bem melhor. Nós podíamos ficar mais algum tempo e você vai trabalhar com o amigo. Se eu continuar melhorando e ficar boa, ficamos em Blumenau. Se não melhorar nós vamos embora". Ficou combinado assim e fui trabalhar na empresa na função de tempo e métodos, uma função dentro do departamento de engenharia de produção. Daí pra frente correu tudo bem. Mudei da Garcia, onde morava, para Ponta Aguda, no Centro. Agora eu precisava uma casa para completar minha alegria, pois tudo tinha mudado para melhor. Cheguei a comprar um carro usado (TL). As crianças estavam no colégio particular, (Sagrada Família) tudo ia muito bem.
Em 1980 comprei uma casa através da Cooperativa Verde Vale. Estava completa a minha felicidade. Afinal aquele garoto que ficou com o Brasil no pensamento tinha realizado o sonho, atravessou tantas dificuldades, mas atingiu o seu objetivo que era morar no Brasil, este país imenso e lindo que Deus abençoou. Continuamos os tratamentos da minha mulher até que conheci um médico pneumologista que tem uma clínica no centro, o Dr. Dario. Iniciamos o tratamento intensivo nesta clínica e ela melhorava cada vez mais. De repente constatou que ela tinha uma úlcera no estômago e foi constatado que era causada pela quantidade de medicamentos que ela tomava para os pulmões. Aí entrou mais um médico trabalhando em conjunto com o pneumologista controlando as receitas para cada doença. Então veio o desânimo. Ela não podia operar a úlcera porque não tinha condições por causa do tratamento dos pulmões. A minha mulher começou a fazer um tratamento da úlcera. Ele podia ser feito em casa, mas com repouso absoluto na cama. Era época de chuva e logo veio a enchente de 1983. As águas foram subindo. O remédio ia acabando e não tinha como sair para comprar mais. De repente tudo ficou inundado e veio a enchente. Piorou tudo. Começou a entrar água na minha casa, eu com filhos pequenos e mulher doente na cama. Tivemos de sair da casa e ir para uma casa que estava em construção no morro. Passamos 6 dias fora até as águas baixarem. Quando as águas baixaram fomos para casa, mas Blumenau estava ainda debaixo de água. Resolvi mandar minha família para o Rio de Janeiro mesmo com a mulher doente e filhos pequenos, o maior tinha 16 anos. Não tinha naquele tempo ônibus direto para o Rio. Eles foram até São Paulo e de lá pegaram ônibus para o Rio. Eu fiquei em Blumenau para ver os estragos e limpar a casa. Foi um sufoco.
Em 1984 aconteceu uma outra enchente, mas já estávamos em uma situação melhor. Minha mulher estava boa e tudo correu normal. Somente tivemos novamente que sair de casa ir para outra casa no morro. Hoje tudo já é diferente. Tenho coragem para escrever alguma coisa sobre minha vida porque entre alegrias e tristezas que já passei, há somente uma tristeza que até hoje me abala quando lembro. É que há mais de 10 anos a minha mãe morreu em Lisboa numa situação tão esquisita que até hoje não se achou o cadáver. A história contada por minha irmã é que ela estava no cinema com uma neta. A neta foi até o banheiro e como a minha mãe achou a neta demorava, saiu da sala do cinema procurá-la e até hoje não se tem notícias dela.
Hoje sou aposentado mas ainda trabalho. A minha mulher não está totalmente curada. Tenho a minha casa, um filho com 28 anos já tem sua família, uma filha com 26 anos já casada também, outra com 21 anos que está noiva e uma com 15 anos terminando 1º grau. Tenho 2 netas e 1 neto. Sou feliz e agradeço a todos os brasileiros que me acolheram e que, de um modo ou de outro, tenham contribuído para esta minha felicidade.
Um dia um garoto africano sonhou em viver no Brasil e o sonho se tornou realidade. Obrigado Brasileiros. Obrigado Brasil.Recolher