Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube
Depoente: Adhemar Ferreira da Silva
Entrevistado por: Marina, Cláudia e Valéria
Transcrito: Karina Medici Barrella
São Paulo, 27 de novembro e 08 de dezembro de 1993
Entrevista nº 005
P/1 – Você continuou na casa dos seus pais até o (ruído; sem som de 0:00:12 a 0:00:25)
R – ... formaram uma família (ruído; sem som 0:00:27 a 0:00:52)... abriam um tanque e também uma privada. Era um terreno de 11 de frente por 42 de fundo, e o resto então cabia aquele elemento que (corte no áudio), que eles acabavam entregando até, era um quarto, cozinha, mais o que eu disse, tanque, poço e privada. O resto cabia (corte no áudio, sem som de 0:01:18 a 0:01:44) eram os meus pais. E também pelo que eles conversavam: “Infelizmente vamos perder a casa”. Perder a casa porque não tinha dinheiro para a prestação mensal. E essas prestações mensais já estavam em atraso por quase um ano, ou talvez mais de um ano, então eram empréstimos que se faziam de elementos usurários que cobravam juros pesados para que a gente pudesse pôr a prestação em dia. Mas felizmente, como a gente sempre tem que ter uma esperança, nós conseguimos fazer passar aquela fase, a casa foi paga e a partir de então começamos a melhorar a casa. Então, da sala e quarto que era a casa chegou a ter três quartos, duas salas, cozinha, banheiro, e não mais a privada. Enfim, passou a ser uma casa decente, uma casa grande para nós três. Portanto, ao casar, cabia mais uma pessoa e eu passei, continuei morando na casa com a minha esposa. Mas num determinado momento da vida, e é natural depois de dois anos, mais ou menos, eu senti que quem casa quer casa. E a minha mulher conversou comigo, se não daria jeito da gente ter a casa livre para morar, ou seja, morar num outro lugar, somente o casal. Isso era uma coisa dificílima, eu creio que qualquer um pode entender, porque seria romper os laços de um filho único com os seus pais. Ao mesmo tempo, não havia condições de dizer: “Meus pais, nós vamos sair. Eu vou deixá-los porque quero formar a minha casa”. Então aconteceram várias coisas. Primeiro, eu falo de 1953, uma terrível coisa que aconteceu, terrível naquele momento, mas depois eu dei graças a Deus que tivesse acontecido. Eu saí para uma viagem representando o Brasil, isso em 53, na equipe atlética do Brasil num sulamericano no Chile (corte no áudio). Um funcionário da prefeitura municipal. Passei uma semana, foi o tempo necessário para participar daquele campeonato sulamericano e, ao regressar, o prefeito havia cortado o meu ponto e descontando o meu salário. Eu não achei justo, reclamei. E de reclamar, talvez eu tenha reclamado de uma forma muito dura, mas o (sem som 0:04:57 a 0:05:03) como o seu estandarte (sem som 0:05:08 a 0:05:26) o Jovem Pan. Eu fazia o (corte no áudio) horário, a locução comercial e fazia também a crônica esportiva reunido com (sem som 05:41 a 0:05:46). Eu, Tetsuo Okamoto e Clara Mueller. E o programa chamava Esporte por Esporte, Clara Mueller comentava a parte do esporte feminino, Tetsuo Okamoto a parte de Natação e eu do Atletismo. Mas diante do que aconteceu, o Jornal Última Hora me procurou e procurou para uma entrevista, mas uma entrevista que fosse contundente. Isso aconteceu. Como o slogan daquele senhor era uma vassoura e pretendia limpar eu não sei bem o quê, principalmente em mim que não tinha sujeira nenhuma, então eu entrei dentro de um latão de lixo e um dos meus colegas, com uma vassoura, tentando me bater e a fotografia estampada foi aquela vassoura em minha direção e eu tentando me defender da vassoura. Fui para um programa de televisão e ali eu disse que eu tinha saído para defender o Brasil. Apregoavam que o senhor Jânio Quadros era (sem som 0:07:05 a 0:07:09) com isso eu não concordava. Apregoavam que ele era o novo Lincoln, então eu comecei a dizer que como Lincoln talvez eu pudesse aceitá-lo, porque o que ele estava fazendo comigo fazia com que eu lutasse como um negro para sair da escravidão dele, talvez nessa parte ele pudesse ser um Lincoln. E lógico, tudo isso saindo nos jornais, estampados. Nos programas de televisão, nos programas de rádio, isso chega ao gabinete daquele senhor prefeito e, logicamente, eu perdi o meu emprego com um inquérito administrativo. Eu adorei porque alguns meses depois, ou algum tempo depois, ele passou a ser presidente da república, como presidente da república ele abandonou a presidência, ou teve que abandonar, não sei, mas nesse tempo eu já estava numa outra bem melhor, eu estava a caminho da África para ser o adido cultural da nossa embaixada. São fases, são partes da história da minha vida.
P/1 – Voltando um pouquinho na parte do seu casamento. Então dá pra você contar como foi que você conheceu a sua esposa, como é que foi o casamento?
R – Isso é muito fácil, contar como conheci a minha esposa. Do bairro, meu pai trabalhava na Sorocabana, o pai dela trabalhava na Sorocabana e ela trabalhava na Sorocabana. Então havia uma coincidência de horário, principalmente horário da volta, ela tomava o mesmo bonde, o Bonde 55 da Casa Verde que eu tomava. E às vezes com o pai, ou geralmente com o pai dela. E nós fazíamos o mesmo trajeto porque éramos vizinhos. Então, é lógico que depois de algum tempo, de descer do bonde, andar 15, 20 minutos, sempre conversando, as coisas foram se modificando. Eu era uma espécie de confidente dela, então ela me falava como é que ela estava com o namorado dela, eu também confidenciava como estava com a minha namorada, ou as minhas namoradas, e num determinado momento ela rompeu com o namorado dela e eu tinha rompido com a minha namorada. E aí, nos juntamos e em menos de um ano nos casamos. Isso foi a questão do casamento. Agora podem imaginar que eu estou falando de 1953 e em 1952 eu ganhei os Jogos em Helsinque, portanto, tudo isso que eu contei da minha fase da prefeitura eu já era um campeão olímpico e eu estava recebendo em paga do que eu fiz aquilo que aquele senhor estava fazendo. Eu lembro-me que um jornal de Los Angeles estampou: “Quem é esse prefeito louco que tem coragem de punir um campeão olímpico?”, principalmente porque nós tínhamos tido uma primeira medalha de ouro em 1920, nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, através, o Guilherme Paraense em uma prova de pistola livre, tiro ao alvo. Mas eu só entrei nesta partezinha para dizer como foi o casamento. O casamento aconteceu no dia 12 de dezembro de 1953, um casamento que distribuídos foram mil convites e logicamente com os penetras nós tivemos aproximadamente mil e 500 pessoas num salão de festas no próprio bairro da Casa Verde, em cima de uma padaria cujo nome era Padaria Baruel. O casamento para mim foi uma coisa magnífica porque realmente eu encontrei aquela mulher que foi e é a minha esposa, e que foi e é, ainda, uma grande mãe e que hoje já é uma grande avó. Infelizmente neste momento ela não está bem, sofre em razão da morte de um filho que se deu há dez anos, o Júnior, que estaria hoje com 34 pra 35 anos e esse choque levou-a a uma depressão e da depressão ela está com uma esclerose múltipla e já não é, infelizmente não é, mais aquela mulher que fora todo o tempo da nossa vida.
P/1 – Você tem mais uma filha?
R – Tenho uma filha e essa filha é Adyel. Adyel, hoje, é uma pessoa, eu diria, conhecida, não tão conhecida, não tão famosa, mas lutando por um lugar ao sol no show business. Ela canta muitíssimo bem, só que não teve ainda a sorte de encontrar um patrocínio para uma gravação. E essa Adyel é a mãe do Diego. O Diego é o meu neto que neste dia que estou prestando esse depoimento, Diego está com nove anos, vai completar dez, e que é a alegria do lar.
P/1 – Como era o nome do seu filho?
R – Adhemar Ferreira da Silva Júnior, conhecido por Júnior. Excelente pessoa, um senhor relações públicas nato, trabalhou no Sesc e Sesi. Eu encontro diretores dessas organizações que se referem a ele com muito respeito, com muitas saudades, porque realmente o Júnior, ninguém podia ficar triste ao lado dele. E eu lembro-me quando ele era pequeno, as peraltices que ele fazia, próprias de uma criança, às vezes eu investia contra ele, mas não chegava a concluir porque com um sorriso ele me desmanchava. Assim era o nosso Júnior, que era muitíssimo ligado à mãe e surpreendia durante o dia de trabalho chegando em determinados momentos à casa dizendo: “Gatinha, eu vim só pra ver como você está”, e em seguida voltava para o seu local de trabalho.
P/1 – Você poderia dizer os passos que você deu no atletismo a partir daquele momento em que você leva o seu tênis, vai querendo ser atleta. Dizer como foram essas passagens até você se tornar (corte).
R – Doutor José Mazucato, eu cheguei (sem som 0:15:08 a 0:15:14) e fui apresentado ao técnico. Técnico eu não sabia o seu nome, eu só podia ver que era um alemão forte, cabelos loiros, olhos azuis, e que ao ser apresentado a ele, ele me disse: “Ah, tudo bem. Vá lá, troque de roupa e volte aqui”. Eu desconhecendo tudo, eu achei que aquilo não era uma recepção muito boa para quem pretendia ser atleta, mas isso só na minha cabeça. Então fiz o que ele mandou, fui, troquei roupa, voltei e ele disse: “Agora você dê três voltas na pista”. Dei as três voltas na pista, que depois eu vim saber chamar-se aquecimento. Aí voltando a ele, ele disse: “Junte-se àquele grupo e faça ginástica”. Eu fui lá, juntei-me ao grupo, tentei fazer aquilo que eu não sabia, eu não sabia fazer ginástica, mas fui copiando os demais. E depois eu fui participando de uma espécie de oficina, ou seja, passei por corridas de cem, de 200, de mil metros; saltei distância, altura, só que eu não sabia que o nome era de distância, o nome era altura. Entrei num chamado Revezamento, a única coisa que eu via, que um tratava de passar o bastão para o outro em determinados momentos da corrida. Enfim, naquele ano de 1946, meados para o fim de 46, eu participei de competições, competições amistosas, e não consegui dar nenhum ponto ao clube. Ou seja, eu teria que chegar pelo menos até o sexto lugar para dar um ponto, então eu estava sempre chegando no sétimo. Se havia um último, eu chegava depois desse último. E assim era a minha situação dentro do Atletismo, aquilo que eu resolvera mudar, ao invés do futebol, para o atletismo. Em 1947, numa determinada noite, eu vejo alguém fazendo alguma coisa que eu não conhecia, e perguntei a esse atleta o que era. E ele disse: “Isso é Salto Triplo” “Salto Triplo. E como é que se faz?”, aí ele me explicou que eu deveria tomar uma certa distância, correr, chegar até aquela tábua branca que delimitava o início dos saltos, bater com o pé direito ou o pé esquerdo naquela tábua, alçar o meu corpo, cair sobre a mesma perna, alçar novamente, mudar de perna e terminar no tanque de areia. Eu achei muito interessante só que pedi a ele que me explicasse novamente porque eu não tinha entendido absolutamente nada. Mas tomei distância, corri, saltei. Quando eu caio no tanque de areia ele, ao invés de me dizer alguma coisa, foi atrás do técnico. E veio ele com o técnico, em seguida dizem: “Faça novamente isso”. Eu fiz e foi quando eles mediram. Ao medir deu 12 metros e 84. Doze metros e 84. Treze dias depois havia uma competição amistosa entre o São Paulo Futebol Clube e o Espéria, naquela época em razão da guerra chamava-se Floresta, e eu repeti aquilo de três noite atrás, só que eu saltei 13 metros e cinco. Mais uma semana, eu saltei 13 metros e 56 numa competição de estreantes. Eu deixava de participar da competição da parte de juvenis e passava à categoria de adulto. Então com 13 metros e 56 eu ganhei o título, bati o recorde e me tornei campeão. Quinze dias mais tarde, 13 metros e 98, eu ganhei a competição e bati o recorde da categoria de novos. Um pouco mais, menos de um mês, categoria de juniores, saltei 14 metros e 22, com 14 metros e 22 eu me tornei campeão e recordista. E naquele mesmo ano de 47, dois meses depois, eu estava com 14 metros e 77 e me tornava campeão paulista. Eu devo dizer que depois que eu saltei pela primeira vez acima dos 14 metros a curiosidade despertou-me e passando numa casa de material esportivo eu vi um livrinho sobre Atletismo. Comprei aquele livrinho e fui procurar saber se dizia alguma coisa sobre Salto Triplo. E encontrei, ali dizia: “Salto Triplo: uma das modalidades mais difíceis do Atletismo, onde um atleta dificilmente consegue chegar aos 11 metros no seu início”, então o que o livrinho dizia era sobre 11 metros (sem som 0:21:22 a 0:21:25) a marca medida deu 12 metros e 84. Bom, 47 terminei como campeão paulista. Em 48 nós teríamos os jogos olímpicos. E aí eu vou entrar na fase de jogos olímpicos.
P/1 – Como é que foi a sua emoção de ver que você já começa um esporte acima daqueles 11 metros previstos no livro? Como você se sentiu?
R – A minha emoção em começar numa parte já de destaque, ela pode ser contada da seguinte maneira: 48, Jogos Olímpicos e nós tínhamos pré-olímpicos. Esses pré-olímpicos serviam para que o atleta tentasse conseguir o índice estabelecido pelo Comitê Olímpico Brasileiro para fazer parte da delegação. O índice estabelecido para o Salto Triplo era de 14 metros e 80, então diziam meus colegas de clube: “Daqui deste clube, o único que poderá ir a Londres é você”. E eu ria na cara deles. Ria por uma razão muito simples, eu tinha uma vontade louca de conhecer o Rio de Janeiro e eles estavam falando em Londres. Londres, Inglaterra. Eu lembro-me que quando eu tinha o dinheiro para a passagem, eu não tinha dinheiro para ficar um, dois ou três dias no Rio de Janeiro, sempre faltava alguma coisa. Lembro-me também uma vez quando eu tinha dinheiro que daria pra ficar pelo menos uns três dias, naturalmente ajudado por ficar em casa de colegas dos outros clubes, clubes do Rio que competiam conosco de vez em quando, os meus pais tiveram necessidade de usar o dinheiro, e aí foi o meu sonho de conhecer o Rio de Janeiro. Pois bem, os meus colegas diziam: “Você tem condições de ir a Londres”. No dia do pré-olímpico eu teria que saltar 14 e 80 para fazer parte da delegação brasileira. E naquele dia eu estava encontrando pela primeira vez os dois grandes saltadores de Triplo do Brasil: Geraldo de Olivera e Hélio Coutinho da Silva. Geraldo de Oliveira que, em 46, um ano antes, tinha se tornado campeão sulamericano no Chile, em Santiago, e ganhara, através dos jornais, o apelido de Canguru Brasileiro. Então com eles é que eu iria me defrontar. 14 metros e 80 era o índice. Na minha primeira tentativa eu saltei 15 metros e três e com 15 metros e três eu ganhei o direito de fazer parte da equipe olímpica brasileira. E isso eu guardei até hoje, fui conhecer o Rio de Janeiro em trânsito para Londres. Quatro anos mais tarde nós teríamos os Jogos Olímpicos em Helsinque, na Finlândia. Mas no meio disso tudo meus resultados foram sucedendo, dos 15 metros e três eu cheguei aos Jogos Olímpicos de Londres não fiz absolutamente nada naquele Estádio de Wembley completamente lotado. Na minha cabeça não dava para entender que mais de 120 mil pessoas estivessem assistindo uma competição de Atletismo porque nas nossas competições no Brasil, campeonatos brasileiros, troféu Brasil, nós estávamos acostumados a ver mil a mil e 500 pessoas assistindo e normalmente esses faziam parte dos familiares dos atletas. O Atletismo não tinha público, como até hoje não tem, a não ser nas grandes grandes competições, que é o caso do Meeting internacional, mas fora disso não tinha. Então eu lembro que o juiz gritava: “Mister da Silva!”. Eu saía correndo, dava os três saltos e ficava novamente olhando o público, porque eu achava que a qualquer instante haveria um jogo de futebol. E não podia aceitar que aquele pessoal estivesse vendo Atletismo. Terminado aquela parte, então na classificação geral eu tive um décimo primeiro lugar. Isso foi em 48. Em 49 o meu técnico, e agora já posso declinar seu nome, Dietrich Gerner, pediu uma tentativa de recorde. A tentativa era para quebrar o recorde paulista. Esse recorde paulista era de 15 metros e 13 e pertencia a Geraldo de Oliveira. Na minha primeira tentativa no Canindé, com a presença de um campeão olímpico norte-americano, do arremesso do disco, _0:27:22_, na primeira tentativa saltei 15 metros e 51 eu bati não somente o recorde paulista, como o brasileiro e o sulamericano. O sulamericano estava em poder de um argentino, Luis Antonio Brunetto, desde os Jogos Olímpicos de 1924, então 25 anos depois eu estava quebrando aquele recorde. Eu creio que é interessante citar que ele saltou 15 metros e 42 e meio em 1924 e eu nasci em 1927, então, eu fui quebrar um recorde que ele havia estabelecido antes do meu nascimento. Os 15 metros e 53, além de ser recorde paulista, brasileiro e sulamericano, naquele ano de 53, foi o melhor resultado do mundo. Então eu ocupei o primeiro lugar no ranking mundial. E aí foi uma sucessão de recordes e de vitórias, mas de vitórias já no grande mundo do Atletismo. Em 1952, Helsinque. Helsinque, um lugar que logicamente eu não conhecia, procurei no mapa, procurei nos livros de Geografia, e como eu sempre fazia, procurei me inteirar do que era a Finlândia, do que era Helsinque, como vivia seu povo. Numa São Silvestre em 52 veio um corredor da Finlândia e logicamente esse corredor teve intérpretes, e esses intérpretes pertenciam à família (Alehto? 0:29:30). Então, me dirigi à família (Alehto? 0:29:34) e conversei com eles. “Eu vou estar em Helsinque e gostaria de aprender algumas palavras em finlandês”. Eles não tiveram dúvidas, quiseram me ensinar e eu aprendi, não só algumas palavas naturais, bom dia, boa tarde, como vai, onde é tal rua, o que eu posso comer, como também me ensinaram uma canção em finlandês. Então aí vem, também curiosidades da minha parte esportiva. Ao desembarcar em Helsinque eu quis testar os meus conhecimentos de finlandês e fiz a primeira tentativa dizendo:
“Terve terve”, quer dizer “Salve, salve”. Ali estavam os carregadores do aeroporto e uns poucos elementos do comitê organizador. Eu notei no semblante deles, um semblante muito sério, e eu imaginei que aquela família finlandesa tivesse em ensinado palavrões e que eu teria soltado um palavrão. Mas Terve terve, felizmente queria dizer ‘Salve, salve’. Mas como eles estavam sérios, então entrei para uma segunda tentativa, perguntando a eles: on kun __ ___ ____ _0:31:20_, “Como é que está a temperatura?”, e aí eles responderam já com um meio sorriso: “Hyvä hyvä”, “Boa, a temperatura está boa”. Aí como no salto triplo eu fui para a terceira tentativa, o terceiro salto, eu estava com o meu violão e comecei a dedilhar e a cantar a canção que a família (Alehto? 0:31:47) havia me ensinado em São Paulo. E logicamente, aquela canção era como o “Luar do Sertão” “Meu Limão Meu Limoeiro”, era uma música popular. E aí o aeroporto todo, aqueles finlandeses todos, cantaram junto comigo. Agora a expressão do olhar deles, inicialmente, é fácil entender, porque eles, naquele país que dá 30, 40 graus abaixo de zero, onde os cabelos são louros para brancos cor da neve, de repente chegar um negrão falando alguma coisa do idioma deles, e depois cantando, então no dia seguinte manchetes dos jornais, do Uusimaa, que é Notícias da Finlândia, ou então Helsingin Sanomat, o jornal da semana de Helsinque. E diziam: “Da Silva do Brasil chegou falando Terve Terve e cantando (____ ____ _____ ___ _0:32:57_). Aí a coisa passou a ser no cotidiano, eu andando pelas ruas, as famílias, ou as pessoas, normalmente com um recorte daquele jornal e conferiam se aquele que estava estampado no jornal era o Da Silva. Uma curiosidade: um casal com uma criança pequena, a mãe vira-se para a criancinha e diz: Kuka kuka musta poika, “Olha olha o rapaz negro”. Só que musta em finlandês é um preto tão preto que o asfalto fica moreno perto dele. E então, para surpresa deles eu respondi: Anteeksi, musta _0:33:52_ kahvia braziliasta poika. Quer dizer: “Desculpa, mas eu não sou tão escuro assim como esse musta que vocês dizem, eu sou moreninho da cor do café brasileiro”. E com isso eu ganhei mais alguns amigos. E até o momento da minha competição era um tal de aumentar responsabilidades em meu ombro porque a cada finlandês que eu encontrava, este finlandês dizia: “Existem cerca de seis mil atletas aqui na Finlândia participando dos Jogos Olímpicos, nós não sabemos quem vai ganhar e qual prova, apenas estamos seguros que kolmi loikka”, kolmi, para três, loikka, para saltos, tradução: salto triplo, “vai ganhar o Da Silva”. No dia 23 de julho de 1952 com os adversários que eu não conhecia, principalmente Shcherbakov, o russo, nas seis tentativas eu bati por quatro vezes o recorde mundial e olímpico: 16 e cinco, 16 e nove, 16 e 12 e 16 e 22. Com 16 metros e 22 eu me tornei campeão olímpico, fui para o pódio, recebi a medalha de ouro, recebi as flores e em seguida voltei-me para o local onde seriam içadas as três bandeiras do primeiro, segundo e terceiro e ali com os acordes com hino nacional brasileiro eu vi a bandeira do Brasil subir no posto de honra. A seguir, um enorme barulho, e esse barulho vinha da arquibancada, vinha daqueles que estavam assistindo e que gritavam, em uníssono, “Da Silva, Da Silva, Da Silva”, até que o juiz da competição dirigiu-se a mim e pediu que eu desse uma volta porque a plateia, os assistentes assim estavam pedindo. E eu fiz isso debaixo dos aplausos de toda aquela assistência e foi a primeira vez que tivemos a volta olímpica. E naquele ano de 52, um outro atleta também deu a volta olímpica, foi Emil Zátopek, da Checoslováquia, em razão de ganhar os cinco mil, os dez mil e ganhar a maratona. E a família Emil Zátopek levava quatro medalhas de ouro, porque a sua mulher, Dana Emil Zátopek, ganhava a prova do arremesso do dardo, então foram quatro medalhas de ouro, e Emil Zátopek foi convidado, tal como o Da Silva, a dar a volta olímpica.
P/1 – O que você sentiu quando você estava dando essa volta?
R – O que eu senti quando estava dando a volta olímpica. Eu costumo ser verdadeiro nas minhas coisas. O público não aceita, mas eu não senti absolutamente nada. Explico porquê. Eu sabia o que eu estava fazendo, mas não dava para interjetar, porque eu estava vindo de uma concentração de quatro meses, quatro meses com o pensamento voltado para aquele instante. Então a partir do término da competição eu comecei a desmanchar dentro de mim. Voltei para a vila olímpica, da vila olímpica tomei o meu banho. Eu tinha uma namorada e nós fomos jantar, fui divertir, depois de toda aquela preocupação fui divertir-me. No dia seguinte, aí sim, vendo o meu nome estampado nos jornais, vendo as fotografias, lendo os resultados, aí sim é que eu senti a grande emoção. E eu diria mais, sentia a satisfação de um dever cumprido. Cumprido para comigo, cumprido para com os meus familiares, cumprido para com os meus amigos, cumprido com toda a população do Brasil. Então foi realmente o meu grande momento, mas no dia seguinte, não na hora como muitos acham. Quem vibra com os peitos são aqueles que estão sentados na arquibancada, porque eles têm condições de acompanhar mais os passos, e o atleta, naquele momento, ele está num estado de tensão tão grande que eu penso, se ele demonstrar alguma coisa, ele faz por um instinto natural, não porque ele esteja realmente sentindo. Tudo isso eu tenho que começar a dizer também que começou no Canindé, começou na Avenida São João com esse José Mazucato; começou dentro do São Paulo Futebol Clube porque o São Paulo estava lá; começou com aquele alemão de olhos azuis, Dietrich Gerner, que passamos a ter tanta afinidade que eu passei a chamá-lo de meu pai. Chamar de meu pai por quê? Não pelos ensinamentos que ele me transmitia na parte esportiva, não somente por isso, mas é porque ele além de um técnico, ele era um grande psicólogo, um grande orientador e foi o homem que fez de mim um campeão. Mas antes disso ele fez de mim um homem na acepção da palavra.
P/1 – E você ganhou dinheiro com isso?
R – Graças a Deus, não. A pergunta é se eu ganhei dinheiro. Não. Eu explico por que não. No meu tempo não era permitido o atleta receber qualquer dinheiro. E mais do que isso, o bonde Canindé, não era permitido receber um passe de bonde pra se chegar ao Canindé. Não era permitido um vale refeição após o término do treino. E isso, se acontecesse, o atleta era considerado profissional. É. E da dureza do (sem som 0:41:33 a 0:41:36) subscrição popular com a finalidade de arrecadar fundos para uma casa que me seria dada de presente em razão do meu feito olímpico, da minha vitória olímpica. Ainda em Helsinque, mas sabendo que meus pais estavam no Rio, à minha espera, por uma deferência do jornal O Globo eles foram levados de São Paulo para o Rio e lá estavam numa belíssima mordomia, dentro de um belíssimo hotel, com carro à disposição, fazendo os passeios turísticos, aguardando a minha chegada. Então lá mesmo eu fiquei sabendo que eu não iria receber a casa (sem aúdio 0:42:26 a 0:0:42:30) regulamento do amador. Ao chegar no Rio, encontrando a minha mãe, ela, com lágrima nos olhos, com um sorriso estampado na boca, ela disse: “Meu filho, vamos ganhar uma casa”. Eu disse: “Como assim, mamãe?”, ela disse: “A Gazeta Esportiva está arrecadando fundos e agora já tem tanto de dinheiro, já mandaram que nós procurássemos a casa etc etc etc”. Eu digo: “Tudo bem mamãe, eu tenho que explicar uma coisa à senhora. Nós não vamos receber esta casa” “Por quê?” “Porque se recebermos eu serei considerado profissional”.
P/1 – Desculpa interromper, é só um instantinho porque acabou o nosso tempo e a gente vai ter que...
TROCA DE FITA
R – ... com a minha mãe, eu disse a ela que nós não iríamos receber a casa. E ela quis que eu explicasse porque, eu disse que as leis amadoristas não permitiam, que se eu recebesse a casa, ou se ela recebesse a casa, eu seria considerado profissional. Então ela me perguntou o que era ser profissional. Ser profissional significa não mais poder participar das competições, e possivelmente não mais dar uma alegria da senhora estar aqui visitando o Rio, com essa mordomia toda, etc, e além do mais eu terei que devolver a medalha de ouro. Então, diante disso a minha mãe disse: “Bem, meu filho, não vamos receber essa casa. Essa casa talvez não traga a felicidade que a gente espera”. Então eu fiquei satisfeitíssimo porque ela de pronto entendeu. Agora podem notar o que era dificuldade, quer dizer, um atleta não ganhava, não podia ganhar, não podia ter auxílios. E eu trabalhava pela manhã, trabalhava à tarde, estudava à noite e treinava em hora de almoço. Eu creio que mais ou menos no início desse meu depoimento eu fiz um relato sobre 1953, o sulamericano, o fato de ser funcionário público municipal, os dias que eu perdi defendendo o Brasil e a recompensa que eu tive em ser demitido do emprego porque eu fui defender o Brasil. 52 acabou, 56 Jogos Olímpicos em Melbourne, na Austrália, a terra dos cangurus e eu tive a felicidade de ganhar, então, pela segunda vez, com um recorde olímpico a medalha de ouro. E aí nós vamos pra 1956, 1960. Em 60 seria minha quarta participação em Jogos Olímpicos, como de fato foi a minha quarta participação. Roma. Eu saí daqui com a marca de 16 metros e oito, uma marca boa ainda na época, e o nosso drama começou no momento em que começou a competição. Do lado de fora, Dietrich Gerner, dentro, eu. Corria, saltava e o resultado não aparecia. E o Gerner dizia: “Mais força, reaja!”, e eu dava mais força, reagia, mas o resultado não aparecia. E assim, se passaram aquelas três primeiras tentativas da fase classificatória, no final do que eu não me classifiquei para a final. Então juntei meu material e fui deixando a pista. Uma coisa me chamou a atenção: uma salva de palmas, ensurdecedora. A prova do salto triplo estava com o Szmidt, um polonês muito bom saltador. E eu olhei para o local do salto triplo pra saber, eu achava que o Szmidt havia batido o recorde olímpico ou mundial e os aplausos seriam pra ele. Mas ao olhar bem a prova estava paralisada, como as demais provas estavam paralisadas. E à medida que eu ia deixando o estádio as palmas aumentando. Aí rapidamente eu fiz um retrospecto da minha vida e concluí que aqueles que estavam aplaudindo eram aqueles que me conheceram em Londres, que me aplaudiram em Helsinque, na Finlândia, que voltaram a me aplaudir em Melbourne e que estavam, então, aplaudindo, desejando um feliz fim de carreira. Isso tudo, três meses depois, nós tivemos o diagnóstico, encontrando-me com um médico no Jockey Clube no Rio de Janeiro ele notou algo diferente em meu pescoço, perguntou o que era e eu disse: “Não sei” “Não, mas aí está um pouco mais alto”. Bom, eu havia feito Atletismo já por 15 anos e fazer Atletismo significa fazer ginástica, educativos, há um desenvolvimento muscular e eu achava que também aquilo era parte de um músculo desenvolvido, mas ele disse: “Não, isso está me parecendo gânglios”. Eu não sabia o que eram gânglios e ele fez um convite: “Amanhã cedo você poderia estar no Hospital do Câncer? Porque eu gostaria de te examinar mas com outros médicos”. No dia seguinte eu estava, estavam em mais médicos, examinaram e chegaram a conclusão de que eu deveria passar por uma biópsia. Essa biópsia eu não sabia o que era, mas eles me explicaram e inclusive brincaram dizendo que como eu era um bicampeão olímpico eles iam cuidar bem de mim, que não tivesse nenhuma preocupação que eu não iria sentir dor. Tudo bem, eu deixei que eles fizessem o que eles tinham que fazer e depois de feito tudo eles chegaram a um diagnóstico, eu estava tuberculoso, com uma tuberculose ganglionar. Tuberculose ganglionar que tem dois nomes, escrofulose ou anemia profunda. E diz o médico: “No momento em que eu estava te operando eu não aguentei e chorei porque todos os sintomas pareciam ser de linfoma”. Linfoma, perguntei o que era e ele disse:
“Câncer nos pulmões”. Câncer nos pulmões, eu vim a saber depois, que poderia durar um dia, uma semana, um mês, mas que não haveria volta. Disse o médico: “Agora eu sei porque você fracassou em Roma. Seu organismo já estava minado”. Aí eu pensei: “Os cuidados que não se têm com o atleta, com o esportista brasileiro, porque se houvesse uma preocupação médica eu não teria ido para Roma, eu passaria por um exame sério e nesse exame teria que ser detectada essa anemia e eu não teria ido para Roma”. Enfim, coisas do esporte, coisas do esporte de terceiro mundo, coisas do esporte de um Brasil. Eu gostaria, nesse final e de depoimento, dizer alguma coisa bem, bem, bem séria. Durante muitos anos eu enverguei, eu participei com a camisa do São Paulo Futebol Clube, a ponto de, a diretoria reunida modificar estatutos e que fosse colocada na bandeira do São Paulo, logo após 52, uma estrelinha de ouro. Depois em 1956, no México, ao recobrar para o Brasil o recorde mundial, o São Paulo colocou a segunda estrelinha, são as duas estrelas que têm na bandeira do São Paulo. Eu encontrei são-paulinos que se zangam comigo porque ele diz: “O nosso São Paulo, como é que está?”, eu digo: “O nosso São Paulo eu acho que está bom” “Mas eu não te vejo na torcida”, eu digo: “Bom, então vamos parar, vamos explicar. Eu sou são-paulino e sempre dei o meu sangue para o São Paulo Futebol Clube. Tenho grandes e grandes amigos dentro do São Paulo até hoje. Se eu falo de um velho Aranha nos idos de 46, 47, 48; de um Aldocínio dos Santos, mas tenho que falar de um Cícero Pompeu de Toledo, tenho que falar de um Laudo Natel, tenho que falar de um Werneck, o doutor Werneck, o grande advogado, como tantos outros, Henri Aidar, como tantos outros que eu encontro. Então eu não aceito quando o torcedor fanático são-paulino se investe contra mim porque eu não torço pelo futebol. Eu não torço pelo futebol pura e simplesmente porque eu não gosto do futebol. E não gostar do futebol não significa não gostar do São Paulo. Então eu gostaria, não sei o momento em que vocês estiverem vendo esse depoimento, que compreendessem a minha situação. Eu fiz pelo São Paulo. Eu gostaria de dizer que se eu não torci por esse São Paulo do futebol, aqui está o Diego, o meu neto, que vocês podem ver, ele é um torcedor, é um fanático. O que ele quis? Que eu comprasse uma camisa do São Paulo Futebol Clube que ele queria pegar as assinaturas dos jogadores. Levei-o num jantar onde se comemorou 50 anos da Moeda que Caiu de Pé. E dessa Moeda que Caiu de Pé, no jantar ele foi encontrar com todos aqueles que ele estava acostumado a ver pura e simplesmente pelas telas da televisão, ouvir seus nomes ou ler nos jornais. E ele exultou quando ele viu o Palhinha, que eu não sabia quem era, Zetti, quem eu não sabia quem era, e com todos eles. Então aqui está o são-paulino que vocês que gostam do futebol querem, é o meu neto. Eu não sou torcedor de futebol. Isso não significa dizer que eu não gosto do São Paulo, adoro o São Paulo, tenho as minhas amizades e creio que eu fiz pelo São Paulo aquilo que o São Paulo talvez não fizesse por mim.
P/1 – Muito obrigada pelo seu depoimento.
R – Obrigado digo eu pela oportunidade que me deram. Que me desculpem os admiradores do São Paulo que não sabem compreender a minha situação. Eu não torço para o São Paulo do futebol porque eu não gosto de futebol, eu não vou assistir nenhuma partida de futebol. Eu tenho meus amigos dentro do São Paulo. Tenho a minha admiração, logicamente, pelo São Paulo. Gosto do São Paulo como uma família. Mas a cobrança que de vez em quando me fazem me aborrece muitíssimo. Para isso, tudo aquilo que eu não torci para o São Paulo aqui está o Diego. O Diego que é o meu neto, ele vibra com o futebol do
São Paulo, de tal maneira que nós fomos a uma festa que era o Cinquentenário da comemoração da Moeda que Caiu de Pé, e para esse jantar eu comprei uma camisa do São Paulo Futebol Clube e ele foi ao encontro dos jogadores e pegou os autógrafos. Então aqui está um sãopaulino da maneira como vocês querem, torcedor de futebol. Eu sou o sãopaulino que dei o sangue pelo clube, que fiz pelo clube o que talvez o clube não tenha feito por mim.
P/1 – Muito obrigada, muito obrigada por seu depoimento.
Acompanhante – Pode rir, Diego, está muito sério. Ahhhh.
Acompanhante 2 – Cadê o hino, não vai cantar não?
R – Canta o hino, Diego.
Diego – Canta: “Salve o tricolor paulista”. O resto não sei mais (risos)
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
Na minha primeira tentativa no Canindé, com a presença de um campeão olímpico norte-americano, do arremesso do disco, _0:27:22_, na primeira tentativa saltei 15 metros e 51 eu bati não somente o recorde paulista, como o brasileiro e o sulamericano. – Página 4.
Numa São Silvestre em 52 veio um corredor da Finlândia e logicamente esse corredor teve intérpretes, e esses intérpretes pertenciam à família (Alehto? 0:29:30). Então, me dirigi à família (Alehto? 0:29:34) e conversei com eles. – Página 4.
Mas como eles estavam sérios, então entrei para uma segunda tentativa, perguntando a eles: on kun __ ___ ____ _0:31:20_, “Como é que está a temperatura?”, e aí eles responderam já com um meio sorriso: “Hyvä hyvä”, “Boa, a temperatura está boa”. – Página 5.
Aí como no salto triplo eu fui para a terceira tentativa, o terceiro salto, eu estava com o meu violão e comecei a dedilhar e a cantar a canção que a família (Alehto? 0:31:47) havia me ensinado em São Paulo. – Página 5.
E diziam: “Da Silva do Brasil chegou falando Terve Terve e cantando (____ ____ _____ ___ _0:32:57_). – Página 5.
E então, para surpresa deles eu respondi: Anteeksi, musta _0:33:52_ kahvia braziliasta poika – Página 5.