Sempre gostei muito do meu nome. E ao contrário de muitas meninas da minha época, nunca quis me chamar Ana Carolina ou Isabela. Ainda aos sete, achava lindo ouvir a professora pronunciá-lo na hora da chamada. Era sonoro e elegante, eu pensava. Depois, fui a única Liana anos a fio, entre todas as...Continuar leitura
Sempre gostei muito do meu nome. E ao contrário de muitas meninas da minha época, nunca quis me chamar Ana Carolina ou Isabela. Ainda aos sete, achava lindo ouvir a professora pronunciá-lo na hora da chamada. Era sonoro e elegante, eu pensava. Depois, fui a única Liana anos a fio, entre todas as meninas da família, da escola, da rua...
Foi no segundo ano primário que aprendi que Liana era uma palavra trissílaba. Então me apaixonei per-di-da-men-te por essa nova descoberta. Liana era trissílaba. E na minha compreensão, se Liana era trissílaba, uma palavra assim tão difícil de pronunciar, devia ser mesmo muito importante.
Então passei a descer e a subir as escadas, pulando de três em três degraus, contando não em números, mas em sílabas, como se lendo uma partitura cheinha de mínimas e semínimas: li- a- na... li- aa- na... Assim como um beijo doce estalado, uma breve canção.
E era engraçado nas reuniões de família, ver os primos se atropelarem entre os tios, as madrinhas e os vizinhos e serem chamados pela tia mais velha assim:
-Rita da Mariiiaaaa, Rita da Betiiinhaaaa, Rita da Elviiiiraaaa : AL-MO-ÇAR
Apesar de engraçado, a impressão que eu tinha é que naquela hora, as crianças com os mesmos nomes faziam parte de um bolo só. Depois do esforço dessa gritaria toda para arregimentar a criançada, a tia já sem fôlego se dirigia a mim suavemente e dizia:
- Liana querida, venha almoçar também.
E como uma princesa eu esperava ser chamada assim. E flutuava sobre aquele atropelo de gente e chegava à mesa, guardando aquele segredo, só pra mim. E as crianças tagarelas e competitivas, nem percebiam em meio à barulhada dos talheres nos pratos, o que acabava de acontecer no meu coração.
Cresci assim, achando que eu era a única Liana de todo o universo. Mais tarde descobri que Liana vem do francês antigo e significa "uma vinha trepadeira". Mas é claro que a meninada jamais se apegou a tal vinha e sim à trepadeira. Por um bom tempo as brincadeiras como “nome...cidade...profissão”, deram lugar para “qual o significado do seu nome?”. Motivo de muita chacota e provocações.
E a Liana trissílaba que tanto me agradava os ouvidos, deu lugar por algum tempo àquela trepadeira “desavergonhada” polissílaba, que tanto me feria o coração. Só consegui me livrar da “culpa” que a cultura infanto-juvenil quis me atribuir, anos mais tarde, já mulher. Diria mesmo que já uma bela e formosa trepadeira.
Foi nessa época que, engajada numa cruzada ambiental, tive a grata satisfação de conhecer in loco uma liana, bem brasileira. Mas que gracinha de cipó Que mimo
Cheio de curvinhas sinuosas, meio que sem início e sem fim. Sem vergonha e sem pudor, que se alastrava por toda a reserva, sem medo de ser feliz.
Ao meu redor, muitas lianas desciam e subiam pelas árvores, entrelaçando galhos, dando um quê de confraria, de magia feminina, de brincadeira e celebração. Quem sabe, não liam também partituras imaginárias repletas de mínimas e semínimas como eu, durante anos pelos degraus das escadas.
Naquele momento entendi, definitivamente, que apesar de não ser a única Liana do universo, poderia continuar sendo muito especial, entre tantas outras belas lianas do planeta.
Liana Menezes é jornalista e escritora, nascida em Juiz de Fora (MG) e radicada em Cuiabá (MT)Recolher